Thomas Stearns Eliot é um artista de três frentes: poeta, crítico e dramaturgo. T.S.Eliot, nome abreviado com que este grande poeta ficou conhecido na História, deu uma nova forma à poesia inglesa. Eliot possui uma formação que se reflete em sua poesia, tal repertório pode ser contado por influências diversas como emanações de um passado oriental sânscrito, pulsações de antiguidade grega e latina e até hebraicas, passando pela floração francesa da Provença a Mallarmé, pela Itália até Dante, e com toda a amplitude da poesia inglesa, e com sua realização
artística como um empreendimento que nasce, dentre um universo multifacetado, pelo método tradicional que consiste na prática de mimese estilística, forma na qual Eliot atuou com esmero, numa verdadeira colagem de poesia universal.
Tal forma de mimese foi o caminho principal que forneceu a Eliot a sua técnica de fragmentação que seria a marca de todo o seu trabalho poético. A impressão primeira de românticos ingleses sobre a percepção de Eliot se deu sobretudo com Byron e Wordsworth, além do pré-rafaelita Swinburne. Mas, a grande influência e admiração de Eliot foi despertada pelo simbolista Jules Laforgue, este que, por sua vez, tinha débito criativo com vultos da segunda metade do século XIX que vão de Baudelaire a Mallarmé. Um dos pontos de partida da poesia de Eliot, se pode afirmar, foi a poesia de Laforgue.
Mimética e fragmentação
Este trabalho mimético de Eliot não pode ser entendido como simples influência de estilo ou escrita no sentido usual de uma imitação pura, pois um termo muito utilizado nesta mistura da poesia de Eliot entre mimese e fragmentação é o de “eliotização”, pois com este neologismo fica claro que T.S.Eliot é bastante original, num paradoxo de subsunção de estilos de outras matrizes criando seu universo-matriz de hibridismo que resulta num todo composto e novo, que é a poesia de Eliot, digamos, “eliotizada”. A poética do fragmento reúne as múltiplas fontes e raízes de Eliot, tal apropriação que é a eliotização, um empréstimo histórico que vira propriedade de T.S.Eliot com a sua poesia. E o termo “eliotização” pode ser entendido, com justa medida, na compreensão do
próprio T.S.Eliot da poesia como um fenômeno de cultura.
A herança cultural é revivida, e os estratos literários de épocas históricas anteriores ganham o matiz eliotiano de expressão condensada e nova, a poesia do fragmento de Eliot. Do ponto de vista estrutural, a poesia de Eliot caracteriza-se pela experiência da fragmentação, da multiplicidade descontínua de matrizes composicionais, pois a influência histórica na poesia de Eliot não é só uma questão de estilo, ela está presente concretamente no corpo do poema, e é neste sentido, mais do que o de estilo, que o termo fragmento ou fragmentação ganha evidência na poesia de Eliot. O fragmento como peça histórica, pedaço de poema, é concreto na experiência poética de T.S.Eliot. Partes isoladas ganham nexo causal numa espécie de todo, criando um organismo poemático maior que resultou em mosaicos estupendos como The Waste Land, The Hollow Man e Ash-Wednesday, e em formas inacabadas como Unfinished Poems. E essa composição física de colagem de pedaços também pode ser vista em trabalhos como os Ariel Poems e os Minor Poems.
Isolamento e incomunicalidade do ser
Um dos sentidos depreendidos da poesia de Eliot pode estar na ideia de isolamento e incomunicabilidade do ser, do ser que “está aqui”, diante do tempo e da história, sempre “em face”, citando Rilke, e então atormentado pela consciência crítica do mundo, da vida e de si próprio, na lacerante noção de queda e do extravio. A ambivalência psicológica da composição e toda uma caótica
organização gestáltica nos dá um princípio de tensão antitética entre a parcela-fragmento e a soma-poema no trabalho de Eliot que resulta, por sua vez, no supracitado isolamento e incomunicabilidade do ser.
O reflexo de queda e extravio é o próprio sentido da forma assumida da poesia de Eliot como fragmento. No sentido de estilo e tema, se podemos dar a inflexão precisa da evolução poética de Eliot, esta se dá na virada de forma e de temática, que vai da predominância do imagismo poundiano e das referências de realidade cotidiana das décadas de 1910 e de 1920, e que, depois da conversão do autor ao cristianismo anglo-católico, resulta em uma poesia transformada na direção de problemas de ordem filosófica e religiosa, numa vertente metafísica de tema, e que se processa em paralelo à maturação estilística e formal do poeta, daí que podemos chamar tal inflexão como de estilo e de tema. E a culminância desta metamorfose será então sua realização com o Four Quartets, em que se dá a plenitude absoluta de temas medulares que são o significado do tempo e as perspectivas transcendentais do destino humano.
O sentido da música na poesia
Falando do estilo no seu sentido específico de musicalidade na poesia, podemos colocar Eliot distante de intenções como as de um Verlaine e de diversos poetas românticos e simbolistas, que fizeram, por sua vez, processos rímico-aliterativos, ao promoverem sensualisticamente a melodização do significante verbal, que antes comprometeram do que revitalizaram as potencialidades semântico-conteudísticas do significado poético.
Eliot, portanto, se aproxima de Valéry, já numa advertência contra o perigo representado pela música relativamente à autonomia da expressão poética, e que tem a ressalva, na crítica literária de Eliot, quando a música serve na poesia como “o sentido do ritmo e da estrutura”. Portanto, a música na poesia, para Eliot, tem a virtude de compor com a estrutura e a noção importantíssima, e a qual eu considerado a mais importante para todo poeta, o ritmo, e um vício quando a música vira um cacoete ou até uma presepada de virtuosismo metafórico rica em forma e pobre em conteúdo, ou como a força expressiva e substrato que cai num vácuo onde o som puro não dá significado além de um exercício de virtuose poético, sendo a sonoridade de esteta predominante, neste caso, em relação ao compasso ritmado que dá consistência ao trabalho poético.
Então, a música, na poesia de Eliot, e na sua orientação como crítico literário, é colocada como um serviço ao ritmo e a estrutura do poema, evitando armadilhas como a melodização ou musicalização do verso. Eliot buscava, numa definição precisa, o correlato objetivo da emoção, evitando, em seu estilo, a formação de halos impressionísticos, com o sentido esclarecido de um trabalho poético autoconsciente com a emoção definida na exigência de significado verbal. Assim, na poesia de Eliot, a palavra jamais é trabalhada como puro som ou retórico ornamento fônico, e sim em atendimento às exigências de um princípio que a define, acima de tudo, como veículo transmissor de pensamentos e conceitos universais e como enunciado gramatical de um discurso cujas linhas-de-força residem na referência simbológica e no linearismo sintático.
A linguagem para Eliot move conceitos, ideias, e o esforço poético do símbolo para Eliot tem tudo a ver com carga histórica de significado, e nada a ver com sonoridade pura, daí que sua simbologia é completamente diversa das virtuosidades metafóricas comuns a simbolistas e românticos.
O poema longo de Eliot
E a poética de Eliot, nesta senda da fragmentação, nos coloca diante de um aspecto crucial de seu trabalho, e também para toda a poesia e os poetas, que é a problemática do poema longo, se tratando de sua viabilidade no sentido de que o poeta tenta uma tarefa impossível de sustentar o mesmo tom e as mesmas qualidades líricas, épicas ou dramáticas durante todo o trajeto do poema, questão que em Eliot é bem resolvida pela própria fragmentação, o que lhe permite uma liberdade de colagem que não necessita da sustentação de um tom universal ou de uma mesma respiração por todo o trajeto da escrita.
Neste caso, para Eliot, o poema longo tem uma facilidade maior do que uma épica gigantesca de estilo único. E, na fragmentação, Eliot resolve isto através da conjugação, dentro de um mesmo poema, de momentos de alta tensão lírica e de passagens intencionalmente prosaicas, como ocorre em The Waste Land e nos Four Quartets, culminâncias da poética de Eliot. E é como operador de fragmentos que Eliot se coloca, na poesia, como um dos maiores realizadores do poema longo moderno do século XX, e um caso-limite de poeta consciente, de poeta de poetas, também como crítico literário de poetas.
T.S. Eliot, poeta do século XX
Eliot representa a expressão da poesia moderna do século XX, isto é: a norma eliotiana ratifica a supressão de tudo que parece liricamente supérfluo, ou apenas discursivo, nos poemas maiores, e segue o caminho moderno com a ostensiva oposição aos enunciados do pensamento lógico, às estratificações parnasianas de esquemas rímico-rítmicos, do divórcio entre forma e fundo, ou o caráter estritamente descritivo-pictural de que tanto padeceu a poesia dos séculos XVIII e XIX.
Four Quartets
Por sua vez, Four Quartets, de 1943, constituem não só o momento mais alto de toda a criação poética eliotiana, mas a conjunção perfeita do plano estilístico, formal, ideológico, político e filosófico-religioso, e a consolidação da experiência de Eliot com a técnica da fragmentação. Four Quartets é o supremo retábulo da poética eliotiana, como a síntese estrutural, estilística e temática de toda a sua obra anterior, é um todo de sua obra, que também é, contudo, operado pelo fragmento, fragmentação que é o ponto nodal da poesia eliotiana. Eliot, em seu Four Quartets, faz jus ao temperamento inglês de poesia moderna, devedor de Coleridge, que é uma atitude visceralmente reflexiva, produto da tensão antitética entre os impulsos contraditórios da alma do poeta, e os Four Quartets aparecem então como a “mais pura meditação sobre o sentido da vida”, uma longa e dolorosa elegia sobre a condição humana, o mal da civilização, discurso de alta
voltagem lírica, puro drama, às voltas com o significado do tempo, composição final da obra eliotiana, como documento em poema-partitura de profundas implicações filosófico-religiosas que resulta na fundamentação histórica da fé de T.S.Eliot no Absoluto. Four Quartets é nada mais que a súmula de todo o pensamento poético de T.S.Eliot, e tal visão deste poeta, levando em conta toda a sua obra, e a síntese que representa Four Quartets para todo o conjunto do trabalho de T.S.Eliot, é mais uma vez o reflexo da crença-marca da obra eliotiana de que em seu princípio estava seu fim e em seu fim o seu princípio.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor. Blog: http://poesiaeconhecimento.blogspot.com