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Por onde anda o Pé do Lixo?

Quinze anos depois do fim da banda que marcou época na música capixaba, integrantes tomaram novos rumos na vida

Divulgação

Há 25 anos, quando emergiu na cena cultural capixaba, a banda Pé do Lixo causou curiosidade e delírio no público. Performances enérgicas, guitarras marcantes e percussão formada por materiais reciclados como tonéis e bombonas, telhas de zinco, bambus, pás de lixo e outros, marcaram época numa das fases consideradas de ouro na música capixaba, entre o final dos anos 90 e os inícios da década de 2000, quando uma série de bandas ganharam popularidade entre o público local e protagonizaram grandes eventos e festivais.

Muita coisa mudou de lá pra cá, mas muitas das músicas, que traziam temas políticos, sociais e ambientais, seguem atuais mais de 15 anos após o fim da banda. Mas que rumo tomaram seus integrantes?

Conversamos com músicos que compuseram o grupo, que se apresentou em festivais como o lendário Dia D e chegou a vencer o Troféu Guananira como Melhor Banda do Ano no Estado em 2000 e a ganhar o título de banda do mês em maio de 1999 no programa Ultrassom do canal MTV, então a menina-dos-olhos de qualquer artista ou banda que almejava um lugar ao sol no meio musical. Como legado musical, o Pé do Lixo deixou gravado singles, um EP homônimo e o disco Reciclo, lançado em 1999 pela Lona Records e re-lançado em 2002.

Os tempos definitivamente eram outros. Marcos Moreira, o percussionista que comandou os latões e bombonas que davam uma sonoridade toda especial para a banda, analisa que o Pé do Lixo não chegou a pegar o momento de grande inclusão digital, com a era dos smartphones, que facilitou a divulgação de projetos. “O boom da internet mudou todo o cenário, redes sociais ditam comportamentos e dão voz a quem certamente na época passava despercebido”, diz.

Na época de auge da banda eram pequenos selos e gravadoras locais com pouca estrutura que tinham que dar conta da gravação, distribuição e divulgação das obras, e esse tipo de produção independente muitas vezes não conseguia atingir nem a qualidade técnica nem a possibilidade de alcance dos dias de hoje. “Mesmo assim fomos bem recebidos em todos os lugares que nos apresentávamos, tanto pela crítica, quanto pelo público”, analisa Marcos.

Sendo assim, além da cena local, eventos com atrações nacionais eram importantes para conseguir promover a banda e divulgar seu som. O Pé do Lixo chegou a tocar com grupos como O Rappa, Barão Vermelho e Planet Hemp em suas passagens pelo Espírito Santo e se apresentar em festivais em São Paulo, Brasília e Recife no mesmo palco de Skank, Raimundos, Natiruts e Nação Zumbi, como lembra Sandro Braga, guitarrista e compositor da maioria das músicas do grupo. “Foi um momento especial para todos nós”, diz, ao lembrar do épico show para um público de mais de 70 mil pessoas em festival realizado no estacionamento do Estádio Mané Garrincha, na capital federal.

Mas apesar da circulação, a banda também fincou fortemente as raízes em sua terra de origem e tinha uma projeto de inclusão social com crianças no bairro Jesus de Nazareth, em Vitória. “O Pé do Lixo era mais que uma banda. O trabalho tinha uma proporção que extrapolava as barreiras da música”, declara Cláudio Manga, um dos fundadores do grupo e o percussionista responsável pela inovação percussiva com a inclusão dos instrumentos não convencionais.

Show do Pé do Lixo no Dia D, evento só com bandas capixabas que reunia mais de 15 mil pessoas em Vitória. Foto: Divulgação

Também integrante da formação original da banda, o baixista Rafael Nader lembra que o Pé do Lixo buscava abrir espaço para outros músicos participarem de seus shows, além de permitir ingresso de novos integrantes no grupo ao longo do tempo. “Os shows sempre tinham participações de músicos de bandas capixabas que compunham o cenário na época, e houve outros músicos que deram uma grande contribuição para a banda, principalmente lá no início”, conta, lembrando de nomes como Rodrigo Lima, vocalista do Dead Fish, Nego Léo, e Marcelo Trifm.

Com estreia em 1995 com shows na Praça Oito, Centro de Vitória, e no campus da Ufes, o grupo trocou vários integrantes até seu encerramentos em meados de 2005. Porém, músicos das várias formações se reencontraram em diversas ocasiões posteriores para tocar juntos e relembrar os sucesso da banda como “Terra Prometida”, como foi o caso de apresentações especiais no BarrAcústico, no Pub, no Teatro Sesi e no Vitória Rock Festival.

De fato, o Pé do Lixo marcou história na música recente do Espírito Santo e compôs um momento de uma cena muito viva e diversa no Estado. Os ex-integrantes do grupo são unânimes em dizer que a música e os momentos da carreira foram importantes para a construção de suas vidas, mesmo que a maioria tenha se distanciado de uma carreira musical.

Reencontro do grupo em 2012 para show no Pub em Reforma. Foto: Divulgação

Cantor e fundador da banda, Reginaldo Secundo trabalhou por anos com teatro e se formou em Fisioterapia com especialização em atendimentos domiciliares e terapias manuais. Um dos incentivadores foi o músico e amigo Alexandre Lima, de quem cuidou por quatro anos após ele sofrer um acidente cardíaco que o levou a um estado de coma no qual permanece desde 2014. “Hoje tenho uma nova profissão, novos horizontes, graças ao Alexandre Lima, que mesmo sem dizer uma palavra me mostrou uma nova maneira de ver a vida e ajudar outras pessoas”, diz.

Sandro Maia hoje trabalha como encarregado e fiscal em uma indústria de distribuição de equipamentos de grande porte e fora da labuta se dedica à família e a atividades como andar de skate, bicicleta e motocicleta, que garante ter mudado seu estilo de vida. “O motociclismo tem uma importância muito grande para mim, hoje estou mais maduro na busca por meus objetivos, desenvolvendo trabalhos de eleição de vídeos, adepto a uma vida mais saudável. Voltei à prática de esportes e com foco no trabalho e no meu canal virtual”, explica. Ele comanda o canal Rolé pela Cidade no YouTube.

Rafael Nader, que é administrador de empresas e trabalha na área de consultoria em finanças estratégicas, conta que continua tocando com outras bandas capixabas, mas leva a música como hobby. Hoje se dedica a seu trabalho e sua família e leva aos filhos preceitos que trazia desde os tempos de Pé do Lixo, como a educação e a consciência ambiental e o respeito ao próximo para construir um mundo melhor.

A questão ambiental também ficou forte em Cláudio Manga, que se tornou biólogo e trabalhou como consultor ambiental de fauna e pesquisador em diversos estados brasileiros. Atualmente é professor e diretor de escola e também motociclista. Ainda segue tocando como hobby. “A música está sempre presente, a música tem o condão de proporcionar uma elevação espiritual do ser humano”, enaltece.

Já Marcos Moreira teve uma mudança radical. Diz que não encosta em um instrumento musical desde quando o Pé do Lixo fez um reencontro tocando no espaço Pub em Reforma, há quase uma década. Depois que deixou o grupo, ele se formou em Artes da Ufes e atualmente está cursando Direito. Passou em concursos públicos e trabalhou nos Correios e Infraero e desde 2016 vive fora do Espírito Santo. Atualmente é Policial Rodoviário Federal em Porto Velho, capital de Rondônia. “Posso falar que minha vida atual é completamente diferente, não consigo nem comparar. Hoje tenho objetivos na vida, tenho uma família para zelar e um caminho a trilhar”, relata.

Quem mantém uma carreira na música é Cid Travaglia, que hoje vive na Alemanha, e comanda o Napalma, grupo criado em 2004 no Espírito Santo, mas que agora tem base em Berlim e formato de duo de World Beat, formado por Cid e o seneglês Abass Ndiaye.

Já Anderson Bacana, que também integrou a banda, é jornalista e radialista e também atua como assessor de imprensa para empresas do Espírito Santo. Após o fim do Pé do Lixo criou o grupo Universo Reciclado e nas horas vagas continua escrevendo suas composições, além cuidar dos três filhos e ter uma netinha. É também um militante da música capixaba, estando há 18 anos no comando do programa Santo de Casa, da Rádio Cidade FM, um dos poucos dedicados exclusivamente à musicalidade feita no Espírito Santo. “Atualmente, tenho contribuído para o desenvolvimento de outros artistas do Espírito Santo, seguindo sempre com a música em meu coração”.

Pé do Lixo. Coração da música.

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