A Escadaria do Rosário estava tomada de cima abaixo. O trecho em frente da rua homônima, apinhada de gente. A impressão que se tinha observando estilos, conversas, trejeitos, é de que todos os extratos sociais estavam ali, da Ilha do Boi à Ilha do Príncipe. A gatinha loirinha de tênis Redley e o mano – negro, dread, tênis puído. Todo mundo atento à base da escadaria, onde duplas se engalfinhavam verbalmente em “batalhas de MC’s” ou grupos entornavam na rua a poesia dura da vida nos guetos.
Havia, no entanto, uma outra e fundamental impressão. Na noite do último sábado (13) e madrugada de domingo (14), quando o Centro de Vitória recebeu o grosso da programação do Viradão Vitória, organizado pela prefeitura municipal, o desavisado que saísse do miolo da Praça Costa Pereira e, por ventura, desembocasse na penumbra da Rua do Rosário e se juntasse à galera reunida na escadaria, cuja iluminação era menos hostil, teria a impressão de que o Viradão do Rap era atração integrante do Viradão Vitória.
Mas, não. Incrivelmente, não. Alguém pode responder: mas no sábado houve o hip-hop do DJ Sagaz e, no domingo, a Grafiteria Coletiva (ação do projeto A Arte é Nossa, da prefeitura). Foi pouco. A celebração periférica da Escadaria do Rosário mostrou que o Viradão Vitória ficou aquém do que a cultura hip-hop pode oferecer – ou melhor, já oferece – ao Centro de Vitória.
Como é da natureza do universo hip-hop, o Viradão do Rap não foi capricho ou birra. Foi um protesto. Gabriel Soniq, um dos organizadores, explicou as motivações do evento a Século Diário (link acima): “A Virada do Rap surgiu a partir do momento em que a Prefeitura de Vitória se esqueceu de encaixar a cultura hip hop na primeira Virada Cultural de Vitória. A princípio seria apenas um manifesto para celebrar o hip hop, mas a ideia começou a crescer e a tomar proporções que não imaginávamos”.
Isso foi na sexta (12). Se a prefeitura esqueceu, o público lembrou, porque talvez Soniq não imaginasse que o Viradão da sua turma se tornaria um dos principais destinos do Viradão oficial.
Este, deixemos claro, foi bonito. Vitorinha não humanizou suas ruas, ainda experimentadas por boa parte da população como propriedade inalienável dos carros. Vivê-las a pé ou de bicicleta ainda é quimera: por isso foi enternecedor sentir o asfalto da Jerônimo Monteiro sob os pés, ver tanta gente se deslocar a pé pelo Centro. Pelo menos por poucas horas, a cidade foi para as pessoas.
Mas não incluir o rap de forma mais consistente no evento foi erro dos grandes. Não se pode falar em deslize. Há pelo menos um ano e meio o Hip-Hop capixaba criou um laço consistente com o Centro ao transformar a Escadaria do Rosário numa espécie de centro cultural da comunidade, sobretudo através do projeto Boca a Boca, que percorre a Grande Vitória toda sexta apresentando as manifestações do gênero. As edições especiais do Boca a Boca acontecem sempre no local.
Por isso quem percorreu o Viradão (da prefeitura) de lá pra cá e de cá pra lá verificou que, na relação artistas/público, o Viradão do Rap não deveu absolutamente nada à programação oficial. Pareceu mais um ponto da programação, embora, de novo, realizado por mãos independentes.
Foi igualmente um erro porque a Prefeitura de Vitória hasteia aos quatro ventos a bandeira do projeto Eu Sou do Centro e sua proposta de revitalização (cultural, social, econômica, etc…) da região. Sempre que pode, o prefeito o festeja.
Mas vejamos o seguinte: a Rua Treze de Mario, endereço da Secretaria Municipal de Cultura, fica a poucos metros da do Rosário. Se a gestão Luciano Rezende desconhece o que se passa sob suas barbas, periga transformar o Eu Sou do Centro em, no máximo, um filho de sorriso branco, belos olhos e nome bonito. Já se anunciou que outras edições do Viradão podem acontecer. Eis a chance de corrigir a falha.