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Púchkin – poesias escolhidas (parte 1)

BIOGRAFIA DE PÚCHKIN – PARTE I
 
Púchkin veio a falecer quando tinha apenas 37 anos. O poeta e escritor, devido a isto, deixou várias de suas obras mais longas, em verso ou em prosa, inacabadas, e também muitos de seus poemas que ele dera início restaram desses apenas fragmentos. Mesmo com tais lacunas, o que Púchkin deixou como concluído e publicado foi suficiente para que muitos de seus contemporâneos o considerassem o maior dos poetas russos, e isso também nas gerações posteriores.
Púchkin também se destacou em prosa e na ficção, tendo em paralelo a ascensão de outro mestre como foi Nicolai Gógol’, e com outros vultos russos na senda literária surgindo nas décadas seguintes, mantendo, no entanto, a grande dimensão dos contos e relatos desse poeta e escritor, tendo a estima de também estar entre os grandes nestes gêneros literários.
Aleksandr Púchkin nasceu em Moscou no dia 26 de maio de 1799 e morreu nessa cidade no dia 10 de fevereiro de1837. Embora tenha improvisado comédias inspiradas em Molière, Púchkin ganha a sua estatura quando escreve seus primeiros versos perduráveis em russo: que podem ser exemplificados por obras como A janela, Manhã de outono, Aspiração, Aos meus amigos (“Os deuses ainda vos dão …”), O prazer e A taça do brinde.
Em meio de sua ascensão literária, Púchkin frequenta os salões aristocráticos, e inicia divertimentos pouco sensatos, que envolvem alguns duelos. E de 1817 a 1820, Púchkin apresenta uma produção prolífica, resultando em novas obras como A *** (“Saber não queiras por que a alma abatida …”), A N. Ia. Pliuskova, A Tchaadáev, Ao gênio familiar, A ondina (“Diante de um lago, entre carvalhos …”), Tsárskoie Seló, Estâncias a Tolstoi, “Desvaneceu-se a diurna estrela …” e “Sua beleza, que é serena …”. E também é neste período que aparece seu primeiro grande poema: Ruslan e Liudmila, e que é um sucesso imediato.  
Na Bessarábia, Púchkin anda em meio a bailes provincianos, em que se envolve em casos amorosos, duelos, visitando feiras moldavas e acampamentos ciganos. É nesse período que vem a lume obras como O Prisioneiro do Cáucaso, Os Irmãos Salteadores, Os Ciganos, que são poemas influenciados fortemente por Byron, e é em 1823, a seguir, que Púchkin começa a produzir o que a crítica e os leitores vão considerar a sua obra-prima, que é o grande romance em versos Evguêni Onêguin, o qual envolve oito anos de trabalho e que se conclui sem, no entanto, se encerrar, pois Púchkin deixa a obra em aberto, e mesmo assim tal obra é importante, pois nos oferece um retrato preciso da sociedade russa de então, com personagens que possuíam grande verdade psicológica, com episódios de brilho intenso, com descrições da natureza de grande beleza, e que é a criação literária mais extensa de toda a obra dele, no que temos tal romance com lugar de vulto na literatura russa de todos os tempos, e também na literatura mundial. E é com esta obra que Púchkin rompe com a influência do romantismo byroniano, indo em direção a uma literatura realista.
Neste ínterim, Púchkin vai para Odessa, onde serve como funcionário de escritório do general-governador Vorontsov, aonde o escritor e a esposa de Vorontsov se apaixonam um pelo outro. Por sua vez, o marido, que esperava ser louvado pelo poeta, irrita-se e tenta humilhar Púchkin, no que a polícia intercepta uma carta do poeta, em que este afirma estar “tomando lições de puro ateísmo”. Vorontsov, então, exige o afastamento de Púchkin de Odessa, e o czar exclui Púchkin do funcionalismo e o exila numa aldeia, Mikháilovskoie, lugar em que Púchkin recebe vigilância policial e eclesiástica.
Durante o inverno, as autoridades lhe proíbem visitas e a sua saída da aldeia. E é em meio de tal solidão que Púchkin escreve, dentre outras coisas, o poema “Protege-me, meu talismã …”, sobre um anel-amuleto que lhe fora dado por Elizaveta Vorontsova e, a pedido dela, queima as cartas de amor que ela lhe dirigira (ver a poesia A carta incinerada). E é também neste isolamento forçado que Púchkin escreve a tragédia Boris Godunov, a qual envolve fatos da história da Rússia do século XVII. No exílio, Púchkin se relaciona com a família Óssipov-Vul’f, em cuja fazenda reencontra Anna Petrovna Kern, que casara, aos dezesseis anos, com um general bem mais velho do que ela, e os dois se envolvem.
 
POEMAS:
 
MADONA: O poema começa com tais versos: “Eu nunca desejei ornar com profusão/De quadros dos de outrora a casa em que ora habito,/Para que o visitante, atento do perito/Ao laudo grave, a olhasse com superstição.”. O ornamento do habitat do poeta não pode ser objeto da superstição, no que segue o poema, que pinta a tela com a mesma profusão e inspiração do início: “Que da tela, qual se do céu, em direção/A mim, a imaculada e o salvador bendito/_ Ela, nobreza plena; ele, pleno saber –/Olhassem, de seu triunfo e de seu esplender,/Sós, sem anjos, de Sião sob a verde palmeira./Meus desejos estão cumpridos. O Criador/A mim te encaminhou, Madona alvissareira,/Que és o exemplo melhor do mais puro primor.”. A madona aparece como em quadro pintado, e o poema se associa nas suas cores como imagem religiosa e de arte consolidada.
 
A *** : O poema aparece-nos em tal visão: “Do instante mágico hei lembrança:/Diante de mim surgiste então/Qual anjo que aqui não descansa,/Qual ser de pura perfeição.”. A perfeição, cara a toda poesia, toma de tal o seu poder e a sua força, no que o poema segue: “Recluso em longínqua distância,/Meus dias se iam de arrastão,/Sem nume nem exuberância,/Sem pranto, sem vida ou paixão./Em minha alma ocorreu mudança:/Eis que outra vez surgiste então/Qual anjo que aqui não descansa,/Qual ser de pura perfeição./Vibra o peito em feliz instância,/E de novo comigo estão/O nume com a exuberância/Mais o pranto, a vida e a paixão.”. Com pequenos e sutis estribilhos, a beleza de musa e poema se fundem num todo harmonioso e bem fluido de um poeta que não peca por se inspirar.
 
O PRISIONEIRO: O poema, de tom angustiante, nos dá a imagem da prisão, em toda a sua dor: “Estou trás as grades de úmida prisão./Águia jovem criada nesta servidão,” (…) “Atrai com a olhada e o grito peculiar/E quer proferir: “Ponhamo-nos a voar!/Livres somos nós; é hora, é hora, irmão!”. A hora da libertação é a do voo, a tensão entre liberdade e prisão é o obvio da luta interior do poeta, que segue com o poema: “Ao ponto em que o azul aos mares se estendeu,/Ao em que passeamos, sós, o vento … e eu!””. O vento vem ao poeta, e a sua libertação sonha no azul que nos mares se espalha, o vento é a liberdade deste poema prisioneiro.
 
PRESSENTIMENTO: O poema vidente nos dá então sua visão, no que segue: “Nuvens negras novamente/Reúnem-se sobre mim;/Com desgraça repelente/O fado ameaça meu fim …”. O fado é o fim, mas o poema continua, como um resgate: “Talvez, inda resgatado,/Porto de novo hei de achar …/Mas pressentido a partida,/A hora da provação,/Apresso-me, minha vida,/A vir apertar-te a mão./Meu anjo meigo e sereno,/Dir-me-ás baixo teu adeus,”. A hora do adeus é a consumação de tal fado, fim de poema, que vem como memória suave, e com o tempo que já vai e se perde na imensidão: “E essa suave lembrança/Nesta alma substituirá/Força, ardor, brio e esperança/Do tempo que já vai lá.”.
 
A CARTA INCINERADA: O poema de amor se consome no fogo, e a carta é que vira cinzas: “Adeus, carta de amor, adeus; assim quis ela …/Muito procrastinei, muito à chama da vela” (…) “Basta, o instante chegou; arde, carta de amor.”. Eis o instante em que o que está escrito vira fogo, queima a carta e o poeta clama pela providência, no que segue o poema: “_ Ó Providência -, o lacre, em brasa já, derrete …/Cada folha se enrola, então cor de carvão./Era fatal! Na cinza a oculta e alma expressão/Branqueja … O peito meu contrai-se. Cinza amada,/Refrigério infeliz de sorte desgraçada,/Serás sempre sobre este aflito coração.”. A aflição é a imagem do poema, e não há dor maior de amor do que esta carta sendo incinerada, quando tudo se exorciza.
 
MANHÃ DE INVERNO: O poema se abre em tais versos: “Há frio e sol; que manhã linda!/Tu, meu primor, dormes ainda./É tempo, ó bela, de acordar.”. A bela dorme, e o poeta a quer desperta, e o poema segue: “À noite, neve e tempestade/Houve e, no céu, névoa, verdade?” (…) “Tristonha estavas e sentada;/E ora … à janela vem olhar:/Ao claro azul do céu que esplende,”. A mulher triste, e o olhar da beleza se espalha no azul do céu que brilha, no que segue o poema: “O bosque, só, sobressai, preto;/Verdeja, sob a geada, o abeto;/Sob gelo, eis a água a lucilar.”. E a imagem amorosa vem como em galope, num fim praiano de afeto poético e humano: “A deslizar na neve, amada,/Dar-nos-emos à galopada/Do equino e sua agitação./Iremos ver os nus e imensos/Campos, faz pouco inda tão densos,/E a praia de minha afeição.”.
 
POEMAS:
 
MADONA
Eu nunca desejei ornar com profusão
De quadros dos de outrora a casa em que ora habito,
Para que o visitante, atento do perito
Ao laudo grave, a olhasse com superstição.
 
De um só quadro eu quis ser, em minha habitação,
Eterno espectador, da faina ao lento rito;
Que da tela, qual se do céu, em direção
A mim, a imaculada e o salvador bendito
 
_ Ela, nobreza plena; ele, pleno saber –
Olhassem, de seu triunfo e de seu esplender,
Sós, sem anjos, de Sião sob a verde palmeira.
 
Meus desejos estão cumpridos. O Criador
A mim te encaminhou, Madona alvissareira,
Que és o exemplo melhor do mais puro primor.
(1830)
 
A ***
 
Do instante mágico hei lembrança:
Diante de mim surgiste então
Qual anjo que aqui não descansa,
Qual ser de pura perfeição.
 
Meio à magoa sem esperança,
Meio aos alarmes do que é vão,
Ouvi longamente voz mansa
E sonhei querida visão.
 
De anos e de tufões a dança
Varreu meu sonho temporão,
Não mais lembrei tua voz mansa
Nem tua celeste visão.
 
Recluso em longínqua distância,
Meus dias se iam de arrastão,
Sem nume nem exuberância,
Sem pranto, sem vida ou paixão.
 
Em minha alma ocorreu mudança:
Eis que outra vez surgiste então
Qual anjo que aqui não descansa,
Qual ser de pura perfeição.
 
Vibra o peito em feliz instância,
E de novo comigo estão
O nume com a exuberância
Mais o pranto, a vida e a paixão.
(1825)
 
O PRISIONEIRO
 
Estou trás as grades de úmida prisão.
Águia jovem criada nesta servidão,
Triste companheiro meu, a asa a agitar,
Sangrenta ração se dispõe a bicar.
 
Mas logo a rejeita, e olha através do vão
Qual se a meditar em minha solidão.
Atrai com a olhada e o grito peculiar
E quer proferir: “Ponhamo-nos a voar!
 
Livres somos nós; é hora, é hora, irmão!
Ao cimo que alveja trás o nimbo, então,
Ao ponto em que o azul aos mares se estendeu,
Ao em que passeamos, sós, o vento … e eu!”
(1822)
 
PRESSENTIMENTO
 
Nuvens negras novamente
Reúnem-se sobre mim;
Com desgraça repelente
O fado ameaça meu fim …
Desdenharei a desgraça?
Diante dela mostrarei
O orgulho, a paciência, a raça
Dos dias que atrás deixei?
 
Por procelas esgotado,
Outra aguardo sem piscar:
Talvez, inda resgatado,
Porto de novo hei de achar …
Mas pressentido a partida,
A hora da provação,
Apresso-me, minha vida,
A vir apertar-te a mão.
 
Meu anjo meigo e sereno,
Dir-me-ás baixo teu adeus,
Fitando, ou não, esse ameno
Olhar nestes olhos meus;
E essa suave lembrança
Nesta alma substituirá
Força, ardor, brio e esperança
Do tempo que já vai lá.
(1828)
 
 A CARTA INCINERADA
 
Adeus, carta de amor, adeus; assim quis ela …
Muito procrastinei, muito à chama da vela
Meu regozijo eu não me decidi a opor! …
Basta, o instante chegou; arde, carta de amor.
Minha alma (pronto estou) outro ato não concebe.
As páginas, voraz, o calor já recebe …
Inflamaram-se após instante … e a fumaçar,
Sobem, perdem-se com minhas súplicas no ar.
A esvair-se a impressão fiel do anel-sinete
_ Ó Providência -, o lacre, em brasa já, derrete …
Cada folha se enrola, então cor de carvão.
Era fatal! Na cinza a oculta e alma expressão
Branqueja … O peito meu contrai-se. Cinza amada,
Refrigério infeliz de sorte desgraçada,
Serás sempre sobre este aflito coração.
(1825)
 
MANHÃ DE INVERNO
 
Há frio e sol; que manhã linda!
Tu, meu primor, dormes ainda.
É tempo, ó bela, de acordar.
Desvenda o olhar que o torpor cerra,
Encara a aurora sobre a terra
Qual fosses novo astro polar!
 
À noite, neve e tempestade
Houve e, no céu, névoa, verdade?
A mancha lívida do luar
Nos nimbos era amarelada.
Tristonha estavas e sentada;
E ora … à janela vem olhar:
 
Ao claro azul do céu que esplende,
Tapete raro que se estende,
A neve jaz a fulgurar;
O bosque, só, sobressai, preto;
Verdeja, sob a geada, o abeto;
Sob gelo, eis a água a lucilar.
 
Faz-se ambarino o quarto inteiro.
Vem estalido prazenteiro
Do recém-aceso fogão.
Meditar perto dele é grato.
Mas dize; queres que, neste ato,
A poldra parda atrele, não?
 
A deslizar na neve, amada,
Dar-nos-emos à galopada
Do equino e sua agitação.
Iremos ver os nus e imensos
Campos, faz pouco inda tão densos,
E a praia de minha afeição.
(1829)
 

Gustavo Bastos, filósofo e escritor

Blog: http://poesiaeconhecimento.blogspot.com

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