“Nem tudo é teatro, infelizmente”
Ditas por diversas vezes ao longo do espetáculo, a frase acima se resume como a grande essência de Todas as Ruas Têm Nome de Homem, peça que finaliza a temporada no próximo fim de semana no Centro de Vitória – o cenário onde tudo acontece.
Não há palco montado, nem plateia sentada. Todas as Ruas Têm Nome de Homem já chama atenção por isso, um teatro feito no espaço público, e fazendo pedestres interagirem com textos, falas e cenas que foram feitas para atravessar a todos: quem pagou para estar ali e quem só passou corriqueiramente.
Mais do que ocupar a rua, a peça coloca quatro mulheres em cena: as atrizes Luana Eva, Luciene Camargo, Ludmila Porto e Thiara Pagani. Juntas elas têm transportado o público para meados de 1925, quando resgatam as histórias de mulheres que tiveram suas vidas engolidas pela cidade e apagadas pelo tempo. Mulheres que sofreram violências, que não tiveram suas vozes escutadas, que viveram moldadas pelos costumes de uma sociedade machista.
Para a construção de personagens tão fortes, a Confraria de Teatro, grupo realizador da peça, promoveu uma intensa pesquisa no início do ano sobre afetividade do Centro de Vitória e a violência contra a mulher. O material de todas essas vivências deu vida a personagens como Carmem, Ana Luiza e Rosana, uma garota de programa, uma atriz e uma vendedora.
Caracterizado por um teatro que promove uma intensa troca com o espectador, mesmo sendo um grupo bem novo, a Confraria de Teatro intensifica essa característica em Todas as Ruas Têm Nome de Homem e realiza apresentações para um público pequeno que será levado a pontos da Cidade Alta.
Em um dado momento o público é convidado a fazer uma escolha: ir em busca de cada personagem para conhecer suas histórias. Para isso, três grupos são divididos e cada um segue por ruas distintas onde encontrarão a continuação da peça a partir de personagens diferentes. É por isso que a cada apresentação da peça é comum encontrar rostos perecidos, pessoas que foram assistir e voltaram para seguir os outros caminhos das personagens que ainda não viram.
Apertada em um pequeno quarto perto da escadaria Maria Ortiz está a jovem Carmem (foto ao lado), interpretada vorazmente por Thiara Pagani, e suas plantas, . Carmem é a personagem mais indicada pelo público que assistiu e recomenda quem ainda irá. Talvez pela sensibilidade e pela tamanha força de sua história.
Já na Academia Feminina Espírito-Santense de Letras o público conhecerá Ana Luiza, seus livros, ambições e muitos sonhos, interpretada por Ludmila Porto. No outro extremo, na Catedral, está Rosana munida de um vestido de noiva e do sonho de casar-se, interpretada por Luciene Camargo. E conduzindo todas essas histórias esta a atriz Luana Eva, que interpreta uma mulher que esqueceu o próprio nome e luta para que outros nomes de mulheres não sejam esquecidos, como o de Araceli Cabrera Crespo – que neste ano foi lembrada pelos 43 anos de sua violenta morte em Vitória.
Juntas, as histórias de cada personagem lançam questões reais sobre a presença da mulher nas cidades e a violência sofrida há centenas de anos e que até os dias atuais continuam a ser realidade para as mulheres. São nestes momentos que Todas as Ruas Têm Nome de Homem se mostra bem mais real que uma peça de teatro, quando as ruas escuras do Centro não são somente os cenários da peça onde a violência contra a mulher acontece, são os espaços reais.
De modo tocante a peça chega para marcar quem vê uma, duas ou até as três vezes. O impacto é certo. Ao final da apresentação, o espetáculo é dedicado às vítimas de estupros coletivos e mulheres que sofreram qualquer tipo de violência, finalizando uma trama que viajou de 1925 até 2016, que apresentou diversas mulheres fortes, um punhado de becos escuros que estampam violência, que questionou um ministério formado só por homens no governo e que, deveras, não acaba por ali no encerramento do espetáculo, continua no dia a dia.
Serviço
A peça Todas as Ruas Têm Nome de Homem segue com suas últimas apresentações na próxima sexta-feira (22), às 20h, sábado (23) e domingo (24), às 19h30. Os ingressos custam R$20,00 (inteira) e R$10,00 (meia).