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‘Queimado é o mais importante evento pela libertação dos negros escravizados no ES’

Historiadora Lavínia Coutinho Cardoso resgata em livro a história e importância de Queimado 

A revolta de Queimado é o mais importante evento pela libertação dos negros escravizados da história do Espírito Santo. A afirmação é da historiadora Lavínia Coutinho Cardoso, sendo uma das conclusões de sua dissertação de mestrado do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), que agora foi publicada por meio do livro Revolta do Queimado: Negritude, Política e Liberdade no Espírito Santo, da editora Appris.

Lavínia destaca que ocorreram outras revoltas no Estado, como as lideradas por Zacimba Gaba, no norte, mas sobre essa negra escravizada, princesa da nação Cabinda, em Angola, não há documentos históricos, somente história oral. Em sua dissertação, a historiadora estudou o processo de busca pela libertação dos negros de Queimado, que não começou, segundo ela, com a suposta negativa de um padre em alforriar os escravizados que trabalharam na construção de uma igreja na região. 

Lavínia destaca que o livro escrito pelo ex-governador do Espírito Santo, Afonso Claudio, sobre Queimado, fez com que a insurreição permanecesse enquanto memória, mas que por meio de seu estudo é a primeira vez que uma pessoa negra publica sobre Queimado. “O livro de Afonso Claudio se limita à suposta promessa de alforria por parte do padre, não trata da engenhosidade das ideias dos negros em busca de libertação”, diz Lavínia. 

A historiadora recorda que o contexto em que ocorreu a revolta era de medo do aquilombamento por parte da sociedade, de muitas revoltas, como a dos Malês, em Salvador, na Bahia. “O século XIX tem toda uma onda de revoltas, é um século de insurgência em diversos pontos”, relata. Segundo Lavínia, isso pode ter influenciado a revolta de Queimado, que, de acordo com ela, teve como uma de suas lideranças o negro Eliziário, um dos articuladores da participação dos negros na construção da igreja. 
Lavínia salienta que, além das revoltas, era um contexto em que os negros obtinham alforria diante de alguns feitos, como os que foram libertos após participação na Guerra do Paraguai. Possivelmente, afirma Lavínia, Eliziário convidou os escravizados argumentando que receberiam alforria, culminando na insurreição diante da recusa do padre em cumprir uma promessa que, segundo a autora do livro, pode não ter sido feita. Essa articulação pela libertação é o que a historiadora chama de síncopa libertária. 
O termo síncopa, na música, explica a historiadora, significa improviso, sendo, portanto, no espaço do improviso, do cotidiano, que os negros criavam ações emancipatórias. Lavínia recorda que, após eclosão da revolta, a milícia saiu do Colégio São Tiago, onde hoje é o Palácio Anchieta, rumo ao local, e mataram vários negros no meio do caminho. Além disso, Eliziário foge e Chico Prego, outra liderança, morre. 
“Queimado é um evento importante não por causa da violência, mas pelo protagonismo e engenhosidade daqueles negros”, diz a autora do livro. Lavínia afirma que não há comprovações, mas acredita-se que Afonso Claudio conviveu com Eliziário durante a infância após a insurreição, ouvindo do próprio articulador da revolta as histórias narradas no livro publicado pelo ex-governador. 
O livro Revolta do Queimado: Negritude, Política e Liberdade no Espírito Santo custa R$ 57,00 e está à venda no site da editora Appris, no Amazon, Livraria Cultura, livraria Martins Fontes.

Ruínas Restauradas 

A restauração das ruínas da igreja de São José do Queimado foi inaugurada em 17 de agosto depois de um processo de 22 anos de luta do movimento negro por meio do Fórum Chico Prego. A previsão era de uma grande jornada de inauguração culminando no dia 19 de março, data que vem sendo celebrada nas últimas décadas com uma caminhada noturna de Serra Sede até o local e a realização de um ato inter-religioso e atividades culturais. A programação estava pronta, mas dias antes veio o início do período de isolamento em decorrência da pandemia do coronavírus, levando ao adiamento das atividades.

Parte interna da Igreja do Queimado. Foto: Vitor Taveira

A nova data escolhida, 17 de agosto, é Dia do Patrimônio Histórico. O processo foi feito de forma simbólica, com a realização da caminhada, que tinha 400 inscritos em março, sendo realizada por um grupo de 15 pessoas. Na inauguração, a sociedade civil foi representada por oito integrantes, de Serra, Vitória, Cariacica e Vila Velha, num total de 25 pessoas presentes no ato, incluindo o prefeito Audifax Barcelos (Rede)

Na ocasião, Madalena Maria Teles Correia, coordenadora do Fórum Chico Prego, comemorou a entrega de Queimado, embora lamentando que a inauguração simbólica não pôde contar com a participação de muitas pessoas importantes no processo, já que o momento pedia mobilizações limitadas. “O resultado superou nossas expectativas. Eram ruínas que literalmente podiam vir abaixo, não podíamos entrar e realizávamos atividades do lado de fora. Agora está tudo limpo e estruturado”, aponta.

As obras de restauração duraram mais de um ano e tiveram investimento de R$ 1,3 milhão oriundos da iniciativa privada, sendo as obras supervisionadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), assim como as pesquisas arqueológicas que as antecederam. Além de reforçar os muros para evitar que caíssem, a estrutura interna recebeu uma camada de reboco simulando a que se usava na época da inauguração da igreja. Estruturas de metal ajudam simular parte da estrutura original que desabou e também compõem uma escada que leva a um mezanino, onde se pode ter uma vista do alto da nave da igreja.
A restauração das ruínas de Queimado é o marco mais importante de um processo que ainda não terminou. Num segundo momento ainda serão construídos uma guarita, estacionamento, banheiros e um centro pedagógico com salas e auditório. A sinalização das trilhas do entorno e a restauração do espaço do antigo cemitério ainda são processos a serem feitos. A implantação do modelo de governança e projeto pedagógico também ajudarão a sinalizar como vai ser de fato o uso e a se vai haver uma política pública de fato para o local que ficou tanto tempo abandonado e esquecido pelo poder público, pese sua importância histórica.
Segundo Madalena, a intenção do Fórum Chico Prego é construir um calendário anual de atividades a serem realizadas no local para além da data de 19 de março, quando já acontece tradicionalmente a caminhada e celebração, que podem também ser tombadas como patrimônio imaterial.

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