Bibliotecas comunitárias e pontos de encontro cultural contribuem para fortalecer cultura e ancestralidade no norte capixaba
Construído da forma tradicional, em pau-a-pique, com piso de areia, e por meio de mutirões comunitários, o Ponto de Memória de Linharinho foi inaugurado no dia 4 de dezembro, tendo contado com financiamento de um edital da Secretaria de Cultura do Espírito Santo (Secult-ES) e com apoio da Prefeitura Municipal de Conceição da Barra. Dona Gessi entende o espaço não só para encontros da comunidade, mas também para receber visitas de pessoas que queiram conhecer mais da cultura quilombola, principalmente estudantes de escolas e universidades.
“É um lugar aberto a todos, onde todo mundo possa se sentir bem. Um ambiente onde se possa relaxar, respirar o ar puro e renovar suas energias, falando da nossa ancestralidade”. Ali há imagens da padroeira da comunidade, Santa Bárbara, fotografias antigas e atuais que remetem à localidade quilombola e sua cultura, além de ferramentas antigas como pilão e peças de madeira das tradicionais casas de farinha (quitungos), e uma biblioteca com livros que remetem a projetos desenvolvidos nas comunidades junto a universidades e organizações sociais.
Porém, a volta de uma situação de aumento do contágio por conta da pandemia nas últimas semanas tem feito a comunidade redobrar os cuidados. Para visitar o local é preciso agendar previamente em grupos pequenos, com uso obrigatório de máscaras. O contato deve ser feito por telefone nos números 27 99781-8392 (Gessi) ou 28 999090794 (Natan).
Biblioteca comunitária quilombola
Em Angelim II, também em Conceição da Barra, outra experiência de memória vem sendo desenvolvida por meio da criação da Biblioteca Quilombola Luzia dos Santos. Não se trata de uma biblioteca nos moldes tradicionais eurocêntricos, mas de um espaço que pensa desde a escrita até a oralidade, que guarda tanta importância na transmissão de conhecimentos em comunidades quilombolas. “Os saberes de nossos mais velhos são a nossa mais valiosa fonte de conhecimento, pois a memória dos nossos ancestrais é uma biblioteca viva e riquíssima”, afirma Mirtes dos Santos, uma das idealizadoras do projeto.
O nome homenageia uma das matriarcas da região, que viveu por 84 anos transmitindo os saberes ancestrais e participando de importantes lutas no território, que sofreu grande impacto com a invasão dos monocultivos de eucalipto, que resultaram na expulsão da maioria das famílias quilombolas e deixando as que permaneceram em difícil situação de sobrevivência. Apesar da maioria das comunidades do Sapê do Norte já serem reconhecidas como quilombolas há anos ou até mais de uma década, ainda não houve nenhuma comunidade que tenha recebido titulação de suas terras.
Assim como o Ponto de Memória de Linharinho, a Biblioteca Quilombola de Angelim II quer atender à comunidade onde está localizada, mas também às outras da vizinhança e a visitantes externos. A proposta inclui três linhas: dar acesso a livros físicos à uma população majoritariamente negra rural, já que não há livrarias nem bibliotecas na região; fortalecimento de um espaço comunitário autogerido pela associação da comunidade; e servir como espaço de formação e educação por meio da memória ancestral das lideranças do quilombo, incluindo a realização de ações por meio de encontros e trocas de saberes e fazeres ancestrais e intercâmbios com outras comunidades e bibliotecas.
“Os saberes e fazeres tradicionais das comunidades quilombolas são um modo importante de afirmação da nossa intelectualidade no mundo, e dentro deste campo o incentivo à leitura tem especial valor, já que é por meio dos livros que conhecemos as mais diversas formas de produção de conhecimento e compreendemos como as culturas tradicionais historicamente se mantêm vivas, são passadas de geração em geração, hábitos, valores e manifestações culturais”, diz Mirtes dos Santos.
A biblioteca comunitária vem sendo instalada na sede da Associação da Comunidade de Angelim II, e passa a integrar a rede Iberbibliotecas, que reúne bibliotecas públicas e comunitárias da América Latina e da Europa Ibérica, tendo sido o primeiro projeto de biblioteca em quilombola contemplado pelos editais desta rede. Para saber mais sobre o desenvolvimento desta iniciativa é possível acompanhar a página Biblioteca Quilombola na rede social Instagram.