Festa é realizada pela comunidade quilombola de Monte Alegre, em Cachoeiro, há 136 anos
A tradicional festa Raiar da Liberdade, realizada na comunidade quilombola de Monte Alegre, em Cachoeiro de Itapemirim (região sul), agora é Patrimônio Cultural Imaterial do Espírito Santo. O registro e reconhecimento foram aprovados nessa quinta-feira (15), em reunião do Conselho Estadual de Cultura, da Secretaria de Estado da Cultura (Secult), após dois anos do pleito apresentado por integrantes do grupo Caxambu Santa Cruz, que tem como mestra Maria Laurinda Adão, a principal organizadora do evento há mais de 60 anos.
A partir de levantamentos técnicos, foi preenchido o Inventário Nacional de Referências Culturais – metodologia criada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para a identificação dos patrimônios brasileiros – a respeito da festividade. O trabalho durou mais de um ano e reuniu documentos, reportagens, registros em vídeo e fotos, além de entrevistas com pessoas da comunidade. Após essa etapa, o documento seguiu para o Conselho Estadual de Cultura.
Genildo Coelho Hautequestt Filho, componente da equipe do projeto e um dos responsáveis por reunir as informações do Raiar para o inventário, afirma que “ao reconhecer essa importante festa, o Conselho Estadual de Cultura e o Governo do Espírito Santo abrem um canal de discussão com a sociedade capixaba a respeito das verdadeiras condições em que a abolição da escravatura foi feita no Brasil”.
Em 1888, prossegue “homens e mulheres escravizados foram ‘libertados’ sem possuírem terra, moradia, trabalho e nenhum direito, e os reflexos disso ainda são sentidos na atual sociedade brasileira”. A mestra Maria Laurinda Adão faz coro: “Não existe negro no Brasil que nunca tenha sofrido preconceito pela cor de sua pele. Não podemos deixar que isso seja normalizado”.
A Raiar da Liberdade é realizada há 136 anos, sempre na data de 13 de maio, no quilombo Monte Alegre. Segundo relatos de moradores da própria comunidade, aconteceu pela primeira vez na noite de 13 de maio de 1888, quando escravizados que trabalhavam na estação ferroviária de Pacotuba souberam da notícia da abolição da escravidão e logo a levaram para o quilombo. Adão, líder do local naquela época, fez o comunicado de que a partir daquele dia havia “raiado a liberdade”. Para comemorar, fizeram uma grande fogueira no centro da comunidade e ali dançaram e cantaram ao som dos tambores do caxambu até o amanhecer.
A festa passou, então, a ser realizada anualmente, recebendo visitantes e mais de 15 grupos convidados de todo o Estado, que se apresentam em uma relação chamada de “compadrio”, pois marcam presença na festa uns dos outros. Os grupos abarcam também outros municípios do sul capixaba, como Muqui, Itapemirim, Presidente Kennedy, Alegre, Jerônimo Monteiro e Atílio Vivácqua.
Em Monte Alegre, a comemoração é liderada por Maria Laurinda Adão desde 1961, quando ela tinha 18 anos. Trata-se de um compromisso que passa de geração em geração. Seu trisavô, Negro Adão, que fundou a comunidade quilombola, foi quem deu prosseguimento à festa, ainda no século XIX, passando depois para os bisavós, avós e pais de Maria Laurinda, que destaca-se nacionalmente e internacionalmente como defensora da cultura negra e quilombola.
Além de ativista, Maria Laurinda é mestra de Caxambu, parteira, coveira e líder espiritual. Ela recebeu em 2008 o título de “Patrimônio Cultural do Brasil”, do Iphan. Sua história também foi eternizada no documentário Todas as faces de Maria, em 2011.