Coluna reúne fatos destacados do setor em 2022: movimentos, políticas públicas, espaços culturais, cultura popular
Um ano de retomada. Talvez assim possa se definir 2022, quando a pandemia da Covid-19 arrefeceu, desfiles de carnaval voltaram a acontecer, e eventos tomaram as ruas com cultura e política. É também o último ano da cultura sob o governo Bolsonaro, que acabou com o ministério próprio do setor e enfraqueceu ou exterminou políticas importantes. No Estado, ao contrário, houve lançamento de novas políticas e espaços culturais.
A expectativa é de que 2023 seja um ano pujante para o setor, especialmente por conta da implantação de políticas públicas federais como a Lei Paulo Gustavo e Lei Aldir Blanc 2, que estavam travadas no governo Bolsonaro. A isso se somam os recursos estaduais com novas e antigas formas de financiamento e também o aquecimento dos orçamentos municipais com apoio de recursos dos outros entes federativos.
Eleições garantem continuidade no Estado
As eleições federais devem marcar uma mudança profunda na política cultural do País. Sai o desgoverno de Jair Bolsonaro (PL) e volta o Ministério da Cultura, junto com o governo Lula (PT), a ser comandado por Margareth Menezes. No âmbito estadual, entidades culturais chegaram a se mobilizar a favor da reeleição de Renato Casagrande (PSB) ainda no primeiro turno. Com a realização de segundo turno contra Carlos Manato (PL), o apoio a Casagrande cresceu mais ainda no setor. Por fim, o governador reeleito anunciou a continuidade de Fabricio Noronha à frente da Secretaria de Estado da Cultura (Secult).
LICC é novidade no fomento à cultura
Em termos de políticas públicas, entre as principais novidades, estiveram o lançamento oficial e início do funcionamento da Lei de Incentivo à Cultura Capixaba (LICC). Com previsão inicial de investimentos de R$ 10 milhões via isenção de ICMS de empresas para financiamento de projetos culturais, a lei terminou o ano com incremento no orçamento para até R$ 15 milhões para organizações de personalidade jurídica. Outro projeto, este lançado no ano passado, o Programa de Coinvestimentos Fundo a Fundo, começou a funcionar na prática em 2022, com repasses do Estado para municípios, que devem oferecer contrapartida de parte do valor. Foi notícia que alguns municípios importantes não se inscreveram para o projeto, outros foram habilitados, mas desistiram. Também foi lançado este ano o Fundo a Fundo Patrimônio, com R$ 30 milhões para patrimônio imaterial.
Residência oficial do governador vira espaço cultural
O Parque Cultural Casa do Governador foi inaugurado em maio passado. A residência oficial, que não vem sendo usada para habitação pelos últimos governadores, virou um parque com entorno natural e diversas esculturas, além de receber shows e eventos culturais. Chegou a receber um prêmio da revista especializada Select como instituição do ano. Pode ser visitado às terças e quintas-feiras, e sua programação é divulgada pelo Instagram. Outro espaço cultural público, o Museu Homero Massena, gerido pela prefeitura de Vila Velha, foi reaberto em fevereiro, após passar por obras de restauração.
Triplex se consolida como espaço cultural da esquerda
Embora já viesse recebendo atividades, o Centro Cultural Triplex Vermelho, em pleno Centro de Vitória, recebeu reformas desde o início do ano e foi oficialmente inaugurado em setembro de 2022. Acabou virando o ponto de reunião dos apoiadores de Lula na apuração eleitoral e epicentro da festa da vitória. O local vem recebendo diversas atividades culturais. Além do Triplex, outros espaços independentes foram inaugurado este ano, como a Casa Sinestésica, em Guarapari, que neste fim de 2022 ainda luta para continuar funcionando, a Kasa Raiz, em Viana, o Tambor de Raiz, em Conceição da Barra, e a Casa Kaya e a Casa Caos, ambas em Vitória
Grito da Cultura surge com reivindicações para o setor
Em termos de mobilização social, a novidade do ano foi o surgimento do Grito da Cultura, movimento criado para protestar contra o desmonte das políticas culturais em Vitória diante da gestão de Lorenzo Pazolini (Republicanos). O movimento apresentou uma carta de reivindicações, realizou atos públicos, levantou questionamentos na tribuna da Câmara de Vereadores e fez críticas pelas redes sociais. No fim do ano, anunciou a intenção de ampliar sua luta por políticas e pelos trabalhadores da cultura para o todo Espírito Santo.
Secretário acusado de LGBTfobia institucional volta ao cargo
Um dos principais alvos das críticas pelo Grito da Cultura, o secretário de Cultura de Vitória, Luciano Gagno, balançou, mas não caiu. Chegou a ser exonerado do cargo no início de julho, após denúncia de LGBTfobia institucional, feito pela ativista e gestora Deborah Sabará, da Associação Gold, após reunião em que o secretário teria negado apoio ao Manifesto LGBTQIA+, evento de grande porte e tradição no município. Ele voltou ao posto de secretário em agosto, após arquivamento de denúncia pelo Ministério Público Estadual (MPES). Ainda foi notícia o processo movido pelo prefeito Lorenzo Pazolini contra Deborah e o chargista Mindu Zinek por conta de uma charge publicada sobre o tema.
Viva Praça do Papa agita cena, mas não tem continuidade
Logo no início de 2022, um novo movimento cultural começou a despontar: o Viva Praça do Papa, com programação de shows gratuita de terça a domingo no local que é importante espaço turístico da Capital capixaba, mas costuma ficar vazio durante as noites. O projeto durou cerca de três meses, teve apresentação de mais de 100 artistas e público estimado em 8 mil pessoas, com realização do projeto Revelando Talentos e apoio logístico da Prefeitura de Vitória. Após a conclusão dos primeiros três meses de atividades previstas no início de abril, a promessa era voltar em agosto, mas até hoje a Secretaria Municipal de Cultura ainda não deu retorno aos produtores. Ele afirmam estar interessados em retomar o projeto, que precisa de alvará, energia elétrica no local, uma tenda e outros detalhes. Alô, prefeitura! O que aconteceu?
Madalenas do Jucu incentiva mulheres no Congo
Uma novidade de 2022, noticiada pela primeira vez pelo Século Diário, foi a criação do grupo de congo Madalenas do Jucu, criado na Barra do Jucu, em Vila Velha, e composto apenas por mulheres para tocar canções tradicionais, composições autorais e sucessos de outros ritmos. Importante ressaltar que não se trata de uma banda de congo, que tem outra configuração e tradições. Falando delas, depois das dificuldades do período pandêmico, as bandas voltaram a se organizar para retomar a Federação das Bandas de Congo do Espírito Santo.
Novo Império sai da fila e volta a comemorar título
Depois de 33 anos sem títulos no Carnaval capixaba, a tradicional Novo Império, escola de samba de Caratoíra, em Vitória, voltou a ser campeã em 2022 com enredo em homenagem a Santo Antônio, apresentado em desfile ocorrido de forma tardia, em abril, após melhoria das condições sanitárias. Na data do Carnaval, os blocos foram proibidos de ir às ruas, e apenas estabelecimentos privados com controle e limitação de acesso puderam funcionar, no que ficou conhecido como “o carnaval do cercadinho”. Em Vitória, na falta de programações gratuitas, estabelecimentos que não cobram entradas e foram tomados pelo público, acabaram multados e tendo equipamento apreendidos, o que gerou protestos e críticas à gestão municipal da capital. Uma novidade anunciada este ano foi que em 2023 haverá pela primeira vez o Baile Antirracista, organizado pelo Movimento Negro Unificado (MNU).
Filme capixaba faz sucesso pelo Brasil
Mais destacado lançamento do ano no cinema capixaba, Os Primeiros Soldados, longa-metragem de ficção dirigido por Rodrigo Oliveira, circulou por diversos cinemas brasileiros e ficou em cartaz por várias semanas em cinemas do Espírito Santo. Ambientada no Estado, a obra fala do início da epidemia de Aids no Brasil na década de 1980. Século Diário também registrou o lançamento de vários documentário que retratam elementos, personagem e temas da nossa cultura, como Antônia, Favelaria Cultural, O Voo da Borboleta Amarela, Histórias Ocultas da Igreja dos Reis Magos, Mascarados – O Congo de Roda D’Água e o João Bananeira.
Quilombolas e indígenas fortalecem memória e identidade
Reportagem de janeiro deste ano, abordou projetos e pontos de memória em territórios quilombolas do Sapê do Norte, região entre São Mateus e Linhares, onde se localiza o maior número de quilombos do Espírito Santo. Uma notícias triste abateu um desses locais, o incêndio com suspeitas criminosas no Ponto de Memória Jongo de Santa Bárbara, coordenado por Gessi Cassiano. Depois do episódio, houve mobilização de apoio pela sociedade civil e também poder público estadual. Falando em comunidades tradicionais, outros destaque entre as reportagens do Século Diário foi criação do Núcleo Audiovisual Reikwaapa, por jovens Guarani da aldeia Kaagwy Porã, em Aracruz, para fortalecer a produção audiovisual própria.
O adeus a Mestre Terto
O ano teve perdas importantes para a cultura do Espírito Santo. Registramos, entre elas, a partida de Tertolino Balbino, o Mestre Terto, o mais longevo mestre de cultura popular até então, estando mais de 70 anos à frente do Ticumbi de São Benedito de Conceição da Barra. O Espírito Santo também perdeu figuras marcantes como Golias, comerciantes de discos de vinil que marcou gerações, o professor de Cinema da Ufes Cléber Carminati, agitador cultural desde os tempos de estudante, e Cláudio França, guitarrista do Big Bat Blues Band, que faleceu de câncer após longa luta que envolveu campanhas de amigos e shows para arrecadar fundos para seu tratamento.
Novos imortais na Academia Espírito-Santense de Letras
Na literatura do Espírito Santo, também faleceram pessoas destacadas, como os jornalistas e escritores Cacau Monjardim e Jeanne Billich, que eram membros da Academia Espírito-Santense de Letras (AEL). Por outro lado, o professor e escritor Francisco Grijó foi empossado em uma das cadeiras da entidade. O médico e escritor Marcos André Malta Dantas e a professora e escritora Renata Bomfim, este presidente da Academia Maçônica de Letras do Espírito Santo e esta ex-presidente da Academia Feminina Espírito-Santense de Letras, também foram eleitos para fazer parte da AEL. Durante o ano, foi fundada ainda a Academia Capixaba de Letras da Diversidade, criada com objetivo de imortalizar escritores de grupos sociais que normalmente não são acolhidos nas academias tradicionais. Na literatura, uma onda que se espalhou nacionalmente também ganhou uma versão capixaba: a foto das escritoras mulheres com seus livros.