Para mobilizadores, falas foram evasivas e insuficientes. Luciano Gagno usou o espaço da tribuna livre, o que limita o debate
O secretário de Cultura de Vitória, Luciano Gagno, participou da tribuna livre da Câmara Municipal, nesta segunda-feira (16), para dar explicações sobre a Lei Aldir Blanc, cuja execução é alvo de denúncias por parte de artistas locais. Apesar de também citar outros pontos sensíveis da pasta, como a Lei Rubem Braga e a participação no programa Fundo a Fundo, mobilizadores consideraram as falas do secretário evasivas e insuficientes.
“Eles falam sempre como se estivessem em campanha política. Não respondem diretamente (…) Nenhuma resposta nos atende no sentido de esclarecer os fatos, mas não esperávamos nada diferente”, declara Karlili Trindade, integrante do movimento Grito da Cultura.
Um dos principais pontos foi o Edital 004/2021, da Lei Aldir Blanc, denunciado por artistas locais por uma possível interferência nos resultados por parte do Gagno, que alterou as notas das equipes, contrariando a comissão avaliadora.
Durante a sessão, a vereadora Karla Coser (PT) questionou o secretário sobre as denúncias. Gagno justificou que tem respaldo da lei para rever a posição da comissão julgadora, por se tratar de uma posição hierárquica superior. Segundo ele, a nota foi revista porque alguns artistas do coletivo que, inicialmente, ficaram em segundo lugar no certame, receberam notas equivocadas. “A comissão não é absoluta. Ela é composta por homens que também são passíveis de falha”, justificou.
“Então ele é a instância decisória final? É quem dá a decisão, que diz quem vai ganhar ou não?”, questiona Karlili, que acompanhou o pronunciamento da arquibancada do plenário.
As denúncias sobre a interferência de Luciano Gagno foram protocoladas no Ministério Público do Espírito Santo (MPES). Para Karla Coser, o que resta é esperar que a Justiça dê a determinação final, mas, segundo as informações do edital, o processo de julgamento final deveria ter acontecido de outra forma.
“Não era para ele ser a instância superior a tomar essa decisão final e a rever a questão da nota. Me parece uma posição que não vai de encontro com o que o edital deliberava e também equivocada, já que personaliza no secretário a decisão final, sendo que um edital público deve zelar pela impessoalidade”, aponta Karla.
Outro ponto de discussão foi a Lei Rubem Braga. A Prefeitura de Vitória é alvo de um processo na Justiça, inclusive com pedido de bloqueio de verbas, em razão da estagnação dos últimos editais. O questionamento sobre a lei foi feito pela vereadora Camila Valadão (Psol), que cobrou a previsão de aplicação dos recursos de 2021. “Esse é um tema muito caro, principalmente em um ano pandêmico (…) E a informação que nós temos, é que o valor pago é referente ao ano de 2020”, disse.
Assim como nos últimos posicionamentos da prefeitura sobre o assunto, Gagno jogou a responsabilidade para a gestão anterior, de Luciano Rezende (Cidadania), que lançou o edital de 2020 sem previsão orçamentária para o próximo ano. “O prefeito Pazolini aguardou o ano de 2021 para fazer o planejamento, e poder executar em 2022, já que em 2021 não tinha previsão orçamentária e só tinha R$ 7 milhões de recursos para investimentos, o que inviabilizava destinar R$ 1 milhão para a Rubem Braga”, argumentou o secretário.
A justificativa também não convenceu os mobilizadores culturais. Karlili lembra que há uma decisão na Justiça que determina que a gestão Pazolini deve prosseguir com a execução dos projetos da Lei Rubem Braga relativos ao edital de 2020, além de alocar recursos e planejar a publicação do edital de 2021.
“Não interessa se a prefeitura tem recurso ou não. O recurso da lei é destinado à lei. Esse recurso tem que existir (…) Dinheiro que é da lei tem que ir pra lei. Existe um processo que foi ajuizado. A Justiça determinou que ele tem que pagar, não há argumentação”, enfatiza.
Questionado sobre o programa Fundo a Fundo, do qual a Prefeitura de Vitória ficou de fora por problemas na certificação, Gagno afirmou que “é uma situação mais complexa do que possa parecer”:
“Certidões e certificados não são providenciados pela Secretaria de Cultura. O vencimento desse certificado aconteceu em 2020. Tem que ser levantado, inclusive, os valores a serem restituídos em razão de convênios estabelecidos na gestão passada e que não foram cumpridos”, afirmou.
Camila Valadão questionou ainda a ausência do secretário nas reuniões do Conselho Municipal de Cultura, outro ponto de denúncia dos mobilizadores culturais, que denunciam a falta de diálogo da pasta com o colegiado. Gagno alegou a possibilidade de participação das reuniões por meio da ida de um suplente, recurso que ele confessou que tem recorrido nas últimas reuniões, as quais “pretende retomar participação de forma mais intensa”.
‘Ele estava em um ambiente seguro’
Entre os muitos elogios à gestão de Luciano Gagno, o que se viu na sessão ordinária foi uma sequência de falas dos próprios vereadores desqualificando o movimento Grito da Cultura. “Temos uma Câmara que é uma base aliada da gestão Pazolini, então não seriam eles que confrontariam o secretário. Ele estava em um ambiente seguro”, destaca Karlili. Gagno foi à Câmara como convidado do vereador Duda Brasil (União).
Ironicamente, o tempo destinado a discutir a cultura em Vitória também foi marcado por ataques a manifestações populares como o Carnaval. Sobre a festa, o presidente da Casa de Leis, Davi Esmael (PSD), chegou a dizer: “No dia que eu for prefeito de novo, eu zero o dinheiro público para o Carnaval”.
A fala foi criticada pelo vereador Anderson Goggi (PTB). “Em relação ao Carnaval, Vossa Excelência não vai ter meu voto nunca, se você for candidato a prefeito. Porque nós acreditamos que aquilo ali não é prejuízo, é um investimento que fazemos na cidade. Nós temos que olhar os números que retornam daquilo ali”, argumentou.
Goggi também defendeu o diálogo com o movimento Grito da Cultura. “É um segmento que está ali, independente se for oposição ou situação, mas, quem governa, governa para quem votou e para quem não votou, e esse é o papel de um bom gestor. Quem ganha para vereador tem que legislar para quem votou e quem não votou”, apontou.
O mesmo já havia sido destacado pela vereadora Karla Coser, que criticou a falta de participação da sociedade civil no debate realizado na Câmara nesta segunda-feira. “Achei a iniciativa do secretário em ter ido à Câmara de Vereadores de Vitória importante, mas seria mais louvável se fosse, de fato, uma sessão de prestação de contas da Secretaria de Cultura. Para além de nós vereadores, a sociedade civil tinha questionamentos para fazer e não foi oportunizado o mesmo espaço de fala”, destaca.
O posicionamento foi reiterado por Camila Valadão. Para ela, o espaço não foi o adequado para que as pessoas pudessem contrapor e argumentar sobre o que estava sendo dito. “O Luciano foi na sessão no espaço aberto para a Tribuna Livre. Assim como para as demais pessoas da cidade, ele é apto para usar o espaço. Mas uma fala para prestação de contas da Secretaria de Cultura, o ideal era que fosse uma audiência pública. O espaço da Tribuna é para participação das pessoas da sociedade, para falarem acerca de um determinado tema, e não para prestação de contas de um secretário”, declara.
Para Karlili, a participação do secretário foi, na verdade, um monólogo que não foi capaz de responder efetivamente às dúvidas do movimento. “Nada nesse cenário nos favorece, mas a gente precisa seguir, ampliar a luta, politizar os nossos. Porque precisamos ser resistência, eles não podem ficar confortáveis, não mesmo”, reforça.
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