Depois de um mês de férias coletivas, a volta ao trabalho no Centro Cultural Sesc Glória foi a confirmação de uma política de desmantelamento do espaço por parte da direção do Sesc-ES: os quatro assessores responsáveis pela política cultural nas áreas de Artes Cênicas, Música, Audiovisual e Artes Visuais foram demitidos, além de técnicos das áreas de teatro e cinema. Os outros funcionários tiveram contratos suspensos por dois meses.
As atividades no local estão suspensas por tempo indeterminado, até que seja possível voltar com atividades presenciais, conforme informou o Sesc em nota pública.
Assim, ao que tudo indica, o Sesc Glória pode ser tornar um edifício culturalmente “oco”, com uma tremenda estrutura, mas sem política cultural. Não se trata de uma ruptura surpreendente, mas da consolidação de um processo que vinha sendo realizado paulatinamente nos últimos anos e que encontrou na crise decorrente da Covid-19, que impossibilita o funcionamento do espaço e afeta a renda o setor comerciário, uma oportunidade para o golpe final.
Também não se trata “apenas” de trabalhadores com anos de casa descartados num dos momentos mais complicados, mas também de praticamente uma inviabilização de que o centro cultural tenha alguma capacidade de execução para este ano e também para 2021, já que o orçamento para o ano que vem deve ser fechado nos próximos meses, enquanto a entidade estará com uma equipe reduzida e praticamente toda inativa.
Inaugurado em setembro de 2014, depois de uma reforma milionária em um edifício histórico em pleno Centro de Vitória, o Centro Cultural Sesc Glória representou num primeiro momento um espaço de referência e movimentação cultural para a capital capixaba e de certa maneira para todo Estado.
Ao longo dos anos, porém, a equipe de cultura foi sendo desmantelada com demissões de profissionais experientes, até que restasse um mínimo de trabalhadores por área, mas ainda mantendo uma equipe para uma gestão integrada de proposta cultural. A Literatura, que era uma das linguagens, já havia sido liquidada no ano passado, com demissões e deslocamentos internos.
O que de fato parece existir é uma diretoria estadual que não entende o papel da cultura e vai na contramão das diretrizes nacionais do Sesc, reconhecidas como avançadas dentro do cenário da política cultural brasileira.
Sob comando há tempos de Gutman Uchôa de Mendonça, figura de notória posição política de extrema-direita e apoiador de Jair Bolsonaro, a ação cultural do Sesc capixaba teve um boom a partir da inauguração do equipamento cultural no histórico edifício Glória. Nesse momento inicial, impulsionado pela política nacional e tendo à frente Beatriz Oliveira Santos, filha de Antonio Santos, presidente da Confederação Nacional do Comércio (CNC) de 1980 até 2018, o que garantia também um peso político na defesa da iniciativa, o Sesc Glória deu seu pontapé inicial com bastante relevância no panorama estadual.
Embora a direção do Sesc-ES pareça não ser entusiasta da arte e da cultura, o início foi relativamente cômodo, pois houve apoio nacional, sendo que a equipe do Sesc Glória tinha seus salários pagos pelo Sesc Nacional, o que acabou não sendo renovado no último ano. Nos bastidores, comenta-se que a saída de Beatriz, deslocada para outra unidade no Rio de Janeiro, tenha sido fruto do desgaste com a direção estadual da entidade. Os profissionais que ficaram tiveram que se desdobrar para manter uma programação e enfrentar várias dificuldades e impedimentos por ordens superiores.
A estrutura de comunicação do Sesc Glória sempre foi um enorme gargalo para o espaço, com uma notável limitação e impedimentos internos para a divulgação de atividades, que tornam possível pensar não se tratar de uma debilidade permanente, mas de uma estratégia deliberada para esvaziar o local e justificar o seu desmonte.
Segundo relatos de pessoas que não quiseram se identificar, o comando da entidade no Espírito Santo já deixou claro inúmeras vezes nos bastidores sua visão comercial sobre o Sesc Glória, como uma estrutura que possa ser alugada para gerar renda para a entidade, já que a política cultural é vista como gasto e não uma ação social e contribuição do setor comerciário para a sociedade brasileira, sendo que a cultura é um dos pilares que sustentam e justificam a existência do Sesc como um todo. E também um compromisso público, já que o sistema de financiamento inclui contribuições do empresariado, trabalhadores e poder público.
Os cortes do Governo Federal e queda de arrecadação do setor devem servir de justificativa para as demissões no Sesc Glória, embora a entidade não tenha respondido às mensagens enviadas pela reportagem a seus contatos oficiais. No entanto, a leitura do contexto nos últimos anos diz muito sobre esse golpe final que pode representar uma grande perda para o setor cultural capixaba, que ainda precisa lidar com os impactos do novo coronavírus e a preparação para um era pós-Covid.
Em vários estados do Brasil, o Sesc vem promovendo programação cultural online como forma de ofertar atividades para as pessoas e famílias no momento de isolamento social e também utilizando sua estrutura para dar apoio a doações ou atendimento do público em relação ao auxílio emergencial. No caso do Espírito Santo, apenas a suspensão de todas as atividades e a incerteza quanto à data do retorno e, sobretudo, à qualidade do mesmo.