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T.S. Eliot e a terra desolada em poesia moderna

T.S.Eliot, o poeta, o crítico, o ensaísta, o dramaturgo, encarna uma das mais estranhas e poderosas influências da poesia do século XX. Ele é a estranha junção da tradição cultural do passado, na edificação de um sentido do tempo presente, e em poesia T.S.Eliot aponta para o futuro, pois este poeta foi influência duradoura sobre todas as gerações que se formaram a partir de 1930.
 
Eliot era poeta de poetas, crítico literário de poetas, um grande engenho de poesia e ensaio que juntou fortuna crítica e criativa, seu trabalho abrangente reunido no sentido de verdadeira colagem poética, uma forma de fragmentação que junta pontos num mosaico histórico e civilizatório em forma de poesia. Eliot resume bem os complexos e heterodoxos estratos intertextuais, o que faz com mestria ímpar, e que nos coloca em contato com uma atividade criadora de forma poética que abarca toda uma herança de tradição que, contudo, nos dá a sensação de uma poesia do futuro, ou melhor, olhando hoje, de todo o trajeto de uma parte dos poetas que surgiram durante o século XX. E, na sua técnica, esta intensa e inumerável mimética de assimilação literária com uma expressão própria que foi denominada de “eliotização” pela crítica literária.
 
Em A Terra Desolada o poema se estende em cinco partes, e aqui a parte um de “O enterro dos mortos” nos coloca na devastação do verão caindo como um aguaceiro, e nós temos as previsões do Tarô com o jogo simbólico das cartas, e os jacintos como metáfora ou imagem recorrente da poética de Eliot, a fragmentação e o jogo intertextual como fulcro em que se dá todo o conteúdo riquíssimo de poesia com a forma de uma grande máquina que cintila no que se chama de arte e de poesia.
 
A TERRA DESOLADA
 
(T.S.Eliot)
 
1. O enterro dos mortos
 
 
Abril é o mais cruel dos meses, germina
 
Lilases da terra morta, mistura
 
Memória e desejo, aviva
 
Agônicas raízes com a chuva da primavera.
 
O inverno nos agasalhava, envolvendo
 
A terra em neve deslembrada, nutrindo
 
Com secos tubérculos o que ainda restava de vida.
 
O verão; nos surpreendeu, caindo do Starnbergersee
 
Com um aguaceiro. Paramos junto aos pórticos
 
E ao sol caminhamos pelas aléias de Hofgarten,
 
Tomamos café, e por uma hora conversamos.
 
Big gar keine Russin, stamm' aus Litauen, echt deutsch.
 
Quando éramos crianças, na casa do arquiduque,
 
Meu primo, ele convidou-me a passear de trenó.
 
E eu tive medo. Disse-me ele, Maria,
 
Maria, agarra-te firme. E encosta abaixo deslizamos.
 
Nas montanhas, lá, onde livre te sentes.
 
Leio muito à noite, e viajo para o sul durante o inverno.
 
Que raízes são essas que se arraigam, que ramos se esgalham
 
Nessa imundície pedregosa? Filho do homem,
 
Não podes dizer, ou sequer estimas, porque apenas conheces
 
Um feixe de imagens fraturadas, batidas pelo sol,
 
E as árvores mortas já não mais te abrigam, nem te consola o canto dos grilos,
 
E nenhum rumor de água a latejar na pedra seca. Apenas
 
Uma sombra medra sob esta rocha escarlate.
 
(Chega-te à sombra desta rocha escarlate),
 
E vou mostrar-te algo distinto
 
De tua sombra a caminhar atrás de ti quando amanhece
 
Ou de tua sombra vespertina ao teu encontro se elevando;
 
Vou revelar-te o que é o medo num punhado de pó.
 
Frisch weht er Wind
 
Der Heimat zu
 
Mein Irisch Kind,
 
Wo weilest du?
 
''Um ano faz agora que os primeiros jacintos me deste;
 
Chamavam-me a menina dos jacintos.”
 
– Mas ao voltarmos, tarde, do Jardim dos Jacintos,
 
Teus braços cheios de jacintos e teus cabelos úmidos, não pude
 
Falar, e meus olhos se enevoaram, eu não sabia
 
Se vivo ou morto estava, e tudo ignorava
 
Perplexo ante o coração da luz, o silêncio.
 
Oed' und leer das Meer.
 
Madame Sosostris, célebre vidente,
 
Contraiu incurável resfriado; ainda assim,
 
É conhecida como a mulher mais sábia da Europa,
 
Com seu trêfego baralho. Esta aqui, disse ela,
 
É tua carta, a do Marinheiro Fenício Afogado.
 
(Estas são as pérolas que foram seus olhos. Olha!)
 
Eis aqui Beladona, a Madona dos Rochedos,
 
A Senhora das Situações.
 
Aqui está o homem dos três bastões, e aqui a Roda da Fortuna,
 
E aqui se vê o mercador zarolho, e esta carta,
 
Que em branco vês, é algo que ele às costas leva,
 
Mas que a mim proibiram-me de ver. Não acho
 
O Enforcado. Receia morte por água.
 
Vejo multidões que em círculos perambulam.
 
Obrigada. Se encontrares, querido, a Senhora Equitone,
 
Diz-lhe que eu mesma lhe entrego o horóscopo:
 
Todo o cuidado é pouco nestes dias.
 
Cidade irreal,
 
Sob a fulva neblina de uma aurora de inverno,
 
Fluía a multidão pela Ponte de Londres, eram tantos,
 
Jamais pensei que a morte a tantos destruíra.
 
Breves e entrecortados, os suspiros exalavam,
 
E cada homem fincava o olhar adiante de seus pés.
 
Galgava a colina e percorria a King William Street,
 
Até onde Saint Mary Woolnoth marcava as horas
 
Com um dobre surdo ao fim da nona badalada.
 
Vi alguém que conhecia, e o fiz parar, aos gritos: “Stetson,
 
Tu que estiveste comigo nas galeras de Mylae!
 
O cadáver que plantaste ano passado em teu jardim
 
Já começou a brotar? Dará flores este ano?
 
Ou foi a imprevista geada que o perturbou em seu leito?
 
Conserva o Cão à distância, esse amigo do homem,
 
Ou ele virá com suas unhas outra vez desenterrá-lo!
 
Tu! Hypocrite lecteur! – mon semblable -, mon frère
 
Trecho de ''Terra Desolada'', publicado pela Editora Nova Fronteira em ''T.S. Eliot – Poesia''.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor

Blog: http://poesiaeconhecimento.blogspot.com

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