A cozinha do apartamento em Jardim Camburi, Vitória, foi adaptada e virou uma espécie de ateliê, onde Thiago Balbino nos recebe, na residência de sua mãe. Suas obras estão embaladas em plástico para não deteriorarem, pois há três anos o artista capixaba vive na Alemanha. Mas ele não esquece suas raízes.
Nascido na Capital, também passou a infância e juventude com viagens constantes a Conceição da Barra, norte do Estado, origem da família paterna. O avô, Tertolino Balbino, é o mestre emérito do mais tradicional grupo de ticumbi. “Ele nunca ensinou de forma muito direta, sempre nos instigou a pesquisar, a buscar aprender sobre a cultura”.
Utilizando de diversas técnicas como graffiti, tinta acrílica e aquarela, ele tem nas cores uma marca forte de suas ilustrações, que buscam refletir sempre a partir de uma perspectiva crítica. “Uso cores fortes, desenhos alegres, mas com algo ácido”, diz referindo às temáticas retratadas.
Uma das inspirações vem das histórias em quadrinhos e cinema de ficção científica e do afrofuturismo, refletindo sobre o desenvolvimento humano e tecnológico. Essa estética encontra local em pinturas como quando um menino do mangue é retratado com a mutração de uma puã de caranguejo no lugar da mão.
Outra marca forte da obra de Thiago Balbino é o retrato de pessoas em suas buscas de ancestralidade e espiritualidade. “Sempre abordo essa figura da pessoa negra, homem ou mulher, buscando essa referência cultural, uma raiz, reverenciando ou buscando alguma coisa mística ou agradecendo pelo fruto de seu trabalho”.
Da busca da raiz surgem desenhos sobre personagens como o “congos” brincantes do Ticumbi, pescadores com suas ferramentas e cores, mulheres. O manguezal e seu sistema de vida também são marcas presentes e conectam as memórias de infância entre Conceição da Barra e Vitória, de onde se lembra dos caranguejos cruzando a Avenida Fernando Ferrari quando ia no caminho da escola.
Como muitos garotos, seu primeiro lampejo artístico foi desenhar nos cadernos escolares. No vestibular tentou Desenho Industrial, não passou. Foi estudar Desenho Técnico, até que conheceu Valdelino dos Santos, o Didico, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). “Ele disse que eu tinha um estilo muito solto de desenho, que não cabia naquele curso mais ténico e me convenceu a tentar vestibular de novo na Ufes, para Artes Plásticas”.
Entrou em contato com o graffiti por meio do projeto do Centro Grafitacional da Ufes, onde também teve acesso a certas ferramentas técnicas para desenvolver e experimentar na arte.
Daí, o desenho de Thiago começou a ganhar asas. E a fincar raízes. A ida para a Alemanha, em que soma cinco anos de moradia não consecutivos, também abre novas perspectivas para sua arte e trabalho. Lá ele vem desenvolvendo atividades como livepainting, design, mídias sociais, exposições e oficinas sobre criatividade, graffiti e desenho, especialmente com jovens migrantes como ele, alguns refugiados de conflitos. “É curioso, pois aprendemos alemão juntos para nos comunicar”.
Em sua primeira exposição individual fora do Brasil, que pretende realizar em setembro na Alemanha, deve acrescentar aos personagens que costuma pintar algo desse sentimento do estrangeiro, migrante, de não ser bem ou totalmente aceito no local em que reside.
Acostumado também com o reaproveitamento de materiais para sua arte, desde o projeto Xepa, quando utilizou com suporte para produção de artística caixotes de feira coletados na Vila Rubim, Thiago também observou outra situação na Alemanha. “Tenho percebido com viagens que cada país tem sua característica social e também seu material de descarte característico. Nesses países de Primeiro Mundo encontro muito mais tecnologia, descarte de televisões, telas de computador. Aqui no Brasil encontramos coisas mais rudimentares”.
Foi observando o grande descarte de aparelhos de TV pelos alemães, muitas vezes ainda em funcionamento, que o artista resolveu agir. “Toda vez que vejo uma TV no lixo, na rua, eu mapeio, pego meus materiais, vou ao local e faço a montagem. Vira uma instalação urbana. As pessoas param, olham. Se quiserem levar, levam, não tenho esse apego”, diz, citando que com os desenhos busca provocar reflexão do público sobre a representação do negro na TV.
Em três semanas de viagem no Espírito Santo, depois de passar por Vitória, agora visita o restante da família em Conceição da Barra, onde pretende deixar alguma obra nos muros da cidade. “Estou pensando em fazer algo relacionado com o movimento corporal, talvez uma dança. Tenho pesquisado isso e aqui a galera gosta de dançar, tem essa relação com o corpo, o carnaval…”
O avô, seu Terto, também virou fã do neto. “Quando era adolescente, ele esperava de mim seguir brincando o congo, mas não tive como dar conta morando em Vitória, para participar tem que estar lá. Fiquei com um sentimento de culpa por um tempo por não ter dado minha contribuição. Até que comecei a entender que minha arte poderia ser a minha contribuição. Meu avô começou a enxergar isso também, você vai na casa dele e tem um monte de pintura minha na parede e ele tem muito orgulho disso”, conta o neto Balbino.
Para quem está começando, Thiago Balbino deixa os seus conselhos. “Não fique preso a uma verdade, pesquise tudo e beba das próprias raízes. Temos muita referência cultural e isso é muito reverenciado lá fora. Vamos nos observar e nos conhecer, para quando outras pessoas de fora chegarem, termos conteúdo para apresentar”, sugere, pensando também a partir da experiência de estar vindo de fora. “Um grande mal da juventude atual é querer o agora, o imediato, com o mínimo de esforço possível. Não fique com preguiça. Vá atrás de seus avós, seus tios, vai ouvi-los, buscar referência, porque é isso que constrói. Na pior das hipóteses, você será uma pessoas que transmitiu adiante essa cultura”.
Mais do que ser famoso ou ganhar dinheiro com obras de arte, esse é o legado pelo qual o ainda jovem Thiago Balbino quer ser lembrado: como alguém que buscou suas raízes e levou adiante sua cultura, assim como seu avô Tertolino.