Texto e foto: Rogério Medeiros
Este ano é especial para o Ticumbi de São Benedito de Conceição da Barra, que tem seu ápice na apresentação no próximo dia 1 de janeiro, na sede do município. Desta vez, ele vai de forma inédita para o festejo, com dois mestres em vez de um. Isso porque, o Mestre Terto Balbino (foto ao lado, à esquerda), que iniciou na direção do grupo em 1954, sente que a idade clama para que ele faça a sucessão do comando do Ticumbi em 2018.
Este Ticumbi de São Benedito, que é composto só de negros, compõe uma elite racial de Conceição da Barra. São apenas 18 integrantes, mas se formos avaliar a história de cada um deles, constataremos que é uma tradição passada de pai para filho. A sucessão é feita sempre dentro destas famílias. Daí a dificuldade na escolha do sucessor do mestre, que acabou recaindo no contramestre, que é Berto Florentino (foto acima, à direita).
Todo ano, antes do dia 1 de janeiro, o grupo faz ensaios, geralmente aos sábados ou domingos, pelas propriedades de seus integrantes. São três meses de preparação e ensaios. Nesse domingo (24) aconteceu o primeiro preparativo (foto abaixo), na propriedade dos Reis de Bamba, que é um lugar aprazível. É uma pequena propriedade cercada de árvores frutíferas e algumas espécies da mata atlântica. Um ambiente convidativo, que se torna um oásis em um mar de eucaliptos da Aracruz Celulose (Fíbria).
Neste primeiro ensaio já se notou algumas mudanças, com a posição dos congos, cordões de pandeiristas que fazem as alas do Ticumbi. Para que tudo corresse bem, mestre Terto fez uma reunião com os membros do Ticumbi que antecedeu o ensaio, para mostrar o posicionamento de cada um. O que pode parecer fácil, a princípio, não é. Quando se separa uma dupla que toca junto há mais de 50 anos dentro de um critério, que é a relação de voz de grave e uma aguda. Foi preciso muita habilidade para reorganizar todo o grupo.
Na manhã de domingo, havia todo um clima da unidade dessas famílias dos integrantes, precedido por um café da manhã, com quitutes incomuns para a maioria das pessoas, mas triviais para os brincantes. Quase todas as iguarias com presença forte da mandioca, comum na região e entre os negros.
Alguns que não são do grupo, mas acompanham seu trabalho, também estavam apreensivos para que a coisa saísse bem. Para a alegria de todos, tudo correu bem. O descasamento das duplas não abalou o conjunto no ensaio com novos alinhamentos.
O ensaio culminou, com um farto almoço sob a sombra acolhedora das árvores, preparado pelas famílias dos integrantes, também com a culinária dos negros da região. Houve por ocasião da reunião (foto abaixo), que antecedeu o ensaio, o debate sobre a premiação que anualmente a Secretaria de Cultura do Estado concede aos mestres do folclóre do Ticumbi e fizeram um movimento para que o prêmio fosse ampliado.
Atualmente, cada mestre com mais de 20 anos de atividade recebe um prêmio de R$ 10 mil. Eles acham que isso é bom, de certa forma, mas não contempla a longevidade de alguns integrantes e o folclore do norte do Estado, afinal, é o único grupo remanescente de negros existente na região graças às condições de pequenos proprietários de terra.
Entendem, por tanto, que é necessário que se amplie o prêmio para as famílias para garantir a sobrevivência do grupo. A entrada do eucalipto afetou a região, foram cerca de 50 mil pequenos proprietários que saíram de lá.
Quando forem fazer a apresentação no dia 1 de janeiro, os brincantes não saem preocupados com a expectativa de público. O Ticumbi vai às rua, especialmente, para se exibir à comunidade negra. Um motivo de orgulho para a eles e para os remanescentes negros da região. Tanto que se encerra o festejo com a tradicional frase: “Viva a nossa bela sociedade”!