Basta procurar, sair às ruas, caminhar ao seu redor, olhar as placas. Ou até aí mesmo, sem se mexer muito, navegar no Google Maps: “Todas as Ruas Têm Nome de Homem”. Ou quase todas. Praticamente todas. A frase entre aspas é o título escolhido para a peça do grupo Confraria de Teatro, que realiza suas últimas duas sessões em Cariacica Sede nas próximas quinta (31) e sexta-feira (1), às 19h e 20h, respectivamente.
Enquanto eles guardam os nomes das ruas, as mulheres levam o medo de caminhar sozinhas por elas. “Todas as ruas por onde a peça passa têm nome de homens, evidenciando as figuras masculinas que por algum motivo foram importantes para cidade. Mas as mulheres que foram importantes não merecem a mesma homenagem? Quantas mulheres foram esquecidas nesse processo?”, questiona Luana Eva, uma das atrizes da peça. É o mesmo que clama sua personagem ao abrir o espetáculo, clamando contra o esquecimento: “Quem vai procurar sua história quando até você estiver esquecido?”.
Uma das forças da peça está na realização de uma representação teatral de rua, itinerante, noturna e com caráter intimista. São apenas 30 espectadores por apresentação, com agendamento prévio, embora não haja portas ou segurança que impeçam de assisti-la. “Nesse tipo de encenação não dá para titubear e é preciso estar atenta a tudo que acontece, pois a cidade está viva, seguindo o seu fluxo e seu movimento cotidiano”, ressalta Luana. Os carros passam, clientes saem dos bares, fiéis chegam a igrejas, atrizes ocupam calçadas, transeuntes cortam o palco que é a própria rua. A encenação se mistura com a vida acontecendo ao vivo e sem cortes.
Em momentos, as espectadoras verão caírem as barreiras da ficção, conclamadas a falar do que sentem ou pensam, e aí já temos um roteiro aberto. “Nem tudo é teatro, infelizmente”, repete uma personagem. Em outros, o público se divide e o contato com as atrizes é ainda mais íntimo. Isso porque no início, o espectador precisa tomar uma decisão. Baseado em três objetos expostos, deve escolher um que indica um caminho a seguir, um cenário e uma personagem a encontrar. Uma atriz, uma comerciante, uma prostituta, conectadas por outra mulher, que ouvia e registrava histórias de mulheres.
Ao longo da peça, as personagens se transformam e atualizam, de 1925 a 2018, indicando que em alguns aspectos pouco mudou em relação ao papel da mulher na sociedade. A experiência vivida a partir da peça pode ser ampla. “Nossa intenção é que o público se sinta à vontade para essa experimentação e de forma muito individual possa viver essa experiência e refletir sobre o que mais chamou atenção”, considera a atriz.
“Todas as Ruas Têm Nome de Homem” traz em seus textos reflexões profundas sobre o tempo, a memória, a existência, por vezes de forma mais abstrata, em outras retratando o tema condutor: a violência contra a mulher em diversos aspectos e sua condição onde vivem. A montagem foi fruto da leitura do Mapa da Violência 2014, que colocava o Espírito Santo na liderença dos feminicídios, o que levou o grupo a uma extensa pesquisa, conversa com diversas mulheres, incluindo visitas a um asilo e um presídio feminino.
Com texto de João Dias Turchi e direção de Francis Wilker, a obra estreou em 2016 e realizou 30 apresentações na capital capixaba. Projetada inicialmente para acontecer no Centro de Vitória, a peça foi adaptada para Cariacica Sede, onde privilegiou espaços históricos e de relevância para a cidade, como o Centro Histórico Eduartino Silva, a Praça Marechal Deodoro e a Igreja São João Batista, além de ruas do entorno, aquelas que têm todas nomes de homem. “A cidade acaba fazendo parte da dramaturgia do espetáculo”, lembra Luana.
Além das questões relacionadas com a adaptação para apresentação em um novo lugar, o texto representado em Cariacica também buscou incluir alterações para contemplar dentro do espetáculo histórias do local e suas moradoras, como Vovó Delícia, que escreveu poemas sobre seu dia a dia e a cidade.
Pelo cenário, linguagem, dramaturgia, atuações, tema abordado, “Todas as Ruas Têm Nome de Homem” termina sendo uma peça tão brilhante, intensa e necessária como lamentável. Luana Eva explica: “esperamos que não seja mais necessário que uma peça venha falar sobre machismo, violência contra mulher, preconceito. Lamentamos profundamente tratar desses temas em 2018.”
AGENDA CULTURAL
Peça Todas as Ruas Têm Nome de Homem – Grupo Confraria de Teatro
Onde: Cariacica Sede. Ponto de encontro: em frente ao Centro Histórico Eduartino Silva.
Quando: Quinta-feira (31), às 19h; e sexta-feira (1), às 20h.
Os ingressos são gratuitos, mas há capacidade de 30 pessoas por apresentação. Por isso, é necessário fazer reserva antecipada pelo telefone (27) 99762-1691.