Aprigio foi um furacão, um meteoro. “Cantor que fazia com a voz o que queria e até o que não parecia possível. Aprigio Lyrio era uma força da natureza (…) Aprigio sim era uma cantor, à vera, com a voz modulada, sensual, sem contar sua extensão”, diz Francisco Grijó no livro “Os Mamíferos – Crônica biográfica de uma banda insular”, sobre grupo com o qual Aprigio cantou, embora não tenha sido integrante de sua formação original. Além da voz, ele brilhava pelo carisma, a ousadia na performance, no vestir, transgressores para aqueles anos 70.
Lançado este mês, o livro “Aprigio Lyra: Simplesmente Mercúrio Cromo”, de Fabricio Fernandez, traz não uma biografia, nem um inventário (“pois uma vida não pode ser inventariada, sempre via escapar algo”), mas uma arqueologia baseada em vestígios de uma vida. “Vou escrevendo uma espécie de diário arqueológico, encontrando vestígios daquele sujeito e me afetando por eles”, explica. Os vestígios se movem, uma coisa leva a outra, portas se fecham, mas janelas se abrem.
“Normalmente os personagens que eu trabalho são personagens que eu noto que tiveram uma passagem pouco produtora de obras. De obras registradas. Aprigio começa me chamando atenção por ele ter um disco, um vinil lançado após a morte dele. Isso já me chamou atenção”. Daí parte para buscar indícios que ajudem a buscar registros sobre esse talento que se extinguiu com um suicídio aos 33 anos.
Na obra, que traz uma capa em forma de fita cassete, Fabrício traz vestígios e impressões sobre sua busca. Um relato pessoal, com comentários pessoais e poéticos sobre fotos, arquivos íntimos e documentos oficiais encontrados.
Buscas no Arquivo Público Estadual, em bibliotecas públicas conversas ou entrevistas com quem conviveu e construiu com ele a cena cultural de uma época. “Percebi a relação dele com a estrutura e o tempo dele, me pareceu que havia certa urgência em viver. Havia uma estrutura muito conservadora e masculina”, diz.
Outro fator relevante nos trabalhos mais profundos que Fabricio tem feito é a homossexualidade, embora na obra sobre Aprigio isso seja abordado com sutileza e não haja mais que poucos indícios. Os relatos encontrados mostram o cantor como um dândi, uma figura andrógena, que atraía tanto homens como mulheres.
Fabricio considera que Aprigio Lyrio era um sujeito da modernidade, inadequado ao tempo em que viveu, sufocado por um conservadorismo, o que fez ter uma passagem tão breve como intensa. Aprigio se matou? Ou foi morto pela sociedade?