Apesar de ser o município mais populoso do Espírito Santo, a Serra possui poucos espaços culturais. Um deles é o Centro Cultural Eliziário Rangel, localizado no bairro de São Diogo, que leva o nome de um dos líderes da Revolta de Queimados. “Como morador serrano, acho que a Serra se habita pouco, se frequenta pouco. Sendo a maior cidade, a Serra precisa povoar a Serra”, diz Antônio Vitor, fundador e coordenador do espaço.
Psicólogo de formação, ele decidiu largar um emprego em Minas Gerais em 2016 e voltar para o bairro onde nasceu e cresceu para se dedicar à cultura, vista por ele como capaz de transformar a sociedade pela via do afeto. Utilizou um terreno de propriedade familiar para construir um espaço com dois andares e um terraço, com pinturas artísticas externas e internas, hoje totalmente dedicados à cultura e arte. Em apenas oito meses, em novembro, começava a funcionar o Centro Cultural, que ao longo do tempo vai inaugurando novos espaços e novidades em sua decoração.
Há um amplo salão com palco para teatro e outros espetáculos, uma galeria para exposições, um café, uma pequena biblioteca e um salão para outras atividades. É neste salão que acontece, por exemplo, o Cineclube Rozilda Moreira, com temas femininos e feministas.
Recentemente, o local estreou também o Beco Chico Prego, um espaço aberto às artes urbanas e onde estreia neste sábado (17) o Sarau do Beco. Outro projeto novo é o Curso de Formação de atores, que começa três de março, oferecido pelo Núcleo de Pesquisas em Artes da Cena (NPAC). O curso é gratuito e mensal e culminará em dezembro com a apresentações no próprio local.
Para março ainda está prevista a estreia do projeto musical Paisagens Sonoras, que busca apresentar artistas capixabas e nacional da cena autoral.
Um teatro na Serra
O carro-chefe do Eliziário é o seu teatro. Aliás, uma bandeira levantada por artistas serranos é pela construção de um teatro público municipal.
Embora Antônio considere que o local, por não ser gerido pelo Estado, não atenda à demanda do movimento “Quero um Teatro na Serra”, o centro cultural têm promovido apresentações de teatros e outras artes associadas todos os domingos à noite a preço acessível, R$ 10. “Mobilizar o público é sempre um desafio, pois não há muito hábito de ir ao teatro no município. E, ainda assim, temos que quebrar o imaginário de teatro como um lugar formal, distante, com o formato tradicional de palco italiano. Nosso teatro é semi-arena, com tablado, quebra com a quarta parede, é mais contemporâneo. Às vezes as pessoas têm dificuldade em entender que também é um teatro”.
Para ele, quem não é da Serra, tem um certo preconceito em ir a atividades culturais no município, numa região metropolitana onde a oferta cultural é bem concentrada. E quem é da Serra, muitas vezes não tem tanto esse hábito de sair no próprio município e de enxergá-lo como local possível de ter uma oferta artística destacada. “Não é um processo que vai ser desconstruído rapidamente, mas estamos na luta com certa força. É preciso uma mudança de paradigma, já começamos sabendo que não seria nada fácil”.
As exposições de artes visuais ficam no local por dois meses, com visitação aberta de terça-feira a domingo, de 14 às 21h. Mensalmente, há encontros de hip hop e capoeira, além de oficinas, que podem ser permanentes ou pontuais, estas muitas vezes ofertadas por artistas que estão de passagem e também se apresentam no espaço.
Para receber artistas de outros locais, o Eliziário aposta na parceria com pousadas e restaurantes do bairro. Assim, já passaram por lá grupos do interior do Espírito Santo, de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, além dos primeiros visitantes internacionais, da Colômbia.
Casa dos artistas
Os chamados para propostas de atividades são feitos mensalmente por meio de um edital de ocupação do local. “O espaço está totalmente aberto aos artistas, a casa é deles. Não foi feito para ser meu palco, eu não sou artista, apenas o gestor. Foi feito para ser ocupado pelos artistas pensando na carência de espaços culturais na Grande Vitória e sobretudo na Serra”, diz Antônio Vitor. “Os artistas podem vir de vários lugares. O público também, todos são bem-vindos, mas gostaríamos de ver cada vez mais as pessoas da Serra curtindo a arte e ocupando seu município”
Tentando ir além do seu espaço físico e das barreiras invisíveis que possam ter os centros culturais, há também o projeto Eliziário no Bairro, que leva atividades para as praças ou escolas das comunidades da Serra.
Os desafios são grandes e um dos maiores deles é a sustentação financeira, que ainda depende em parte do investimento familiar. Depois de mais de um ano em funcionamento, um dos principais objetivos para 2018 é conseguir patrocínios significativos que permitam um financiamento mais amplo. “Tão amplo como é o modo de funcionar desse centro cultural”, compara Antônio Vitor.