William Butler Yeats, nascido em Dublin em 1865, pode ser considerado o maior poeta de língua inglesa do século XX, e ainda um dos maiores de todos os tempos, e que tem no início de suas criações em poesia a fonte indômita do signo do nacionalismo literário, este mais duradouro que o nacionalismo político, e de cepa, óbvio, irlandesa. Na sua exploração dos mitos célticos, Yeats segue uma linha inicial utópica, sonhadora, de fonte cultural nacional, o tema é o mito da Irlanda, a fonte mais forte é a inspiração ainda ligada, de todo, ao cunho fundador de uma identidade nacional, que terá assim, primeiro, uma fonte mitológica, e que tem mais no sonho que na realidade a sua tonalidade e versificação.
E o então jovem poeta tem a sua estreia com o volume “As peregrinações de Oisin e outros poemas” de 1889, que era uma resenha anônima, que dará seguimento, então, ao volume de poemas “Encruzilhadas”, também de 1889. Oscar Wilde, um dos primeiros a atentar para o talento do então jovem Yeats, este que já era poeta e folclorista, depois de afirmar que livros de poetas jovens geralmente são notas promissórias de difícil resgate, no caso de Yeats, ele dirá: “às vezes nos deparamos com um volume que está tão acima da média que é impossível resistir à tentação de predizer um belo futuro para seu autor”. E podemos citar como pequena peça filosófica sobre o que é a poesia, as próprias palavras de Yeats: “Da briga do homem com outros surge a retórica; da briga do homem consigo mesmo nasce a poesia.” Portanto, Yeats terá a sua própria concepção sobre poesia, sobretudo, como conflito. E o conflito, em seu caso, se dará como a cisão entre sonho e realidade, o que ficará reconhecido na sua obra completa, que atuará nestes territórios em dois momentos diversos de sua trajetória biográfica e literária.
Então, o primeiro Yeats será ainda do poeta que deseja se manter na imagem e refúgio de um mundo de perfeição e beleza, chocando-se com o mundo cotidiano cheio de exigências. Tal oposição já estará patente na sua primeira obra poética, publicada em 1889, o poema narrativo “As peregrinações de Oisín”, e ainda no seu desdobramento que virá a lume como “Encruzilhadas”, para em seguida, já em 1893, vir o volume “A rosa”, o qual coloquei dois poemas abaixo, os “A rosa do mundo” e “A ilha lacustre de Innisfree”, livro que será um aprofundamento do simbolismo do autor. E assim, em “A rosa do mundo”, as alusões são simultâneas, tanto à sua amada, como também à “prole de Usna” e a Helena de Troia, os encantos do país natal e do mundo todo, evocando o caráter ao mesmo tempo nacional e universal do poema. E em “A ilha lacustre de Innisfree”, surge aqui uma nostalgia da região de Sligo, e que no trecho, por exemplo, como: “E lá vou achar a paz”, reconhece o autor a sua dívida para com suas origens, algo comum a muitos escritores, e julgo algo quase corriqueiro quando se fala de literatura irlandesa.
Yeats, na sua proposta inaugural, nacionalista, sonhadora, mitológica, de cunho simbolista, ganhará a sua melhor versão no livro “O vento entre os caniços”, publicado em 1899, e que terá a sua melhor expressão no poema “A canção do errante Aéngus”. Nestes versos, Aéngus, deus gaélico do amor e da poesia, aparece na descrição de sua busca por uma jovem fada (a poesia), a qual descobre num bosque de aveleiras (a sabedoria). Está neste poema o clichê da beleza ideal, já não tão presente nos poemas de cepa moderna e contemporânea, mas que nesta fase de Yeats ainda tem sua força, beleza que se fundirá à natureza, nos últimos versos que dizem de “pomos argênteos da lua” e de “pomos dourados do sol”, numa fusão muito própria do conhecimento alquímico.
E tal aventura se encerra aqui, nesta primeira parte da poesia de Yeats, já com sua fase mais realista, do livro “Responsabilidades” de 1914, já com a segunda fase do autor ligado mais nas atividades cotidianas, o que já culminara com a sua entrada no projeto do Teatro Abbey, inaugurado em 1904. Yeats então já rendido a uma vida mais prática, se distancia em sua poesia do idílio de um mundo perfeito em beleza e busca um caráter mais reto e com menos atavios em sua poesia, já com a depuração que veremos no imagismo de Ezra Pound, por exemplo, mas com Yeats em caminho próprio, de um mundo cotidiano cheio de problemas e, como diz o título de seu livro, “responsabilidades”.
E com o poema “Setembro de 1913” tal série nova ganha corpo, pois sua escrita ganha os ares do pesadelo do mundo real, seja em caráter público, como em sua vida pessoal, numa visão negativa da vida e da humanidade que, por sua vez, tem no estribilho “A romântica Irlanda está acabada;/O túmulo de O´Leary é seu lugar.” O grito de que as ilusões estavam perdidas, bem-vindo ao mundo da dor e do conflito, a beleza dá lugar ao senso do mundo, e Yeats, neste poema, traduz-se em ataques à cobiça e à religiosidade afetada da burguesia católica irlandesa, anestesiada em relação à arte, e que fará com que Yeats vá buscar alento em dois extremos, na classe popular, de um lado, e na aristocracia, de outro. E tal poema será motivado por um caso específico que muito aborreceu Yeats: O rumoroso caso dos quadros impressionistas que sir Hugh Lane pretendia doar à municipalidade de Dublin, mas, a cidade, sem uma galeria de arte adequada para receber os quadros, e sem verba oficial, fez com que Yeats visse seu sonho virar pó com a coleção indo parar na Galeria Nacional de Londres.
A ROSA DO MUNDO
Quem sonhou que a beleza esvai-se como um sonho?
Por estes lábios rubros, com orgulho triste,
Triste porque a magia de antes não persiste,
Foi-se Troia na pira de clarão medonho
E a prole de Usna já não mais existe.
O mundo laborioso vai conosco ao léu:
Em meio à massa de almas que vacila e esfaz-se
Como cheia hibernal que pálida passasse,
Sob os astros que fogem, o espumar do céu,
Sozinha vive ainda aquela face.
Inclinai-vos, arcanjos, na sombria morada:
Antes que houvesse a vida, antes de vós também,
Ofegante e gentil, com Ele estava alguém;
Fez Ele deste mundo uma relvosa estrada,
À frente de seus pés, que errantes vêm.
A ILHA LACUSTRE DE INNISFREE
Vou levantar-me e ir agora, e vou-me para Innisfree,
E lá farei uma choça com barro e vimes torcidos;
Terei feijão, nove filas; e abelhas terei ali;
E estarei só, na clareira entre os zumbidos.
E lá vou achar a paz, paz que pinga devagar,
Que pinga dos véus da aurora para onde cricrila o grilo;
A meia-noite ali brilha; o meio-dia é esbrasear;
E o poente … pintarroxos vêm cobri-lo.
Vou levantar-me e ir agora, porque sempre, noite e dia,
Ouço o marulho das águas que no lago vêm e vão;
Se na estrada me detenho, ou sobre a calçada fria,
Escuto-o bem, lá dentro do coração.
A CANÇÃO DO ERRANTE AÉNGUS
Eu fui ao bosque de aveleiras,
Pois fogo no cérebro tinha;
Cortei e pelei uma verga,
E atei uma baga a uma linha;
E ao ver as falenas da mata,
Deitei num arroio essa baga,
Fisgando uma truta de prata.
Depois de estendê-la no chão,
Soprei a fogueira com fome;
Mas algo no chão se mexeu,
E alguém me chamou pelo nome:
Tornara-se moça radiante,
Cabelos com flor de maçã;
Chamou o meu nome, e correu,
E esfez-se na luz da manhã.
Embora envelheça a vagar
Por terra elevada e terra oca,
Eu hei de encontrar seu refúgio,
Tomar-lhe as mãos, beijar-lhe a boca;
E irei entre a relva mosqueada
Colher, em futuro arrebol,
Os pomos argênteos da lua,
Os pomos dourados do sol.
SETEMBRO DE 1913
Que mais querem vocês, pensando bem,
Que mexer em gaveta gordurosa
E somar ao vintém meio vintém,
E reza acrescentar a reza ansiosa,
E sugar o osso até não restar nada?
Para rezar nascemos … e poupar:
A romântica Irlanda está acabada;
O túmulo de O `Leary é seu lugar.
De outro estofo eram os nomes que calavam
As nossas brincadeiras infantis:
Pelo mundo qual vento eles passavam,
E sem rezas, pois para a sua cerviz
A corda do carrasco era trançada;
E o que tinham, meu Deus, para poupar?
A romântica Irlanda está acabada;
O túmulo de O`Leary é seu lugar.
Teriam por isto os “gansos” desferido
O voo cinza que nos céus foi visto?
Por isto tanto sangue foi vertido?
Edward Fitzgerald só morreu por isto?
E Wolfe Tone, e mais Emmet de juntada,
Um delírio de indômitos sem par?
A romântica Irlanda está acabada;
O túmulo de O`Leary é seu lugar.
Porém, se nós pudéssemos revê-los
Na dor e solidão de seus exílios,
Diriam vocês: “O louro dos cabelos
De uma mulher enlouqueceu os filhos
De toda mãe”. Estirpe nobre e ousada,
Mal pesava o que tinha para dar.
Mas que descanse em paz; está acabada;
O túmulo de O`Leary é seu lugar.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Blog: http://poesiaeconhecimento.blogspot.com