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Webdoc Corpo Flor reflete sobre negritude e sexualidade

Corpo flor. A expressão tomada emprestada da artista Castiel Vitorino deu nome ao projeto audiovisual de Izah Candido e Wanderson Viana, que aborda temas como juventude, negritude e sexualidade. “Tentamos pensar, a partir deste lugar que ocupam na sociedade, como esses corpos olham para tudo, para a vida, artes, família, religião, para os espaços que ocupa”, diz Wanderson (foto abaixo à esquerda). “Queremos ver também o corpo como potência de florescimento e as flores que são essas diversas vivências”, completa Izah (foto à direita).

Contemplado pelo Ministério da Cultura em um edital voltado para a Juventude Vlogueira, os jovens foram ambiciosos e decidiram ir além, alternando os vídeos de vlog junto com um webdoc (documentário online) com oito capítulos. Como os corpos negros que fogem da normativa heterossexual dialogam com o mundo, em seu prazer e sua resistência contra uma estrutura de controle e subalternização. É isso que vai unir as temáticas de ambos espaços, vlog e webdoc, levando a reflexões e desconstruções que todos podemos e devemos fazer. Falando do sentimento de não-pertencimento, dos não-lugares – ou dos inter-lugares como entende Castiel. Há outras formas de ser e sentir, outras fronteiras entre o masculino e o feminino.

“A falta de representatividade é um dos pontos que leva a esse trabalho. Estamos fazendo porque não encontramos na mídia o que queremos. Então mostramos como achamos que deveria ser ou ao menos como gostaríamos que fosse essa representação”, diz Izah, que lembra como fato importante para o anseio de buscar outra representação na mídia, a história do ator e comediante Jorge Lafond, negro, homossexual, drag queen, intérprete de “Vera Verão”, que teria entrado em depressão após ter sido retirado do palco de um programa de TV a pedido de um padre cantor, tendo logo depois crises de hipertensão que o levaram à morte. Além desta polêmica, perceber a insensibilidade como as pessoas olhavam para a morte de Lafond, o incômodo que seu corpo causava serviram de reflexão para Izah, que viveria em seu corpo e mente a transição de gênero enquanto cursava a universidade.

A narrativa do webdocumentário começa na casa de Izah, no bairro Jabour, em Vitória. “Diferente do que está escrito nos meus documentos, o meu nome é Izah, é assim que eu gosto de ser chamado (…) Sou um homem preto trans”, diz em sua apresentação como condutor da narrativa. De lá, sai ao encontro de Castiel, estudante de psicologia, performista e artista plástica, que se define como “bicha preta”.

A câmera trabalha com o movimento, a proximidade, os detalhes do corpo e do entorno. “Seguimos muito de perto o corpo, a câmera tenta seguir e obedecer o corpo ao invés do corpo obedecer a câmera, queremos passar essa impressão mais sensitiva”, explica Wanderson.

Os autores explicam que a locação do primeiro episódio não poderia ser outro que não o quarto-atelier de Castiel, onde vive e produz sua arte transgressora e libertadora. O tom performático da artista se faz presente no vídeo, o que para Izah contribui para extrapolar a linguagem e as fronteiras entre documentário e ficção.

As cartas são o dispositivo de conexão entre os personagens de Corpo Flor. A primeira a ser lida vai de Izah para Castiel, que escreverá outra carta a ser entregue para o próximo personagem. Não cartas pessoais mas universais, cartas de si para o mundo.

De Castiel a carta e a série chegam a João Victor Santos, estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e militante do movimento negro. Aí já se pode observar que Corpo Flor se coloca como uma série aberta à diversidade em conteúdo e linguagem. O perfil de cada personagem conduz o tom do capítulo. O lugar íntimo do quarto-atelier de Castiel se desloca para o lugar coletivo da Universidade, onde João desperta para a luta e as desconstruções a partir da percepção do que representa e o que gera a presença de seu corpo negro e gay neste espaço de conhecimento e poder que historicamente esteve controlado pela branquitude e outras normatividades.

Espaço este que também permite crítica, aprendizados, leituras, encontros, afetos que ressignificam o ser e o estar ali. A fala subjetiva da artista também dá lugar a uma fala coletiva, quando no segundo capítulo, além da fala de João, outras pessoas que vivem os mesmos desafios também tomam a palavra, mostrando que as questões individuais também são coletivas, e vice-versa.

Ao todo, serão oito vídeos do webdocumentário, com seis protagonistas capixabas e dois de outros estados, com perfis e buscas diferentes mas dentro da linha do projeto, que discute juventude, negritude e sexualidade. No vlog, diálogos complementares de Izah e convidados, abordam filmes que refletem sobre estes temas, a relação com a universidade, os não-lugares e outros assuntos.

Para Izah, a pretensão é mais qualitativa que quantitativa: “Espero atingir as pessoas. Tem gente que vai gostar, gente que vai se escandalizar. Quero que ao assistir, as pessoas sejam atingidas de alguma forma com essa potência. O que a pessoa vai fazer com isso, aí é com ela. Mas se todo mundo que apertar o play se sentir atingido e deslocado de alguma forma, a missão será cumprida”, considera.

Para ser atingido e deslocado, é possível assistir aos capítulos do webdoc e vlog no canal no YouTube ou acompanhar pelo Facebook.  

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