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‘A Bíblia, em si, é um livro do povo preto’

Escola de Justiça Racial resgata ancestralidade negra no evangelho e une às lutas sociais

Com foco em fortalecer as lutas coletivas para a superação do racismo e das opressões estruturais, o Movimento Negro Evangélico (MNE) promove neste mês a Escola de Justiça Racial, que busca resgatar o legado deixado por um Jesus revolucionário, que ensinou sobre a união e a defesa das pessoas marginalizadas e excluídas. “A Bíblia, em si, é um livro do povo preto, ambientado no continente africano, em grande parte”, destaca a coordenadora do Movimento, Patrícia Gonçalves.

Ela aponta que “nosso papel é desconstruir o embranquecimento que se deu devido ao racismo que perpassa nossas vivências e resgatar o evangelho de Jesus como um idealizador de que as pessoas tinham direitos, construir a revolução através das lutas sociais”.

Acervo Pessoal

A atividade será realizada neste sábado (9) e no próximo dia 30, na Igreja Presbiteriana Unida, no Centro de Vitória, voltada especialmente para pessoas inseridas em contextos religiosos, mas é aberto a todos os interessados em aprofundar o letramento antirracista, independentemente de sua crença religiosa, como destaca a pastora e assistente social.

O evento busca desconstruir a narrativa eurocêntrica sobre o evangelho, unindo conceitos de negritude, história do movimento negro e teologia negra, em uma programação que inclui palestras, intervenção artística da cantora e compositora Fadi Gonçalves, vocalista do grupo Preto no Branco, conhecido por sua mistura de música gospel com elementos do hip-hop e R&B, além de almoço para os participantes e emissão de certificado.

A coordenadora do MNE compreende que a estratégia do letramento racial contribui para enfrentar práticas das igrejas que perpetuam opressões e reproduzem as desigualdades das estruturas de poder. Ela observa que muitas instituições religiosas estão localizadas em periferias, e essa presença não é acidental, porque a vulnerabilidade facilita o controle social e a manipulação para a promover uma ideia de aceitação da pobreza e um evangelho que distancia as pessoas do conhecimento.

“Quando se fala em ideologia do povo preto, na nossa ancestralidade, o que existe é uma busca pela unidade, valorizar os mais velhos, isso é muito da nossa origem e vai ser encontrado na Bíblia, quando Jesus diz que temos de ser um para sermos reconhecidos como seus discípulos, o que é totalmente o inverso do discurso predominante hoje em muitas igrejas que vivem em função de um capitalismo”, pontuou.

Patrícia reafirma que a luta do Movimento Negro Evangélico é interseccional e compreende que, ao discutir racismo, é fundamental abordar as raízes das opressões, como a LGBTfobia e a violência de gênero, reconhecendo que estão entrelaçadas. “Enquanto frequentemente se fala de pecados individuais, nós temos que enxergar os pecados coletivos, que são a desigualdade social, o racismo, a LGBTfobia, as mulheres sendo agredidas e violadas em todo o tempo. E a igreja não pode ficar calada com relação a isso”, defende. Ela conta que o movimento começou a se organizar em 2003 e tem buscado não apenas a visibilidade das questões raciais dentro do contexto evangélico, mas também a desconstrução de narrativas que marginalizam a história e a identidade do povo negro.

Para Iure Gramelich, organizador da Escola de Justiça Racial e coordenador do Movimento Negro Evangélico no Estado, falar sobre teologia negra no atual cenário político e religioso é desafiador, pois representa uma resistência contra a corrente dominante. “Quando se faz um evento sobre isso, algumas portas nos são negadas, mas existem instituições que acreditam no movimento e em um Reino em que o racismo é um pecado a ser combatido e denunciado”, enfatizou.

Acervo pessoal

A formação é composta por quatro módulos. No primeiro dia, os participantes explorarão conceitos essenciais sobre raça e negritude, incluindo um histórico do movimento negro e as diversas manifestações do racismo. À tarde, a discussão se concentrará na história do movimento negro no Brasil e no mundo, destacando figuras abolicionistas e marcos significativos dessa trajetória.

No segundo dia, a relação entre Bíblia, teologia e negritude será o tema central do debate, que abordará a presença africana nas Escrituras e novas perspectivas teológicas. O encontro se encerrará com uma reflexão sobre as contribuições de figuras negras antirracistas e cristãs, celebrando suas lutas e legados.

As inscrições podem ser realizadas gratuitamente, por meio do formulário disponível no site do MNE nacional. Além do Espírito Santo, a Escola de Justiça Racial também ocorrerá em Curitiba, João Pessoa, Salvador e São Paulo, após edições recentes em Recife e no Rio de Janeiro.

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