Pelo menos dois abaixos-assinados, um cadastrado no site Change.Org e outro no Petição Pública, têm recolhido assinaturas com a Medida Provisória editada pelo presidente da República Jair Bolsonaro (PSL), no último dia 1º de janeiro, que transferiu as funções de demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura. A Funai (Fundação Nacional do Índio), que possuía tais prerrogativas, foi enfraquecida com a MP, causando diversos riscos à população indígena. Na prática, uma das funções mais importantes para a proteção da cultura e da dignidade dos índios, que é a demarcação de suas terras, saiu do Ministério da Justiça e foi para o Ministério da Agricultura, comandada no atual governo por ruralistas.
Na manhã desta segunda-feira (07), com cerca de 33 mil assinaturas, os abaixo-assinados pedem que a Medida Provisória seja revogada imediatamente pelo presidente Jair Bolsonaro, pelo Congresso Nacional ou pelo Superior Tribunal Federal (STF). A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Abip), que reúne comunidades indígenas das regiões Norte e Centro-Oeste, também já representou Bolsonaro junto à Procuradoria-Geral da República, solicitando que seja aberto um inquérito civil com o objetivo de “investigar e monitorar os atos e processos administrativos de demarcação de terras indígenas e apurar eventual responsabilidade administrativa que atenta contra à moralidade administrativa, à democracia e de ofensa aos direitos culturais dos povos indígenas”.
De acordo com o texto do abaixo-assinado Change.Org, “a mudança pode causar um efeito nefasto não apenas contra os índios, mas também contra todos os brasileiros. As terras indígenas são um objeto de disputa antigo, sendo cobiçadas, sobretudo, por ruralistas. Essas terras possuem riquezas naturais, no solo e no subsolo, que precisam ser protegidas pelo Estado. A exploração dessas riquezas traria consequências gravíssimas não só para o Brasil, como também para o mundo. Por isso, colocar a demarcação das terras indígenas sob a tutela do Ministério da Agricultura é eliminar completamente a mediação que a Funai exercia nesse conflito, concedendo aos ruralistas o poder absoluto de delimitar as terras que são do interesse deles”.
Já a Petição Pública ressalta que em 50 anos de existência a Funai passou diversas reestruturações e tem visto constantes ameaças aos direitos indígenas e indigenistas. “Não podemos permitir retrocessos e violações aos direitos indígenas consagrados na Constituição Federal de 1988 e reiterados por diversos tratados internacionais, como a Convenção 169 da OIT, a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas e a Declaração Americana dos Direitos dos Povos Indígenas da OEA. Nesse sentido, como apoiadores da Funai, com este abaixo assinado buscamos expressar nosso repúdio à vinculação da Funai ao Ministério da Agricultura e para que permaneça vinculada ao Ministério da Justiça. Exigimos o cumprimento pleno da consulta livre prévia e informada aos povos indígenas pelos três poderes e a implementação das deliberações aprovadas na 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista, incluindo o fortalecimento da Funai. Em defesa dos povos indígenas e da Funai!”.
E completa: “em todo o território nacional são mais de 300 etnias, cerca de 250 línguas, 600 terras indígenas e quase um milhão de pessoas. Nenhum país no mundo possui tamanha riqueza étnica e cultural! Metade das áreas preservadas no Brasil se encontram em territórios indígenas…”.
Reação no Estado
Lideranças indígenas do Espírito Santo também repudiaram ações dos primeiros dias do governo Bolsonaro que, em nível nacional, ameaçam a demarcação de terra indígenas, a flexibilização de licenciamentos para empreendimentos nessas áreas, além da possível precarização de políticas públicas nas áreas de Educação e Saúde.
Nas primeiras horas de governo, o presidente Jair Bolsonaro editou uma medida provisória e um decreto que esvaziam as principais atribuições da Fundação Nacional do Índio (Funai), deslocando para o Ministério da Agricultura, instituição que, mais do que nunca no novo governo, representa interesses do setor agropecuário brasileiro. Entre as atribuições deslocadas estão a prerrogativa de delimitar terras indígenas e de quilombolas, e a de conceder licenciamento para empreendimentos que possam atingir esses povos.
A gerente de Assuntos Indígenas da Prefeitura de Aracruz, Josiane Francisco, mais conhecida como Josi Tupiniquim, primeira indígena indicada pela Comissão de Caciques Tupiniquins e Guaranis para um cargo na gestão municipal, ressalta que as comunidades já estão prontas para a resistência.
“Estamos acompanhando as decisões do novo governo federal. Hoje, nós, povos indígenas, estamos tendo negados direitos conquistados com muita luta. Estamos bastante preocupados com os retrocessos. Nossas terras, aqui no Estado, já estão demarcadas e homologadas, mas há irmãos em outras partes do País, que ainda lutam por isso. Com essa atribuição passada para o Ministério da Agricultura, comandada por ruralistas, as demarcações vão parar. Mas não vamos perder nossos direitos assim, o povo indígena é de resistência, estamos preparados para resistir e lutar”, disse Josi, que é da Aldeia Pau Brasil.
MPF também pode interferir
Segundo reportagem publicada, na última quinta-feira (3), pela BBC News Brasil, o Ministério Público Federal também pensa em acionar as decisões de Bolsonaro. Procuradores que atuam na defesa dos direitos dos indígenas estudam formas de contestar na Justiça as decisões do novo presidente.
Segundo a reportagem, o procurador da República Júlio Araújo, que integra o grupo de trabalho sobre demarcação de terras indígenas da Associação Nacional dos Procuradores da República, avalia que a transmissão das funções da Funai para o Ministério da Agricultura viola a Constituição.