O advogado Felipe Ferreira dos Santos protocolou no Ministério Público do Espírito Santo (MPES) uma representação contra policiais acusados de agredirem um jovem negro em São Mateus, norte do Estado, nessa terça-feira (11). O advogado quer mover uma ação penal por abuso de autoridade. Nesta sexta-feira (13), Felipe também protocolou pedido de afastamento e investigação dos PMs, citados por invasão de domicílio, uso ilegal de algemas e racismo institucional.
O advogado relata que o jovem entrou em sua casa, após retornar da residência de um vizinho, a quem foi ajudar a socorrer por estar passando mal, quando os policiais ordenaram que saísse. Na rua, o rapaz foi revistado. Não encontrando nada que o incriminasse, os PMs entraram na casa sem autorização judicial e a revistaram por completo, também não encontrando nada de errado, como conta.
Seu cliente, relata Felipe, questionou o porquê da abordagem e falou que ela havia acontecido pelo fato de ser um jovem negro e morador da periferia. “Aí uma policial deu um soco no estômago dele e o levaram para a delegacia por desacato à autoridade. Na delegacia, ele solicitou o direito de ligar para a família e para o advogado, mas os policiais disseram que ele era um ninguém, que não tinha advogado nem ninguém por ele”, aponta.
Contactado por moradores que presenciaram a abordagem policial e pela família do jovem, o advogado foi até a delegacia, onde ao chegar presenciou agressões verbais por parte dos policiais contra seu cliente, como afirma. “Por eu ser negro, eles não se deram conta de que sou advogado, então se sentiram à vontade para continuar a agredir. Quando me apresentei, o tom de voz mudou, me cumprimentaram me chamando de doutor e contaram a versão deles sobre os fatos”, diz Felipe.
Os policiais argumentaram que estavam fazendo uma diligência de rotina e o rapaz, ao ver a viatura, saiu do local. “É a segunda vez que invadem a casa do meu cliente sem motivo e sem que encontrem absolutamente nada. Na outra vez tinha alguns policiais que agrediram meu cliente agora”, ressalta Felipe, que afirma, ainda, que o rapaz foi ameaçado. “Disseram que vão fazer da vida dele um inferno. Essas pessoas têm que ser afastadas da PM, não podem estar de farda e armadas pelas ruas, pois representam risco”, destaca.
Racismo Institucional na OAB/ES
Outro caso de racismo institucional aconteceu no Espírito Santo, denunciam advogados. Diante da sentença proferida pela juíza Inês Marchalek Zarpelon, da 1ª Vara Criminal de Curitiba, que menciona a raça de um dos réus ao proferir a condenação, a Comissão de Igualdade Racial da OAB/ES emitiu nota de repúdio em relação ao ocorrido, em que mostra sua solidariedade à advogada Thayze Pozzobon, “que viu seu cliente ser alvo de mais um ataque aos direitos e garantias fundamentais a um julgamento isento e tratamento igualitário”.
A solidariedade prestada à advogada, e não ao seu cliente, que foi a vítima de racismo, gerou indignação nas redes sociais. No Instagram da OAB/ES, o perfil dos Juristas Capixabas Negros comentou a postagem dizendo ser questionável “que a nota de repúdio redigida pela Comissão de Igualdade Racial da OAB/ES tão somente se solidariza com a advogada Thayze Pozzobon, uma mulher branca que compartilhou a sentença nas redes sociais, mas que nunca será vítima de racismo”.
O advogado André Moreira, militante do Partido Socialismo e Liberdade (Psol), comentou que “a OAB/ES, diante de um grave ato de racismo praticado numa sentença contra um homem negro, usa a expressão ‘solidariedade’ dirigida somente à colega advogada, como se a vítima do ato de racismo fosse apenas um objeto, e não um sujeito de direitos”.
Entre os comentários há também questionamentos sobre o fato de que a Semana da Advocacia, organizada pela OAB/ES em alusão ao Dia do Advogado, conta somente com palestrantes brancos.
A Ordem tem protagonizado algumas polêmicas nos últimos tempos. Recentemente, um grupo de advogados negros encaminhou ao presidente da OAB/ES, José Carlos Rizk Filho, um manifesto pela “erradicação do racismo como prática genocida contra a população negra”, praticado “dentro da própria Ordem”.
Os advogados denunciaram a ausência da população negra nos diversos espaços da OAB, como nos eventos organizados pelas comissões temáticas da instituição e na própria diretoria.
No documento, lembram, entre outros fatos, de um acontecido em julho, quando a Comissão de Igualdade Racial organizou uma exposição fotográfica online intitulada Advogadas Negras Capixabas, “com o objetivo de prestigiar e dar visibilidade ao nome de algumas advogadas negras que têm sido exemplo de resistência no campo jurídico e que com suas histórias de vida militam contra o racismo, por igualdade de oportunidades e por uma sociedade democrática”. Entretanto, recordam, a advogada Fayda Belo, de Cachoeiro de Itapemirim, sul do Estado, seria homenageada na exposição, mas teve sua participação vetada pela OAB. O fato teria motivação política, já que ela é pré-candidata à prefeitura pelo PP.
Informações apontam que integrantes da Comissão de Igualdade Racial saíram do colegiado em protesto ao ocorrido e que a própria OAB removeu os integrantes. Posteriormente, a Ordem acabou nomeando uma mulher branca para presidir a comissão, a advogada Taina Quarto Moura Coura.
“A Comissão de Igualdade Racial não serve apenas como enfeite, ela precisa propor e concretizar ações afirmativas para a população negra!”, criticam os advogados, que não assinam o manifesto nominalmente, alegando receio de perseguição.