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Alterações de gênero crescem 32,2% em cartórios no Espírito Santo

Desde 2018, retificações podem ser feitas sem ação judicial

Divulgação/ABr

Nesta quarta-feira (29), celebra-se o Dia Nacional da Visibilidade Trans, uma data fundamental para o reconhecimento e luta pelos direitos das pessoas trans no Brasil. No Espírito Santo, um dos avanços mais significativos para essa população tem sido o aumento expressivo no número de alterações de gênero diretamente nos Cartórios de Registro Civil. Em 2024, o estado registrou um crescimento de 32,2% nesses procedimentos, totalizando 41 mudanças, em comparação com as 31 realizadas em 2023. 

Desde 2018, quando essa possibilidade foi regulamentada sem a necessidade de ação judicial, laudos médicos ou cirurgias, o crescimento acumulado chega a 215%, evidenciando a crescente adesão a esse direito. A possibilidade de alteração de nome e gênero foi simplificada após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), regulamentada pelo Provimento nº 73 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que tornou o reconhecimento da identidade de gênero mais acessível.

O uso do nome social tem sido uma das principais pautas do movimento trans para garantir que essa população seja reconhecida pelos nomes com os quais se identifica em diversas esferas da sociedade, como escolas, serviços de saúde e documentos oficiais. Organizações que defendem os direitos das pessoas transgênero destacam que a retificação do nome no registro civil é um passo essencial na afirmação da identidade trans, contribuindo para sua inclusão social e profissional.

Para ampliar a informação sobre esses direitos, a Secretaria de Direitos Humanos (SEDH), em parceria com o Conselho Estadual LGBT, lança nesta quarta-feira (29) a cartilha “Tenho nome, quero respeito”. O material, disponível no site da SEDH, traz um passo a passo sobre o processo de alteração de registro civil, uma lista de documentos necessários e respostas para dúvidas frequentes. Além disso, a cartilha apresenta uma relação de canais de denúncia a situações de transfobia.

Violência e desafios

Apesar dos avanços legais, a população trans ainda enfrenta desafios estruturais no Brasil, que pelo 17º ano consecutivo lidera o ranking de países que mais matam pessoas trans. O dossiê Registro Nacional de Mortes de Pessoas Trans no Brasil, produzido pela Rede Trans Brasil, aponta para altos índices de transfeminicídio, revelando um cenário preocupante de violência e exclusão.

Uma das violências frequentemente enfrentadas por essa parcela da população é o uso do “nome morto”, ou seja, o nome de registro que não condiz com a identidade de gênero da pessoa trans. Essa prática é ofensiva e fere direitos de personalidade garantidos pela Constituição, pois atinge diretamente a dignidade, honra e identidade do indivíduo.

ONG Minha Criança Trans

Crianças e adolescentes

Para crianças e adolescentes, a retificação do nome e gênero ainda requer ação judicial, o que pode representar um desafio para muitas famílias. Organizações como a ONG Minha Criança Trans têm atuado para apoiar esses processos, ajudando famílias a enfrentar a burocracia e o preconceito no Judiciário. A ONG também comunicou oficialmente à Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen) para garantir que os cartórios cumpram corretamente as decisões judiciais.

O acesso à educação ainda é um desafio para pessoas trans. Dados do Censo Trans, realizado pela Rede Trans Brasil em 2022, mostraram que 63,9% das mulheres trans e travestis não possuíam o ensino médio completo, sendo que 34,7% não concluíram sequer o ensino fundamental. Esses números evidenciam a exclusão escolar, muitas vezes causada pela discriminação e violência dentro do ambiente escolar.

A possibilidade do uso do nome social na educação básica foi homologada pelo Conselho Nacional de Educação em 2018, por meio da Portaria nº 33. No entanto, apenas maiores de 18 anos podem solicitar a matrícula com o nome social sem a necessidade de autorização dos pais, o que ainda representa uma barreira para estudantes mais jovens.

Em 2024, o levantamento da Rede Trans Brasil indicou que 490 matrículas com nome social foram realizadas no Espírito Santo, totalizando 1,1 mil registros nos últimos quatro anos. Embora haja avanços, os dados mostram que a exclusão educacional ainda é uma realidade, afetando diretamente a inserção dessas pessoas no mercado de trabalho e seu acesso a direitos básicos.

Como retificar

A solicitação pode ser feita diretamente no Cartório de Registro Civil da área de residência ou onde foi feito o registro de nascimento. É possível modificar nome e gênero nos registros de nascimento e casamento, incluindo agnomes (ex.: Filho, Neto, Júnior). Sobrenomes não podem ser alterados.

Para retificar o nome e o gênero no registro civil, a solicitação pode ser feita diretamente no Cartório de Registro Civil da área onde a pessoa reside ou no cartório onde foi registrado o nascimento. O procedimento permite a alteração do nome e do gênero nos registros de nascimento e casamento, incluindo os agnomes indicativos de descendência, como Filho, Neto e Júnior. No entanto, os sobrenomes não podem ser modificados.

O pedido de retificação pode ser realizado sem necessidade de ação judicial, sendo um direito garantido por lei. Entretanto, caso o cartório se recuse a realizar a alteração, é possível procurar a Defensoria Pública para obter assistência jurídica gratuita e assegurar o cumprimento desse direito.

Para realizar a retificação, é necessário apresentar documentos como RG, CPF, certidão de nascimento, comprovante de residência atualizado e certidões negativas cível, criminal, eleitoral e de protesto dos últimos cinco anos. Alguns cartórios aceitam a Certidão de Quitação Eleitoral emitida pela internet, o que pode facilitar o processo.

Após a retificação no registro civil, é possível atualizar outros documentos, como RG, título de eleitor e CPF. Para isso, basta acessar os sites do Governo do Espírito Santo, do Tribunal Superior Eleitoral e da Receita Federal, respectivamente, onde é possível solicitar a segunda via ou realizar as devidas alterações.

Para pessoas não binárias, o Provimento 149/2023 ainda não permite a alteração de gênero para neutro em cartório. No entanto, essa modificação pode ser solicitada por meio de uma ação judicial, com apoio da Defensoria Pública do Espírito Santo. 

Recentemente, uma pessoa não binária residente em Vitória conseguiu a alteração de nome e gênero com o apoio do Núcleo de Direitos Humanos e Promoção da Igualdade, que ajuizou uma ação para garantir a retificação no registro civil. Apesar da resistência inicial do cartório, que alegava falta de previsão legal para incluir o gênero não binário na certidão, a Justiça acolheu o pedido da Defensoria, encerrando um processo que durou mais de um ano.

A lei exige que apenas maiores de 18 anos possam realizar a retificação diretamente no cartório. Quando a pessoa trans ainda não atingiu a maioridade, é necessário entrar com uma ação judicial para que a alteração seja feita.

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