Nova composição do Conselho de Segurança Alimentar segue com vagas abertas
O Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Espírito Santo (Consea-ES) teve sua nova composição definida em assembleia realizada no último dia 31. A posse dos conselheiros será no próximo dia 14, mas o processo eleitoral ainda não foi concluído: quatro vagas seguem em vacância e novas eleições devem ser convocadas no prazo de até dois meses após a posse. A retomada do conselho marca a reativação de um espaço de participação social para o enfrentamento da insegurança alimentar no Estado, que atinge mais de 20% das famílias capixabas, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua).
O órgão colegiado será composto por 30 vagas, sendo 20 destinadas à sociedade civil, distribuídas em cinco eixos temáticos, e 10 reservadas a representantes do poder público. Entre as vagas que seguem abertas, o eixo destinado a pessoas com necessidades alimentares especiais continua com as três vagas não preenchidas, enquanto o de entidades de ensino, pesquisa e conselhos profissionais teve apenas uma entidade eleita, restando ainda duas cadeiras a serem ocupadas.
Para Luara Monteiro, integrante da Rede Urbana Capixaba de Agroecologia (Ruca), uma das entidades eleitas para o biênio 2025–2027, o processo eleitoral representa uma oportunidade de fortalecer a diversidade dentro do conselho e ampliar a participação popular na construção de políticas públicas mais inclusivas e democráticas. Os movimentos sociais estão atentos e comprometidos em acompanhar o processo e estimular a entrada de novos atores, destaca. “É essencial ampliar o acesso. Não se trata apenas de ocupar uma cadeira, mas garantir a participação com engajamento coletivo”, avalia.
O conselho teve suas atividades interrompidas em julho de 2024, o que gerou preocupação entre especialistas e militantes da segurança alimentar. Jaqueline Araújo, coordenadora do Fórum de Segurança Alimentar e Nutricional do Espírito Santo (Fosan-ES), destaca que a paralisação comprometeu o acesso a recursos federais e reduziu o diálogo com populações historicamente marginalizadas, como indígenas, quilombolas, pessoas em situação de rua e moradores de territórios periféricos. “As políticas passaram a ser construídas de forma autoritária, sem consulta à sociedade civil”, pontua.
Ela destaca que o Consea é essencial para garantir a escuta e a representação social nos processos de decisão sobre o direito humano à alimentação adequada. “Sem esse espaço ativo, perde-se a conexão com os territórios e com quem realmente enfrenta a fome no dia a dia”, argumentou.
Luara ponderou sobre os desafios impostos pelo desmonte de políticas no governo federal anterior, de Jair Bolsonaro (PL), que afetou a mobilização social no Espírito Santo. “Isso também desmobilizou o movimento social que atua para reivindicar as políticas de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) no Estado. Então, o desafio é fazer com que mais grupos tenham acesso ao conselho, conciliar esses movimentos diversos, para conseguir, de fato, ampliar a política de segurança alimentar no Estado”, enfatizou.
A Ruca, segundo Luara, tem como foco e principal força a articulação nos territórios. “É importante estar no conselho, mas também é importante que os territórios se articulem, não é só de cima para baixo, mas também de baixo para cima”. Ela menciona o projeto Semear na Vila Esperança, em Jabaeté, Vila Velha, idealizado pela integrante da rede e moradora da ocupação, Ione Duarte, como um exemplo importante de conexão local. O escopo da organização abrange a agricultura urbana, mas também outras pautas ligadas à segurança e soberania alimentar, consideradas fundamentais para além do contexto agroecológico.
A cerimônia de posse será às 14h, no auditório da Setades, em Vitória. A expectativa dos movimentos é que, com a reativação do Consea, se fortaleça uma atuação mais articulada com os desafios reais enfrentados pela população. “É sobre o que a gente pode construir a partir de agora, respeitando a diversidade dos movimentos e pressionando o Estado para garantir políticas públicas que cheguem na ponta”, afirmou a representante da RUCA.
Em nota enviada ao Século Diário, a Secretaria de Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social (Setades) afirmou que, apesar da inatividade do conselho, as ações de segurança alimentar não foram interrompidas. “As ações foram mantidas e aprimoradas pela Câmara Intersecretarial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan), órgão integrante do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) junto ao Consea”, alegou a pasta.
Alertas
Dados do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), apontam que entre 20,8% das famílias capixabas que vivem em situação de insegurança alimentar, 2,2% enfrentam insegurança alimentar grave, condição que compromete o acesso regular a alimentos adequados e afeta diretamente a saúde e a dignidade dessas pessoas.
Na Capital, o diagnóstico de 2024 da plataforma Alimenta Cidades, do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), evidenciou um cenário complexo em relação à segurança alimentar e nutricional, especialmente entre as famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF) e em áreas caracterizadas como desertos alimentares, em que a população tem acesso restrito a alimentos saudáveis devido à carência de estabelecimentos comerciais que forneçam produtos frescos.
Uma parcela considerável da população de Vitória enfrenta dificuldades de acesso a alimentos saudáveis. Ao todo 23,2% da população total do município (aproximadamente 75,6 mil habitantes) vivem em áreas classificadas como desertos alimentares. A situação é ainda mais crítica para a população de baixa renda ou em situação de pobreza, com 41,6% (cerca de 17,9 mil pessoas) residindo nessas zonas, o que contribui para os indicadores de má nutrição. Nas áreas de desertos alimentares que possuem favelas, a concentração da população é ainda maior: 79,2% dos residentes dessas áreas (aproximadamente 59,8 mil pessoas) vivem nessa condição.
Os números apontam para desafios significativos na nutrição infantil entre os beneficiários do PBF com idade entre 0 e 7 anos, em que 481 crianças (7,1%) apresentam magreza acentuada, indicando possível insegurança alimentar e problemas de saúde que afetam o ganho de peso adequado. Um número ainda maior, 1.002 crianças (14,8%), apresenta excesso de peso, condição que pode estar relacionada a padrões alimentares inadequados, incluindo o consumo de alimentos ultraprocessados e com baixo valor nutricional, o que pode ser mais comum em áreas com acesso limitado a alimentos frescos.
Além disso, 583 crianças (8,6%) apresentam baixa estatura para a idade, um indicador de desnutrição crônica, que pode ter impactos a longo prazo no desenvolvimento físico e cognitivo. O levantamento indicou, ainda, a inexistência de Restaurantes Populares e Cozinhas Comunitárias de iniciativa do Poder Público.

Composição
Entre as entidades e organizações eleitas para o biênio 2025-2027, estão o Fórum Estadual dos Usuários do Sistema Único de Assistência Social (SUAS-ES), Movimento Nacional de População em Situação de Rua e Movimento Internacional da Juventude (MOV) no primeiro eixo. A faixa contempla representantes de povos e comunidades tradicionais, população negra, quilombolas, indígenas, pessoas com deficiência, refugiados, imigrantes, população LGBTQIA+, população em situação de rua, mulheres, idosos, cozinheiras populares, cozinhas solidárias, pescadores artesanais, marisqueiras e representantes de Equipamentos Públicos de Segurança Alimentar e Nutricional (EPSAN) da sociedade civil.
A Associação Amigos da Justiça, Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e Central Única dos Trabalhadores (CUT/ES) vão compor o eixo dois, que abrange associações, cooperativas e coletivos da produção, da comercialização, do abastecimento e da oferta de alimentos com sustentabilidade ambiental, social, econômica e do desenvolvimento sustentável.
No eixo 3, voltado a entidades de ensino, pesquisa, conselhos profissionais e trabalhadores que atuam na área de Segurança Alimentar e Nutricional, apenas o Conselho Regional de Nutricionistas da 4ª Região (CRN-4) foi eleito até o momento, deixando duas vagas em aberto nessa representação.
O eixo 5, voltado a organizações da sociedade civil, redes e fóruns que atuam em Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e no Direito Humano à Alimentação Adequada, elegeu: o Serviço Social do Comércio (SESC AR ES/Mesa Brasil), a União de Cegos D. Pedro II (Unicep), a Rede Urbana Capixaba de Agroecologia (Ruca), e o Vicariato para a Ação Social, Política e Ecumênica da Arquidiocese de Vitória e a Cáritas Brasileira/Regional Espírito Santo.
Críticas ao processo
A condução do processo eleitoral do Consea-ES exclusivamente pelo poder público contraria ainda as reivindicações do movimento, apresentadas em um ato político que reuniu diversas organizações da sociedade civil, movimentos sociais, pastorais, conselhos e associações, além de mandatos parlamentares em um “Banquetaço” em frente ao Palácio Anchieta, no último dia 21.
Na ocasião, os manifestantes exigiam a volta do Consea-ES, com a convocação imediata de eleições conduzidas pelo poder público e sociedade civil, e a revisão da Lei Complementar nº 1.109/2024, que reformula a Polisan, criticada por limitar a participação popular na gestão das políticas de segurança alimentar e nutricional do Estado.
Entre as reivindicações apresentadas pelo movimento em manifesto entregue ao governador Renato Casagrande (PSB) no dia do ato, estava também a criação de um grupo de trabalho para a nova legislação estadual, que estaria em desacordo com a legislação federal e a realização de reuniões periódicas entre o governo e o Fosan-ES até que o Consea-ES volte a funcionar plenamente. No entanto, as demandas não foram atendidas pela gestão estadual.