Dom Dario diz que proibir pessoas em situação de rua “contraria o Evangelho”
O arcebispo Dom Dario Campos, da Arquidiocese de Vitória, manifesta rejeição ao Projeto de Lei (PL) 57/2023, de autoria do vereador Luiz Emanuel (Republicanos), cuja votação está marcada para esta quarta-feira (13), na Câmara Municipal. A proposta, que impede a presença de pessoas em situação de rua na Capital e estabelece multa, é apontada, em nota pública, como “uma afronta direta aos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal”.
A Arquidiocese de Vitória faz referência ao artigo 1º da Constituição Federal, que considera o princípio da dignidade da pessoa humana como o “fundamento maior da República Federativa do Brasil”. Ressalta, ainda, que o PL contraria o Evangelho. “Jesus nasceu pobre, caminhou entre os pobres, acolheu os desamparados e nos ensinou a prática do amor e da misericórdia. Como Igreja, não podemos aceitar que a exclusão e a estigmatização de nossos irmãos e irmãs em situação de rua sejam institucionalizadas. O exemplo de São Francisco de Assis, que dedicou sua vida ao serviço dos pobres, é um modelo que nos inspira a lutar contra toda forma de exclusão”.
O texto do projeto de Luiz Emanuel diz que fica vedada “a ocupação por qualquer pessoa para fins de moradia e quaisquer atividades habituais, providas de assistência social, nos logradouros públicos situados no município de Vitória”, e prevê que, “quando couber, o infrator é obrigado a indenizar ou recuperar os danos causados ao meio ambiente e aos bens de uso comum do povo, afetados por sua atividade”.
Para a Arquidiocese de Vitória, o PL trata como infração “a simples presença de pessoas em espaços públicos, e que “o direito de ir e vir, também consagrado no art. 5º, inciso XV da Constituição, não pode ser restringido arbitrariamente, sobretudo quando tal restrição se baseia na condição econômica e social dos cidadãos”. Acrescenta que “criminalizar a pobreza e privar os mais vulneráveis do direito a ocupar os espaços públicos constitui não apenas uma ofensa legal, mas também uma grave violação ética”.
A nota enfatiza que “o projeto contraria, ainda, o princípio da função social dos espaços urbanos, previsto no art. 182 da Constituição, que orienta a política urbana em prol do bem-estar coletivo e da justiça social”. Além disso, afirma que trata-se de “um retrocesso que ofende tanto o arcabouço jurídico nacional quanto os valores cristãos e éticos que sustentam a dignidade humana”.
“Vitória, cidade que deveria zelar pela inclusão e pelo acolhimento, não pode ceder a práticas higienistas que, ao invés de promover soluções dignas, reforçam a marginalização e o preconceito”, pontua a Arquidiocese.
“Convocamos os legisladores e a sociedade a rejeitarem esse projeto e a se unirem em defesa de uma cidade mais justa e inclusiva. Que Vitória seja uma cidade de acolhimento e de respeito à dignidade de cada pessoa humana, onde todos possam viver com dignidade e respeito”, reitera.
Nota do Vicariato
A nota de Dom Dario se somado à do Vicariato para Ação Social, Política e Ecumênica, órgão da Arquidiocese de Vitória, que se posicionou quando a discussão sobre a possibilidade de votação do PL, apresentado em 2023, retornou à Casa de Leis. “Em Vitória, mais uma vez, retoma-se a tentativa de legalizar a criminalização e expulsão das pessoas em situação de rua dos espaços que lhe sobram: a rua”, ressaltou. Mencionando o tema da Campanha da Fraternidade deste ano, que é Fraternidade e Amizade Social, afirma que o ‘PL “parece desconhecer as implicações do que a Igreja Católica no Brasil escolheu viver na prática a partir do tema”.
De acordo com o Vicariato, o objetivo do tema da Campanha da Fraternidade é “contribuir para nos despertar sobre o valor da fraternidade humana e superar a cultura da indiferença para com os outros, que nos torna portadores do mal da cegueira, da insensibilidade, como ressalta a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil [CNBB]”.
“Em nossa cidade, a Capital do Estado, onde o orçamento público se impõe sobre os das demais cidades, onde há recursos para investimento no cuidado da pessoa em situação de rua, denúncias recentes indicam a ação de uma equipe de segurança privada agredindo fisicamente essas pessoas e jogando nelas jatos d’água, com caminhões da Prefeitura de Vitória. Denúncias que precisam ser apuradas pela atual gestão”, cobrou o Vicariato.
O órgão da Arquidiocese de Vitória convidou “os legisladores interessados no assunto, como o autor do projeto citado, a acompanhar de perto as pastorais sociais da Igreja Católica nas ruas, onde atuam para indicar um novo caminho para quem está perdido e precisa de apoio”. Além disso, afirmou incentivar e apoiar “a avaliação e aprovação de projetos de lei que promovem os direitos e a dignidade da população em situação de rua”.
Contraproposta
Tramita na Câmara outro projeto com foco na população em situação de rua, mas que contrapõe o de Luiz Emanuel, o 290/2023, de autoria de André Moreira. O PL de André institui a “Política Municipal para a População em Situação de Rua do Município de Vitória”. A proposta será votada somente se a de Luiz Emanuel não for aprovada, já que esta foi apresentada primeiro.
Entre as diretrizes estão a promoção dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais e difusos; responsabilidade do Poder Público pela sua elaboração e financiamento; transversalidade e articulação territorial das políticas públicas municipais; integração entre o Poder Público e da sociedade civil para elaboração, execução e monitoramento das políticas públicas; e incentivo e apoio à organização da população em situação de rua e à sua participação nas diversas instâncias de formulação, controle social, monitoramento e avaliação das políticas públicas.
Outras propostas são “respeito às singularidades de cada território e ao aproveitamento das potencialidades e recursos locais na elaboração, execução, acompanhamento e monitoramento das políticas públicas; implantação e ampliação das ações educativas destinadas à superação do preconceito, e de capacitação dos servidores públicos para melhoria da qualidade e respeito no atendimento deste grupo populacional; democratização do acesso e fruição dos espaços e serviços públicos; incentivo à construção da autonomia e à saída da situação de rua por meio de programas com foco em geração de renda e moradia; e priorização desta população no processo de implementação gradativa de uma renda básica de cidadania.