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Ato denuncia remoção forçada das famílias de Vila Esperança

Mobilização será realizada no mesmo dia da reintegração de posse, nesta terça-feira

Movimentos sociais e apoiadores da ocupação Vila Esperança, em Jabaeté, Vila Velha, convocam para um grande ato de resistência nesta terça-feira (7), dia da operação de reintegração de posse determinada pela Justiça. A mobilização terá concentração às 6h, e tem o objetivo de denunciar a remoção de mais de 800 famílias, incluindo crianças, idosos e trabalhadores, de maneira forçada, de um território que chamam de lar há mais de oito anos, e sem alternativas dignas para garantir o direito básico à moradia.

O plano de reintegração de posse, que inclui a presença do comando da Polícia Militar, Guarda Municipal, Cavalaria e Batalhão de Missões Especiais (BME), além de dezenas de máquinas para derrubar as construções, é apontado como um ato de violência institucional, marcado pela omissão das gestões de Renato Casagrande (PSB) e de Arnaldinho Borgo (de saída do Podemos).

A manifestação foi convocada por organizações como a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase); o Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (Cenarab); e partidos políticos do campo progressista, que vieram a público denunciar o despejo e a articulação entre prefeitura, governo estadual e Judiciário para atender aos interesses do setor imobiliário.

Em nota, a Fase declara repúdio à revogação do decreto de interesse social da área pelo atual prefeito, que abriu caminho para a reintegração de posse e a expulsão das famílias da ocupação. “Tal medida fere o direito constitucional à moradia que compete à União, aos estados e aos municípios”, ressalta.

“Em um Estado onde 22,8% das pessoas vivem na pobreza e 2,7% na extrema pobreza, a omissão dos governos municipal e estadual na defesa e garantia do direito à moradia é ultrajante!”, continua o texto. A ONG também reforçou o alerta para um “violento processo de gentrificação e de sistemáticas violações em áreas de interesse ambiental promovidas em Vila Velha”.

A crítica também é compartilhada por Ione Duarte, moradora da ocupação e idealizadora do projeto Quintal Quilombo, um espaço de saberes ancestrais e práticas comunitárias que funciona na casa onde vive com o companheiro Simba e a filha Dandara.

Segundo ela, a única ação concreta organizada pelo poder público até o momento é o aparato policial para a desocupação. “O único plano extremamente organizado é o arsenal de guerra, com o efetivo de todas as forças policiais. Não se sabe para onde os caminhões vão, nem se as famílias terão o direito de decidir para onde ir”, enfatiza. “Estamos esperançosos, mas também apreensivos. As famílias não têm para onde ir”, afirmou.

Leonardo Sá

A decisão judicial de reintegração de posse, proferida em 27 de fevereiro deste ano pela desembargadora Janete Vargas Simões, reacendeu a luta da comunidade por seus direitos. A ocupação surgiu como resposta à falta de acesso à moradia digna na região durante a gestão do então prefeito Rodney Miranda (Republicanos), em um terreno abandonado que, com o tempo, foi sendo transformado em um território vivo, produtivo e solidário.

Os moradores construíram suas casas com recursos próprios, acreditando no decreto do ex-prefeito Max Filho (PSDB), de 2020, que declarou a área como de interesse social e possibilitou a desapropriação do terreno para fins habitacionais. No entanto, em 2022, Arnaldinho Borgo (Podemos) revogou o decreto, cedendo às pressões do setor privado. Desde então, as tentativas de diálogo com a Prefeitura de Vila Velha e o Governo do Estado não avançaram.

“Vila Esperança não é só moradia, é produção de renda, refúgio, construção de afeto e pertencimento. Muitas mulheres escaparam de situações de violência doméstica e encontraram aqui a chance de recomeçar, de criar os filhos com dignidade. Idosos que não conseguem pagar aluguel, água e luz, aqui conseguem viver com o mínimo de dignidade”, pontuou. Ela acrescenta que as famílias plantam, produzem, vendem, criam animais, acolhem e vivem daquilo que cultivam no próprio quintal. “Vila Esperança é um território preto, que representa o nosso lugar no mundo”, afirma.

A repressão contra o movimento também tem crescido com a mobilização dos moradores para denunciar o descaso do poder público diante da crise habitacional. João Otávio Silva Lessa, um jovem autista de 18 anos e morador da ocupação, foi preso durante um protesto pacífico em que a comunidade se dirigiu até a sede da administração municipal para cobrar um posicionamento do prefeito sobre a iminente reintegração de posse da ocupação. Ele teve sua liberdade condicionada ao pagamento de uma fiança de R$ 30 mil e passou nove dias preso no Centro de Triagem de Viana, até conseguir a revogação da fiança por meio de um habeas corpus concedido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A prisão foi apontada por movimentos sociais e entidade como a Associação Brasileira dos Advogados do Povo Gabriel Pimenta (Abrapo) como parte de uma tentativa de criminalizar a luta por moradia e os moradores da ocupação.

Diante disso, moradores, entidades e apoiadores reivindicam a suspensão imediata da reintegração de posse e a elaboração de um plano de realocação digno, que respeite os direitos das famílias, além de explicações públicas do prefeito sobre a revogação do decreto que reconhecia a área como de interesse social.

“Imagina quanto custa uma operação desse porte? Quanto do dinheiro público está sendo investido em efetivo policial, quando poderia ser usado para garantir moradia digna a essas pessoas? O prefeito está fingindo que essa tragédia não está acontecendo no município que ele administra”, criticou Ione.

A ocupação, que mantém características rurais e comunitárias, é mais do que um conjunto de casas, reforça. É uma experiência de vida baseada em solidariedade, autogestão e resistência, construída majoritariamente por pessoas negras, pobres e periféricas que, diante do abandono do Estado, decidiram construir sua própria alternativa de existência.

Lucas S. Costa Ales

Como resposta à crise gerada pela reintegração de posse, a Câmara de Vereadores aprovou, em regime de urgência, um projeto de lei do executivo que institui um auxílio extraordinário no valor de R$ 2.222,00, em parcela única, para apenas cem famílias. A medida é criticada por moradores e parlamentares, que a consideram insuficiente e um meio de camuflar a inoperância do poder público.

O que mais preocupa moradores e movimentos sociais é a falta de uma solução habitacional definitiva. O auxílio de R$ 2.222,00, além de não atender a todos os afetados, não resolve a questão da moradia. Até o momento, não há políticas claras para acolhimento dessas famílias após o despejo, denunciam as comunidades, que cobram por uma resposta concreta sobre o plano de desocupação que deveria acompanhar medidas de suporte habitacional para as “diretrizes mínimas de respeito à dignidade humana e à segurança das famílias envolvidas”, conforme apontou o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) em manifestação no último dia 12 de março solicitando reavaliação do prazo para a remoção das famílias. No entanto, até o momento, o pedido não foi acatado pelo Judiciário.

Na última sexta-feira (28), a deputada estadual Camila Valadão (Psol) protocolou uma indicação à Prefeitura de Vila Velha sugerindo adesão ao Novo PAC Seleções. Ela defende que a captação de recursos federais pode ser uma solução viável para evitar a remoção forçada das famílias. “O despejo dessas famílias, sem alternativas habitacionais adequadas, configura uma grave violação dos direitos humanos e pode agravar ainda mais a desigualdade social na região”, destacou no documento.

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