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Cafeicultura detém maioria dos casos de situações análogas à escravidão no ES

Em 2023, 72% dos resgates foram em fazenda de café na região norte. Em 2024, todos os casos têm esse perfil

“Após 136 anos da assinatura da Lei Áurea no país e a utópica abolição da escravidão, infelizmente, o Brasil ainda se depara com esse quadro deplorável. No Espírito Santo, não é diferente”. A exclamação de repúdio é do auditor fiscal e superintendente regional do Ministério do Trabalho e Emprego no Espírito Santo (SRTE-ES), Alcimar Candeias da Silva, ao abordar os casos de trabalhadores em situação análoga à escravidão investigados pelo órgão.

Um traço comum à maioria das denúncias e operações de resgate é sua ligação à cafeicultura. Em 2023, conta, a superintendência recebeu mais de 50 denúncias, número semelhante ao de anos anteriores. Dessas, 11 foram confirmadas, sendo nove na agricultura, oito delas na cultura do café. “Realmente apresentaram condições indignas de grave exposição desses trabalhadores ao que é capitulado no artigo 149 do Código Penal”, descreve.

Em 2024, relata, “já foram recebidas outras dezenas de denúncias e quatro situações estão confirmadas”. Todas, novamente na cafeicultura e, novamente, relacionadas à colheita do café. “É uma situação que macula e envergonha o nosso Estado, que tem no café uma atividade econômica de suma importância para muitos municípios”. 

MPT

Nos casos de 2024, um deles ocorreu em uma região entre os municípios de Pancas e São Domingos do Norte, no norte do Estado, onde 35 trabalhadores foram resgatados. Na semana passada, em Rio Bananal, também na região norte, foi feito o resgate de 11 trabalhadores e, nesta quarta-feira (15), de mais 11, alagoanos, em Brejetuba.

Outro caso está em vias de conclusão, tratando-se de um idoso em situação vulnerável, que trabalhava como caseiro em uma fazenda de café em Boa Esperança. A demora na conclusão, explica, se deve ao estudo para onde levar o idoso, que é oriundo da própria região, mas não estão sendo encontrados familiares próximos que possam recebe-lo.

No primeiro caso, acrescenta o superintendente, há alguns agravantes, como o fato de que os trabalhadores estavam sendo cobrados pelas passagens de ônibus do sul da Bahia, onde residem, em R$ 460 por pessoa. “Eles também estavam sendo forçados a continuar na fazenda, mesmo querendo retornar para a Bahia”. O fazendeiro estaria cobrando também a passagem de volta e outros custos, o que “zerava” os valores que eles deveriam receber pelo trabalho já prestado.

No resgate realizado em Rio Bananal, os onze trabalhadores foram encontrados em condições que feriam a habiltabilidade, com banheiros, quartos e cozinha em péssimas condições de higiene, além de ausência de água em condições seguras de consumo, oriunda de um poço sem qualquer proteção contra contaminação. A penalidade monetária aplicada contra o empregador foi de R$ 81 mil.

Ações civil e criminal

“Em regra, quando os trabalhadores são encontrados nessa aviltante situação, que caracteriza analogia à escravidão, os auditores fiscais do trabalho fazem o levantamento dos valores salariais e rescisórios devidos, notificam para que o empregador pague imediatamente aqueles valores e proporcionem condições de retorno dos trabalhadores para o seu lugar de origem”, explica Alcimar Candeias da Silva.

“Paralelamente, os fiscais do trabalho emitem os autos de infração pelas irregularidades observadas, interditam os alojamentos sem condições de habitabilidade, interditam máquinas e equipamentos que porventura apresentem grave e iminente risco e promovem um relatório circunstanciado do quadro, para que sejam tomadas as providências de natureza civil e criminal om os órgãos competentes”, complementa.

De posse de todo esse material documental, é então produzido um relatório que é encaminhado para o Ministério Público do Trabalho (MPT), responsável por impetrar uma ação civil pública junto à Justiça do Trabalho, e para a Polícia Federal, para instauração do inquérito criminal, que também pode gerar ações e denúncia do MPF à Justiça Federal.

“Dificilmente acontecem os flagrantes dos empregadores quando se confirma a infração criminal, tendo em vista que eles, via de regra, não são encontrados no local no momento da operação”.

Pacto nacional e mesas regionais

A operação de Rio Bananal foi deflagrada pela SRTE e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) no mesmo dia em que, em Brasília, foi relançado o Pacto pela Adoção de Boas Práticas Trabalhistas e Garantia de Trabalho Decente na Cafeicultura no Brasil, com a assinatura do termo de adesão pelos ministérios da Agricultura e Pecuária (Mapa), do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), além da Associação Brasileira das Entidades de Assistência Técnica e Extensão Rural, Pesquisa Agropecuária e Regularização Fundiária (ASBRAER).

O evento contou ainda com a presença de representantes de órgãos e entidades signatários do pacto, incluindo o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar), a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o Conselho Nacional do Café (CNC), o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), além de representantes das embaixadas dos Estados Unidos e da Alemanha.

O Pacto foi firmado pelo MTE em agosto passado, tendo como principal objetivo “viabilizar a cooperação entre governo, entidades sindicais de empregadores e trabalhadores para o aperfeiçoamento das condições de trabalho na cafeicultura e promover o trabalho decente por meio de campanhas de orientação e comunicação”.

“Em decorrência do Pacto Nacional, foram criados os fóruns para tratamento dessas questões e criadas a Mesa Nacional e as mesas regionais de Diálogo Permanente na Cafeicultura”, explica o superintendente capixaba. No Espírito Santo, a Mesa foi criada em dezembro e publicada sua portaria no mês passado. Além da SRTE e do MPT/ES, a Mesa tem também a atuação das Federações da Agricultura e dos Trabalhadores em Agricultura do Espírito Santo (FAES e Fetaes) e da Secretaria de Estado da Agricultura (Seag).

Uma das ações realizadas é a série de seminários municipais que divulgam as boas práticas trabalhistas, sociais e previdenciárias necessárias para o setor. “Esse ano já foram feitos seis eventos pela SRTE, em Linhares, Jaguaré, Rio Bananal, Boa Esperança, Nova Venécia e São Mateus”, informa o superintendente.

Vínculo empregatício

Segundo o MTE, só em 2023, por meio da Secretaria de Inspeção do Trabalho, foram realizadas 598 ações fiscais, o que equivale a 1,6 ações por dia. No total, foram resgatados 3,2 mil trabalhadores e trabalhadoras, e pagas R$ 12,8 milhões em verbas rescisórias. Cerca de 85% de todos os resgates foram de trabalhadores rurais, sendo a maioria do cultivo do café.

Diante disso, é importante a formalização do vínculo empregatício. O registro do contrato de trabalho é a melhor forma de comprovar a relação de emprego e garantir que os direitos trabalhistas sejam respeitados. O registro permite, ainda, o acesso à Previdência Social e a proteção em caso de acidente de trabalho, além da possibilidade de recebimento de Seguro-Desemprego em caso de dispensa imotivada. E o empregador que não formaliza o vínculo com os trabalhadores precisa saber que cometeu uma irregularidade trabalhista, sendo passível de auto infração e outras consequências.

Canais de denúncia:

Denúncias podem ser feitas à Inspeção do Trabalho pelo Disque 100, pelo Sistema Ipê ou pelo Ministério Público do Trabalho.

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