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Campanha Despejo Zero obtém êxito na defesa do direito à terra e à moradia

Governador Casagrande vetou projeto que criminaliza ocupações rurais e urbanas e movimentos sociais

Hélio Filho/Secom

O direito constitucional do acesso à terra e à moradia digna se sobrepôs aos interesses escusos do latifúndio improdutivo e da especulação imobiliária predatória no Espírito Santo. Pelo menos no âmbito do Palácio Anchieta, sede do governo do Espírito Santo, onde o governador Renato Casagrande (PSB) vetou o PL 166/2023, que criminaliza ocupações e movimentos sociais.

A vitória, ainda parcial, é comemorada pela campanha Despejo Zero. “O veto reforça as inconstitucionalidades do PL que já haviam sido apontadas, mas até então estavam sendo ignoradas pelos parlamentares que o aprovaram”, afirma em suas redes sociais.

Na mensagem encaminhada ao presidente da Assembleia Legislativa, Marcelo Santos (Podemos), Casagrande se baseia no parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE) para justificar seu “veto total ao autógrafo de Lei nº 82/2024, que institui a Política Estadual de Proteção e Defesa da Propriedade Privada e do Patrimônio Público no Âmbito do Estado do Espírito Santo”.

A PGE, afirma o governador, considera que “sob o prisma constitucional, o autógrafo de lei trazido à análise incorre em diversos vícios de inconstitucionalidade de cunho material e formal”.

O parecer da Procuradoria inicia reconhecendo o direito à propriedade privada. “De fato, sabe-se que a propriedade privada foi consagrada como direito fundamental no art. 5º, inciso XXII da Constituição Federal e que a própria Carta Maior assegura a inviolabilidade do domicílio (estendido pelo Supremo Tribunal Federal às demais localidades com o mesmo status (jurídico), salvo nas hipóteses previstas pela própria CF”.

Afirma também que “não há dúvidas de que o Estado do Espírito Santo pode editar leis que visam à tutela dos direitos ligados à propriedade”. Porém, prossegue a PGE, “ocorre que a forma pela qual o autógrafo de lei busca criar a política aqui analisada acaba violando outras normas constitucionais não ligadas diretamente ao direito de propriedade”. O parecer elenca os diversos dispositivos que o autógrafo de lei propõe objetivando penalizar as pessoas que realizam ocupações. São dispositivos, explica, que só podem ser criados por meio de projeto de lei de iniciativa do Executivo.

Em seguida, para além dos “já mencionados vícios de inconstitucionalidade formal”, a PGE explica que a proposta “também padece de vícios de inconstitucionalidade material”. Vícios, ressalta, também já expostos pela “pela própria Procuradoria Geral da Assembleia Legislativa”. Entre elas, o fato de violar “a garantia constitucional da presunção da inocência”, visto que tais sanções só podem ser aplicadas mediante “existência de sentença condenatória transitada em julgado”.

O PL, de autoria de Lucas Polese (PL), foi aprovado no final de abril na Assembleia Legislativa, apesar do parecer da Procuradoria da Casa, com apenas três votos contrários, de Camila Valadão (Psol), Iriny Lopes (PT) e João Coser (PT). “Agora esperamos que os deputados mantenham o veto e demonstrem que estão do lado da Constituição e do Povo capixaba!”, convoca a campanha.

Direitos humanos

A mensagem de Casagrande se baseia também nas manifestações das Secretarias de Estado de Direitos Humanos (SEDH) e de Gestão e Recursos Humanos (Seger). Destaque para a primeira, ao afirmar que “o PL traz preocupações relacionadas aos direitos básicos de pessoas que participam de movimentos sociais organizados que discutem os direitos de acesso à terra e à habitação. Nesse sentido, importante destacar que o direito à moradia está incluído dentre os direitos enumerados no artigo 6º da Constituição da República, que são os direitos sociais”.

A SEDH defende que “a luta dos movimentos sociais pelo direito à terra e à moradia possui respaldo pela CF em seu Capítulo III, que dispõe sobre ‘Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária’, e alerta que o PL “é capaz de impossibilitar o acesso à tutela do estado para garantia do mínimo necessário para a existência, o que descumpre o princípio da dignidade da pessoa humana”.

‘Veta, Casagrande!’

A decisão do governador ocorreu dois dias após um ato realizado na Praça Costa Pereira, no Centro de Vitória, com o chamado “Veta, Casagrande!”, organizado por movimentos sociais do campo e da cidade. O pressuposto da mobilização, explica a campanha, é o de que as ocupações continuarão acontecendo no país enquanto o direito constitucional à moradia digna não for plenamente alcançado.

“Quando a Constituição Federal for respeitada e os direitos e garantias fundamentais cumpridos, não será mais necessário recorrer a ocupações”, sintetiza a advogada Isabella Cardoso, militante do Movimento Negro Unificado no Espírito Santo (MNU/ES), uma das organizações que apoiaram o ato.

O projeto cria uma série de sanções às pessoas que realizem ocupações de imóveis urbanos e terrenos rurais que não cumprem sua função social constitucional. Entre elas, o impedimento de acessar diversas políticas públicas estaduais, incluindo as que via de regra são direcionadas a pessoas em situação de vulnerabilidade social por falta de moradia e terra para trabalhar, além de permitir a condução coercitiva das famílias em ocupações, apreensão de objetos pessoais delas, quebra de sigilo de dados, multas, responsabilização criminal e até proibição de reuniões para tratar de ocupações.

Mobilização nacional

As tentativas de criminalização dos movimentos sociais de luta pela terra e moradia ocorrem em vários estados. A Campanha Despejo Zero também é nacional e já mapeou 309 mil famílias ameaçadas de despejo no país. Por sua vez, o Congresso Nacional já aprovou regime de urgência para um PL semelhante ao capixaba. Em outros estados, projetos similares já viraram lei e foram alvo de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs).

A campanha explica que esses projetos “colocam o direito à propriedade privada como algo absoluto, ignorando por completo o princípio constitucional da função social da propriedade, uma vez que fomenta a realização de remoções compulsórias sem que seja oportunizada a análise do estado de abandono do imóvel e do tempo e consolidação da ocupação. Essa defesa incondicional da propriedade é colocada como prioridade total em relação à vida e à dignidade humana de milhares de famílias”. São projetos que também contrariam ordenamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

“Muito longe de ser um crime, a luta por moradia digna é necessária e legítima no contexto brasileiro”, afirma. “Diante da ausência de condições para comprar um imóvel regularizado e da insuficiência das políticas públicas habitacionais, grande parte da população brasileira se vê obrigada a ocupar um terreno para garantir um lugar para morar e a sua sobrevivência”, argumenta.

É também uma dinâmica que, historicamente, faz parte do desenvolvimento das cidades. “Em todas as cidades do país, bairros inteiros foram formados a partir de ocupações. A título de exemplo, de acordo com um dado apresentado pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), no ano de 1994, os loteamentos ilegais representavam 49,42% da área urbana do município de Vitória”.

Outro dado importante sobre a legitimidade ainda da luta por moradia no Espírito Santo, também trazido pelo IJSN, vem do CadÚnico de 2021, quando o déficit habitacional no Espírito Santo era de 102 mil famílias, acrescenta a campanha. “Esse total representa 20% do total de pessoas cadastradas no CadÚnico. Essas famílias que possuem gastos excessivos com aluguel, vivem em situação de coabitação ou em domicílios precários e improvisados também estão a um passo de terem que recorrer a ocupações para garantir a sua moradia”.

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