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Campanha orienta sobre deficiências não visíveis de passageiros de coletivos

Reivindicada desde 2019 por mães de PCDs, ação terá peças publicitárias e formação de motoristas e cobradores

Uma resposta à altura de uma luta empenhada há três anos. É como o Coletivo Mães Eficientes Somos Nós recebeu a campanha sobre Deficiências não Visíveis lançada nessa terça-feira (28) pela Companhia Estadual de Transportes Coletivos de Passageiros do Espírito Santo (Ceturb-ES) e o Sindicato das Empresas de Transporte Metropolitano da Grande Vitória (GVBus), no Sest-Senat de Cariacica.

Ceturb

Com o tema “Nossa compreensão é que precisa ser visível”, a campanha educativa contará com treinamento de motoristas, cobradores e fiscais do Sistema Transcol e com peças publicitárias de sensibilização, com o objetivo de reduzir o desrespeito e mesmo as violências sofridas cotidianamente no transporte coletivo por crianças e adolescentes com deficiência e suas famílias. 

“Por lei, as pessoas com deficiências não visíveis têm direito a usar os assentos preferenciais dos veículos do transporte coletivo. A campanha tem por objetivo começar um processo de conscientização para ficar clara, para usuários e trabalhadores do sistema, a necessidade de respeitar esse e outros direitos”, ressalta a Ceturb.

A formação dos trabalhadores será feita por meio de parceria entre a Ceturb-ES, o GVBus e o Sest-Senat, orientando os motoristas e cobradores sobre como agir para garantir o direito de uso dos bancos preferenciais nos veículos do Sistema Transcol, bem como o respeito e a cordialidade no tratamento com essas pessoas. 

As peças de publicidade serão veiculadas dentro dos coletivos, nos terminais de ônibus, em outdoors e busdoors, em sites, no aplicativo Ônibus GV e nas redes sociais. Entre as personagens, crianças e adolescentes filhos de mães que integram o Coletivo.

Divulgação

Em um panfleto digital da campanha, a mensagem esclarece: “Mudanças de rotina, barulho, pessoas estranhas. Para pessoas com autismo ou outras deficiências não visíveis, essas pequenas coisas são grandes desafios a serem enfrentados todos os dias. Saiba que gritos ou insistência em determinados comportamentos podem não ser apenas ‘manha’ e inclusive estar amparados por lei. Por isso, se você vir alguma reação diferente no ônibus, ou achar que alguém pode estar usando indevidamente assentos preferenciais, tenha paciência. Você pode apenas não estar vendo a deficiência da pessoa”. 

Uma das adolescentes a estrelar as peças publicitárias é Ana Laura, de 13 anos, que tem deficiência intelectual e mora na zona rural da Serra. Ela e a avó, Valdineia Oliveira Pardinho, enfrentam ônibus lotados diariamente, pois o coletivo que passa perto da sua casa já vem cheio de outro bairro, e acumulam inúmeras experiências ruins, que são alvo da campanha. 

“Já sofremos várias discriminações dentro do ônibus por sentar numa cadeira de prioridade. Muitas vezes a pessoa não sabe que ali tem uma criança que não senta ao lado de outra pessoa que não seja a própria mãe ou outra pessoa que ela conhece e confia”, ressalta Neia.

Arquivo pessoal

No dia mesmo do lançamento da campanha, lembra, ela passou por uma situação em que uma senhora foi grosseira com ela e a neta. “Ela disse ‘levanta ela daí que eu quero sentar’. Eu ia até ceder lugar para ela, mas a forma agressiva com que ela falou foi muito chato. E tinha dois jovens do lado, que ela poderia ter falado com eles, mas, não, foi para cima da gente. Se for colocar na ponta da caneta, são muitos relatos”, diz.

Ocorre muito também que todos os assentos amarelos, reservados ao público prioritário, estão ocupados, muitas vezes por pessoas jovens e saudáveis. “Já aconteceu de a gente ir em pé até o terminal, uma hora de viagem. Pedir para pessoa levantar da cadeira é ‘caçar briga’, né, então a gente acaba ficando calado para não ter confusão. E vai sofrendo, a minha neta se equilibrando nas curvas, que são muitas aqui na zona rural, e eu com dor nas pernas, porque minhas varizes incham se eu fico muito em pé”, conta. 

Neia admite que a campanha não deve conseguir, a curto prazo, “100% de adesão dos usuários”, mas acredita que “o pouco que conseguir, vai ser uma grande ajuda”. Um pedido que ela reforça, que é uma demanda do Coletivo junto à Ceturb, é a volta da carteirinha do Transcol com foto. “Facilita ter a foto na carteirinha que diz que a pessoa tem deficiência. A gente consegue provar mais fácil que tem direito ao assento de prioridade”, argumenta. 

Empatia 

Também moradora da Serra, Cleane Mangueira Santana é mãe de Jonathan, com autismo leve e três anos e meio de idade, e conta que no uso cotidiano do transporte coletivo, já vivenciou experiências boas e ruins.

Arquivo pessoal

A mais positiva, felizmente é cotidiana e fruto da postura do motorista do ônibus. “A gente pega o ônibus no mesmo horário e é o mesmo motorista sempre. E ele é de uma educação e uma gentileza com o Jonathan! O autista costuma ser muito reservado, mas às vezes se identifica com algumas pessoas e conversa, abraça. É o que acontece com o motorista do nosso ônibus. O Jonathan nunca tinha agido assim com ninguém mais. É muito bom para a gente isso”, conta. 

As experiências negativas, lamenta, acontecem devido à “falta de empatia de conhecimento das pessoas sobre muitas deficiências não visíveis, como esquizofrenia, deficiências neurológicas e autismo”. 

Uma experiência ruim recente foi protagonizada por uma senhora que estava sentada na cadeira amarela de prioridade que ela e o filho costumam usar. “Os coletivos com ar-condicionando só têm dois assentos preferenciais, é muito pouco. Nesse dia os dois estavam ocupados por duas senhoras. Daí o meu filho fez um movimento abrupto em direção a ela, como se fosse abraçar, mas ela rejeitou ele, empurrou a mão”, descreve. 

A campanha, acredita Cleane, vai ajudar a estimular a empatia dos usuários. “É da criação da pessoa. A criança não nasce com preconceito, isso é gerado pela família, sociedade e criação. A gente precisa ter mais empatia, mais carinho, mais respeito, porque ninguém sabe a dor do outro. São deficiências que crescem cada dia mais na sociedade e que as mães e pais e famílias lutam muito para conviver com elas”, pondera. “Eu crio meu filho para ser um cidadão da sociedade como qualquer outro, que é direito dele”, ressalta. 

Respeito 

A coordenadora do Coletivo MESN, Lucia Mara Martins, salienta que a luta das mães com a Ceturb foi iniciada em 2019, após um episódio doloroso. “Uma criança autista ‘se desorganizou’ dentro de um ônibus ao ir para uma terapia e essa criança foi chamada de doida, sua mãe foi chamada de doida, foi agredida por uma senhora que não queria ceder lugar para essa criança, e por esse motivo, essa senhora idosa colocou todos os tipos de nome nessa criança. ‘Se sabia que o filho era doido não era para estar dentro do ônibus’ e coisas do tipo. A mãe ficou muito nervosa e abriu até processo judicial contra essa senhora devido à violência e discriminação cometida contra o filho dela”. 

Lucia destaca que as principais vítimas dessas violências e desrespeitos são mulheres de periferia. Ao longo desses três anos, afirma, “já fechamos o Centro de Vitória, já ocupamos o Palácio Anchieta só por causa dessa pauta”. 

Ter conseguido a campanha é uma “grande conquista”, mas Lucia também sabe que “não vai mudar o preconceito da sociedade rapidamente, mas começa a trazer a cultura de que nem todas as deficiências são visíveis, mas todas merecem respeito”.

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