Com o projeto “A luta da mulher que luta”, a educadora física, professora e contramestre de Capoeira Sabrina Abade fará de sua formatura como mestra – a terceira capixaba a alcançar essa graduação na capoeira – um manifesto pela Paz, Justiça e Amor.
O evento acontece dentro da programação do Festival de Capoeira 2018, entre os próximos dias 19 de abril e três a cinco de maio, em vários lugares da cidade de Vitoria, com show cultural, mesa-redonda, cursos de formação e rodas de integração.
Mestras e mestres, professores e professoras de pelo menos sete estados já confirmaram presença, para prestigiar a ascensão de uma mulher em mais um espaço predominantemente masculino. Assédio, avaliações injustas, oportunidades desiguais, zombarias. Situações ainda comuns no universo da capoeira refletem o machismo presente na sociedade e que têm impedido que mais mulheres cresçam como capoeiristas, atletas, educadoras.
“A luta da mulher ocorre dentro e fora da roda de capoeira: além da luta física, propriamente da prática do jogo, existe a luta política, histórica, social, ideológica e cultural, proveniente da institucionalização do patriarcado nas relações humanas. Assim, reconhece-se como fundamental a prática do sentimento de pertencimento dessas guerreiras que simbolizam a persistência na luta de resistência imposta a elas”.
Com essas palavras, Sabrina Abade abre seu blog pessoal, espaço em que defende igualdade de oportunidades para homens e mulheres. “’Capoeirista’ é uma palavra sem gênero”, afirma. “Estamos mexendo numa raiz muito profunda, que é o machismo. E colocando a cara a tapa. Mas quem talvez vá colher os frutos são as mais novas, num um campo futuro mais fértil, mais proveitoso, a partir da construção que fazemos hoje”, avalia.
Do alto de seus 26 anos de capoeira, Sabrina avalia que houve pequenos avanços na conquista pelo espaço da mulher no esporte. “Por muito tempo a mulher ficou na beira da roda, só batendo palma, apesar de sempre estar presentes desde o século IXX. Hoje ela já consegue ser professora”, conta.
Quando a roda tem que parar
Mas o caminho pela igualdade ainda é longo. As músicas, por exemplo, ainda existem muitas pejorativas, cantando ou que a mulher existe para suprir as necessidades dos homens ou são interesseiras. “Hoje nas rodas, quando alguém toca uma música assim, nós mulheres paramos a roda. Não cabe mais. Eu cantei durante anos essas músicas, achava graça. Não tinha conhecimento de que era pejorativo. Mas agora não tem mais espaço pra isso. Não é brincadeira, não é mimimi, é questão de respeito”, relata.
As avaliações para a conquista das cordas, por exemplo, que marcam a evolução gradual da capoeirista dentro do grupo à qual pertence, via de regra, não levam em consideração as especificidades femininas, o que é um grande equívoco. “Do ponto de vista da Educação, está errado. Não se pode avaliar uma pessoa em relação a outra. É preciso focar nas potencialidades e fazer avaliações individuais”, exemplifica, lamentando que o desempenho físico masculino ainda seja a referência para a avaliação da evolução das mulheres.
Até porque, mesmo na capoeira, que é um esporte de alta exigência física, a avaliação não pode se reduzir apenas à parte motriz, assevera Sabrina, citando saber transmitir o conhecimento através da fala, do toque do berimbau, da postura diante da vida.
Discussões sobre como implementar o feminismo – igualdade de direitos e oportunidades para homens e mulheres – dentro da capoeira são o objetivo central do Movimento Dandara Viva a Capoeira, criado por ela e outras seis professoras, de quatro estados e quatro grupos diferentes de capoeira.
Firmeza e encantamento
O nome é em homenagem à esposa de Zumbi dos Palmares, o grande líder quilombola que liderou os seus em direção à liberdade. “Ela ajudou a liderar todo o quilombo, lutou junto com os outros guerreiros, mas ela não aparece. Queremos evidenciar essa figura feminina”, explica.
O primeiro encontro anual aconteceu em 2017 e teve dois temas principais: as músicas de capoeira e o assédio. “Planejamos lançar uma cartilha sobre isso”, conta.
Em maio, em sua formatura, muitas mulheres serão homenageadas. “Eu não quero ser sozinha! Eu hoje consegui, conquistei meu espaço, e devo abrir essa porta”, reconhece.
O manifesto no Teatro da Universidade Federal do Estado (Ufes) será pacífico, respeitoso e ético. ”Vamos pedir paz, justiça e amor no mundo”. O enfrentamento das injustiças tem que acontecer, afirma a futura mestra, mas “a partir da educação e do respeito”.
Uma pessoa que foi levada a vida inteira a ser machista, precisa ser reeducada. E isso pode ser feito pelas mulheres, opina. “Temos de firmes, mas sem perder a ternura, o encantamento”, ensina, parafraseando o revolucionário político Che Ghevara .
A luta é nossa e a capoeira é só um grão de areia, diz Sabrina. “Mas estamos todos unidos pra mudar o mundo inteiro”, conclama.
Serviço:
Festival de capoeira 2018
19/04 – Palácio da Cultura Sônia Cabral, Centro de Vitória
19h: Curso de formação: Capoeira e Gênero
20h: Roda de integração
03/05 – Museu Capixaba do Negro, Centro de Vitória
18h30: Mesa-redonda “A luta da mulher que luta”
19h30: Roda de abertura
04/05 – Teatro Universitário da Ufes, Goiabeiras
19h: Formatura da Mestra Sabrina Abade
05/05 – Palácio da Cultura Sônia Cabral, Centro de Vitória
9h: Formatura e Graduação 2018
Mais informações no blog da Sabrina Abade