O Conselho Estadual em Defesa dos Direitos das Mulheres do Espírito Santo (Cedimes) divulgou uma carta ao governo do Estado e à população em que repudia a posição do governo Paulo Hartung (PMDB), que vem utilizando campanhas publicitárias pelo fim da violência contra as mulheres. Para o colegiado, as campanhas visam apenas a promoção pessoal e política do atual governo (assista abaixo a mensagem do governador Paulo Hartung de lançamento da campanha).
O Cedimes aponta que fica sob suspeição a postura de um governo que historicamente ignorou o problema e hostilizou os movimentos feministas e de mulheres e que agora aparece na grande mídia conclamando a sociedade a lutar pelo fim da violência contra a mulher, ressaltando que, enquanto organismo de controle, o conselho pode afirmar que além de ações paliativas, o governo não realiza política pública séria e contínua de enfrentamento à violência contra as mulheres.
A leniência tem contribuído de forma decisiva para que o Estado lidere, há quase duas décadas, os rankings nacionais de violência e feminicídio, principalmente de mulheres negras e pobres.
O colegiado enfatiza que o enfrentamento à violência contra a mulher é também responsabilidade do Estado e deve ser feito com políticas públicas sérias e articuladas.
“O enfrentamento à cultura machista e à violência contra mulheres não podem ser tratados somente por meio de discurso de responsabilização da sociedade e da família, apesar de reconhecermos a necessidade de realização de campanhas educativas e informativas sérias e contextualizadas”, continua a carta, que aponta que a atuação do Estado deve se dar atuar tanto com ações de caráter educativo e preventivo com vistas a desconstruir os valores machistas quanto em ações de coibição e proteção à mulher em situação de violência. “As mulheres capixabas morrem porque não contam com a proteção do Estado”.
O colegiado também ressalta que a Subsecretaria Estadual de Políticas para as Mulheres não tem representado uma ação importante no processo de fortalecimento das ações e estratégias de gestão e monitoramento das políticas públicas que possam mudar essa situação de feminicídio e violência contra as mulheres, sendo que há pelo menos quatro gestões estaduais as ações para o enfrentamento são as mesmas e com enormes problemas de efetivação substancial no enfrentamento.
O Cedimes afirma que o Estado não tem uma política de enfrentamento à violência contra as mulheres e, ainda que o próprio colegiado, e outros movimentos feministas tenham apresentado propostas, principalmente na área de segurança pública e direitos humanos, elas sequer foram consideradas. “É um governo que não exerce a escuta da sociedade civil organizada, pelo contrário, trata com hostilidade dos movimentos sociais”.
Austeridade
A carta aponta que o discurso de austeridade do governo atingem diretamente mulheres, especialmente negras e pobres. Os equipamentos públicos, como as Delegacias de Atendimento à Mulher (Deams) estão sucateados, e as mulheres sofrem violência institucional nos equipamentos e em outros atendimentos, gerando a revitimização.
Além disso, Pacto Estadual de Enfrentamento a Violência contra as Mulheres está vencido desde janeiro de 2015 e não foi repactuado pelo governo e outras instituições nesses três anos.
“Uma Câmara Técnica de Enfrentamento a Violência Contra a Mulher fragilizada pela má condução da Subsecretaria de Políticas para as Mulheres na estrutura da Secretaria de Estado de Direitos Humanos. As duas unidades móveis para o enfrentamento a violência contra as mulheres do campo e da floresta ficaram paradas durante três anos, o que ocasionou a depreciação física do equipamento. Depois de muita luta as unidades móveis voltaram a funcionar em agosto deste ano, contudo sem uma equipe técnica qualificada e fixa, sem material que busque orientar as mulheres na prevenção e uma metodologia de atendimento que revitimizam as mulheres”.
O Centro de Referencia da Mulher Estadual (Ceam) também permanece fechado mesmo com toda a estrutura pronta para atendimento às mulheres.
Carta na íntegra
CARTA AO GOVERNO E À POPULAÇÃO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
O Conselho Estadual em Defesa dos Direitos das Mulheres do Espírito Santo (CEDIMES) manifesta o seu repúdio à posição do governo Paulo Hartung que vem se utilizando de campanhas publicitárias pelo fim da violência contra mulheres, com vistas à promoção pessoal e política. Fica sob suspeição a postura de um governo que historicamente ignorou o problema e hostilizou os movimentos feministas e de mulheres e que agora aparece na grande mídia conclamando a sociedade a lutar pelo fim da violência contra a mulher. Porquanto, enquanto organismo de controle social podemos afirmar que além de ações paliativas, este governo não realiza política pública séria e contínua de enfrentamento à violência contra as mulheres. Tal atitude tem contribuído de forma decisiva para que o estado capixaba lidere, há quase duas décadas, os rankings nacionais de violência e feminicídio, em especial de mulheres negras e pobres.
Discordando de referida postura, este conselho vem a público afirmar que enfrentar a violência contra a mulher é também responsabilidade do Estado, e tal encargo deve ser realizado através de políticas públicas sérias e articuladas.
O enfrentamento a cultura machista e da violência contra mulheres não podem ser tratados somente por meio de discurso de responsabilização da sociedade e da família, apesar de reconhecermos a necessidade de realização de campanhas educativas e informativas sérias e contextualizadas. Reconhecemos que o combate à cultura patriarcal se deva dar nas esferas pública e privada, e que o Estado deve atuar tanto com ações de caráter educativo/preventivo com vistas a desconstruir os valores machistas quanto em ações de coibição e proteção à mulher em situação de violência. As mulheres capixabas morrem porque não contam com a proteção do Estado.
No que diz respeito ao enfrentamento à violência contra as mulheres, a institucionalização da Subsecretaria Estadual de Políticas para as Mulheres não tem representado uma ação importante no processo de fortalecimento das ações e estratégias de gestão e monitoramento das políticas públicas que possam modificar essa situação de femigenocídio que vivenciamos ano a ano no Espírito Santo. Há pelo menos quatro gestões estaduais as ações para o enfrentamento são as mesmas e com enormes problemas de efetivação substancial no enfrentamento.
Afirmamos categoricamente que não existe no estado do Espírito Santo uma POLITICA ESTADUAL DE ENFRENTAMENTO A VIOLENCIA CONTRA AS MULHERES, mesmo que Conselho Estadual, o movimento feminista e outras organizações da sociedade tenham apresentado inúmeras propostas para a gestão publica especialmente a segurança pública e aos direitos humanos, mas estas sequer foram consideradas, ou seja, é um governo que não exerce a escuta da sociedade civil organizada, pelo contrário, trata com hostilidade dos movimentos sociais.
O discurso de austeridade para as políticas sociais no Espírito Santo causam as mulheres, especialmente as negras e pobres, um cenário de radicalidade homicida.
Qual é o cenário das políticas neste estado? Equipamentos públicos como as DEAMs estão sucateados. Mulheres sofrendo violência institucional nos equipamentos públicos e em outros atendimentos, gerando uma revitimização absurda para quem já sente tanta dor pela violência e humilhação. Programas na segurança pública baseado na política familista que reforça a desigualdade de gênero e a manutenção das concepções patriarcais. Ao fim e ao cabo, as mulheres acabam sendo responsabilizadas pela violência que sofrem.
O Pacto Estadual de Enfrentamento a Violência Contra as Mulheres esta vencido desde janeiro de 2015 e não foi repactuado pelo governo e outras instituições nesses três anos. Uma Câmara Técnica de Enfrentamento a Violência Contra a Mulher fragilizada pela má condução da Subsecretaria de Políticas para as Mulheres na estrutura da Secretaria de Estado de Direitos Humanos. As duas unidades Móveis para o enfrentamento a violência contra as mulheres do campo e da floresta ficaram paradas durante três anos, o que ocasionou a depreciação física do equipamento. Depois de muita luta as unidades móveis voltaram a funcionar em agosto deste ano, contudo sem uma equipe técnica qualificada e fixa, sem material que busque orientar as mulheres na prevenção e uma metodologia de atendimento que revitimizam as mulheres.
E se estas atitudes não bastassem a Subsecretaria de Políticas para as Mulheres não respeita as decisões do Fórum de Enfrentamento a Violência a Mulher do Campo, mudando a seu bel prazer o calendário, utilizando as unidades nos centros urbanos, o que desqualifica a conquista das mulheres camponesas, indígenas e quilombolas. O Centro de Referencia da Mulher Estadual (CEAM) fechado mesmo com toda a estrutura pronta para atendimento as mulheres.
Políticas de Saúde para enfrentar especificamente a violência desarticulada e enfraquecida. Equipamentos da Assistência Social com sérios riscos de cortes no orçamento federal e um pequeno recurso no orçamento estadual. A área da assistência recebe somente 0.3% do Fundo Estadual de Assistencial Social (FEAS) para repassar aos municípios para cofinanciar a rede de serviços. Se o estado não ampliar sua participação, equipamentos que hoje são em muitos municípios a referência no atendimento correm riscos de fechamento, atingindo diretamente as mulheres vitimas de violência. A área da educação nesses três anos de governo não priorizou em sua política a elaboração de programas que pudessem enfrentar uma educação sexista que reforça valores e estereótipos discriminatórios nesse estado. Além de ter iniciado com a ONU Mulheres a implementação do Projeto “O valente não é violento” e depois da primeira capacitação não deu continuidade na parceria com a organização.
Na defesa dos direitos da vitima de violência doméstica não existe defensores públicos suficientes para a realização da orientação jurídica e defesa das mulheres em todos os atos processuais conforme determina a Lei Maria da Penha. Em 2014, foi construído o Plano Estadual de Políticas para as Mulheres com a participação da sociedade civil nos vários segmentos representativos de mulheres e do poder público e até o momento não foi aplicado pelo Governo do Estado.
O pouco que temos se traduz em uma política com caráter focalista e descontinuada, sem uma ação intergovernamental com o envolvimento das diversas esferas do poder publico em conjunto com outras instituições e a sociedade civil e com poucos recursos do tesouro estadual.
A omissão dos gestores e o não comprometimento com as políticas construídas coletivamente têm mostrado um resultado vergonhoso. E não reconhecendo também a sua responsabilidade para transformar esta realidade, gestores preferem privatizar a cultura do machismo, misoginia e o sexismo para a esfera da sociedade e assim responsabilizar unicamente as pessoas e a família por essa situação que vivenciamos.
Este Conselho tem, na medida do possível, realizado sua função de controle social e acompanhado a aplicação de recursos para o enfretamento à violência contra as mulheres. Na ultima oitiva com a Subsecretária Estadual de Políticas para as Mulheres em maio de 2017 fomos informadas da devolução de recursos em convênios com o Governo Federal, e consultando o Sistema de Convênios do governo federal, o valor de devolução chega à ordem de quatro milhões de reais. Os recursos aportados do tesouro estadual para enfrentar este fenômeno no Plano Plurianual (2015-2019) são ínfimos. Nesta oitiva, a subsecretária não conseguiu nos informar o quanto foi gasto pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos e nem os gastos no conjunto da gestão estadual com políticas para as mulheres.
Se isso não bastasse, esse governo desrespeita o princípio da transparência de gastos públicos e da garantia de participação na formulação, implementação, avaliação e controle social das políticas para as mulheres. Neste sentido, o CEDIMES tem sido desvalorizado e achincalhado nos poucos espaços de decisão, o que contraria a função propositiva e de controle social deste Conselho. Além disso, não vem recebendo recursos materiais mínimos para o exercício de suas demais funções, em especial, a de fiscalização da implementação das políticas públicas para mulheres.
É premente lembrar o que afirma Oliveira; Cavalcanti , “Implementar políticas públicas referentes ao gênero implica em desafios relacionados a vencer resistências internalizadas. Essas políticas representam instrumentos que o Estado possui, voltadas para superar ou ao menos amenizar as desigualdades, defender os direitos humanos na sua integralidade e atentar para as especificidades do sexo feminino”.
Este Conselho também afirma a presença de um fundamentalismo religioso, inclusive dentro das estruturas do Estado, expressos em falas religiosas em eventos onde se reafirmam o papel patriarcal e incentivam a regressão nas nossas conquistas por direitos, inclusive por políticas publicas especificas que eliminem as diferenças nas relações de gênero, só contribuem para aumentar a violência contra as mulheres. E ao se tratar de políticas públicas, é preciso afirmar que elas não podem ser construídas na perspectiva religiosa. O Estado é laico e assim devem ser suas ações.
Não é necessário inventar a roda, nem realizar movimentos eleitoreiros (no ultimo ano de gestão) para a efetivação de políticas públicas de enfrentamento a violência contra as mulheres e o feminicídio, pois já temos uma elaboração solidificada no Brasil que respeita as condições regionais. Porém, essa efetivação e implementação requer por parte dos agentes públicos o entendimento dos pressupostos analíticos (transversalidade de gênero) que embasam essa questão, bem como a garantia da governabilidade em três dimensões articuladas: a) vontade e decisão política que preconizem junto aos planejadores e garantia que os estado e municípios desenvolvam políticas que incidam efetivamente sobre a desigualdade estrutural entre homens e mulheres, sendo esta um pilar fundamental para manutenção da violência contra as mulheres; b) incorporação da perspectiva de gênero junto à prática dos/as gestores/as, que executam, monitora e avalia as políticas públicas em âmbito estadual; c) construção de uma política efetiva de enfrentamento a violência contra a mulher com atuação articulada entre a instituições/serviços governamentais e a comunidade, visando o desenvolvimento de estratégias e de prevenção e as políticas que garantam o fortalecimento e a construção da autonomia das mulheres, os seus direitos humanos, a responsabilização dos agressores e a assistência qualificada às mulheres em situação de violência.
Não se muda radicalmente uma sociedade sem alterar suas estruturas. E a violência contra a mulher é parte desta estrutura. Todas e todos são fundamentais nesse processo, principalmente o Estado. Se o Estado, enquanto sujeito político mascara o enfrentamento e não provoca a mudança da estrutura patriarcal que nos mata, torna-se cúmplice dessa violência e dessas mortes.
Este Conselho mesmo sem estrutura adequada de funcionamento e com perseguição política não se calará. Manter-nos-emos firmes cumprindo nosso papel de controle social até que efetivamente possamos transformar essa realidade e, a despeito do desinteresse de agentes públicos, conquistar uma vida sem violência para as mulheres capixabas e para todas as mulheres.
NENHUMA A MENOS!!!
NENHUM DIREITO A MENOS!!!
POR UMA POLITICA PUBLICA LAICA!!!
POR UMA POLITICA EFETIVA DE ENFRENTAMENTO A VIOLENCIA CONTRA AS MULHERES!!!!
POR TRANSPARENCIA NOS GASTOS DOS RECURSOS PUBLICOS PARA AS POLITICAS PARA AS MULHERES!!!
CONSELHO ESTADUAL EM DEFESA DOS DIREITOS DAS MULHERES DO ESPÍRITO SANTO – (CEDIMES)