Invasão massiva tem acontecido em áreas reconhecidas como quilombolas, mas reivindicadas pela Suzano
Uma reunião na última semana reuniu a empresa, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos (SEDH), Ministério Público Federal, comissões quilombolas estadual e nacional e outros interessados, para tratar da reintegração de posse requerida judicialmente pela Suzano, o que pode acontecer em fevereiro. A previsão é que outras reuniões entre órgãos e entidades relacionadas ocorram até a reintegração de posse nos locais determinados.
Há uma complexidade, pois a reintegração inclui tanto áreas ocupadas por essas pessoas não pertencentes ao contexto tradicional, como as retomadas quilombolas, que são terras ocupadas pelas comunidades para manutenção de sua sobrevivência e como forma de pressão e reivindicação pela titulação de seus territórios já reconhecidos pelo governo federal como de ocupação ancestral.
O movimento quilombola tenta manter essas áreas ou ter garantias de que após essa reintegração elas serão mantidas para manejos das comunidades e não usadas para o plantio de eucalipto pela Suzano, o que dependeria de um acordo com a multinacional.
Outro ponto contestado pelas comunidades é o fato da empresa usar como base para aceitar quem é quilombola nessas terras um cadastro de 2005, pois algumas famílias que estavam fora do local realizaram a retomada do território a partir dessa data.
Sobre as ocupações não-quilombolas, há bastante preocupação das comunidades, que chegaram a colocar placas autodemarcando seu território. Ao todo já são seis comunidades quilombolas que estão tendo seus territórios tradicionais ocupados por posseiros, embora a reintegração prevista está em torno do quilombo Angelim I. Práticas como queimadas frequentes e venda de lotes individuais de propriedade são questionadas pelas comunidades tradicionais, por não fazerem parte de sua práticas, já que a reivindicação feita por ela é pela titulação coletiva e não individual do território, como previsto na legislação para titulação quilombola.
Segundo relatos, o modus operandi das ocupações tem sido a criação de associações para venda e registro das terras, alegando serem devolutas. As associações têm recrutado pessoas sobretudo da região Norte e da Grande Vitória e até de outros estados como Minas Gerais e Bahia, com a promessa de terem a posse das terras, pagando para se associar e também para registrar a posse, num esquema que poderia, segundo investigação feita pelas comunidades, envolver também cartórios.
As comunidades já identificaram ao menos 18 associações atuando no esquema na região, sendo uma delas apontada como ligada a militares reformados. As comunidades quilombolas relatam atos de ameaça e intimidação sofridos de parte de posseiros. O total de famílias atualmente ocupando as áreas tradicionais quilombolas chegariam a mais de 1.200 no Sapê do Norte, região de quilombos entre Conceição da Barra e São Mateus. “Sendo feita a reintegração de posse, nossa preocupação é com a segurança das comunidades e lideranças. Mesmo sendo o processo e a reintegração feitos pela Suzano, nós é que ficamos expostos. A gente vê que tem gente graúda envolvida”, diz uma liderança que preferiu não ser identificada.
Governo federal
O local é visto como de cobiça para especulação imobiliária, intensificada com o asfaltamento da estrada para Itaúnas. Também preocupa o movimento quilombola a conjuntura nacional, que os faz relacionar a ocupação massiva dos últimos anos com os ataques do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Durante sua campanha eleitoral, Bolsonaro chegou a afirmar que em seu governo nenhum território indígena e quilombola seria titulado, o que vem sendo cumprido. Ao mesmo tempo, o governo e a bancada ruralista do Congresso Nacional tentam fazer valer normativas que facilitariam a grilagem de terras, como a Medida Provisória 910 e o Projeto de Lei 2633/2020, conhecidos respectivamente como MP da Grilagem e PL da Grilagem, contexto que poderia estar motivando as ocupações de terras por aumentarem a possibilidade de conseguir regularizá-las futuramente.
Uma liderança quilombola enfatizou a necessidade do município e o estado agirem para a criação de assentamentos para as famílias não quilombolas da região que necessitem de fato terem acesso à terra. Mas afirmou que essas famílias não devem ocupar as áreas reconhecidas como de uso tradicional. Ele alerta para a urgência em garantir o território quilombola e titulá-lo, reclamando da morosidade do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e demais órgãos federais responsáveis, que deveriam desapropriar as áreas da Suzano, de outros proprietários ou devolutas para entregar a posse coletiva às comunidades como previsto no Art. 68 da Constituição Federal.