As iniciativas, que existiam em cinco municípios, foram encerradas nos últimos anos, afetando política de segurança alimentar
Diante a crescente preocupação com a segurança alimentar da população, agravada pela pandemia do coronavírus, voltou a ganhar força nos debates da sociedade civil o retorno e ampliação dos Restaurantes Populares no Espírito Santo. Nesta terça-feira, o Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) realizou uma reunião ampliada junto a vários outros setores sociais e entidades para discutir e propor estratégias sobre o tema.
No Estado, chegaram a funcionar Restaurantes Populares em Vitória, Cariacica, Cachoeiro de Itapemirim, Colatina e Nova Venécia, impulsionados pelo programa do Governo Federal. Mas todos tiveram atividades encerradas em curto espaço de tempo. Com o fim do apoio federal e as trocas de gestões municipais, os projetos foram sendo encerrados e sumiram das perspectivas de políticas públicas para o setor. “Apenas Cachoeiro tem hoje a Cozinha Comunitária como equipamento de segurança alimentar, um espaço para cursos cuja produção é voltada para a sociedade civil”, ressalva Rosemberg Caitano, atual presidente do Consea.
O caso mais emblemático dos Restaurantes Populares é o de Vitória, implantado em 2005 e chegando a servir mais de 1.300 refeições diárias pelo valor de R$ 1. Apesar de inicialmente ter sido alegado o fechamento temporário para obras no espaço em 2018, o restaurante, localizado na Ilha de Santa Maria, nunca mais voltou a abrir as portas e hoje abriga outro projeto de segurança alimentar, o Banco de Alimentos Herbert de Sousa.
Alcemi Barros, professor de Nutrição da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), alerta que a política de segurança alimentar e nutricional possui responsabilidade do poder público nas três esferas: nacional, estadual e municipal. E que nas principais instâncias do governo com a sociedade civil, que são conferências, conselhos e fóruns, jamais foi previsto ou mencionado no Espírito Santo o fechamento dos Restaurantes Populares, muito pelo contrário. “Nesses espaços se reconheceu a importância e a perspectiva era expandir o serviço, servir café da manhã e janta para além do almoço que já era servido. Então o poder público está descumprindo uma deliberação de uma instância máxima como as conferências”, indica.
Durante a reunião foram citadas experiências bem-sucedidas em outros estado, como Minas Gerais, em que a capital Belo Horizonte possui uma política antiga e consistente com ampliação gradual dos restaurantes; São Paulo, onde os restaurantes passam a oferecer as três refeições; e do Maranhão, que em poucos anos saltou de seis para mais de 30 Restaurantes Populares com apoio do Governo Estadual.
Também tocou os participantes do encontro o depoimento de Elizeth Euzébio dos Anjos, a Zezé. Vendedora de doces, ela era usuária do Restaurante Popular de Vitória, quer permitia que pudesse se alimentar bem a um preço baixo. Sem o restaurante, muitas vezes acaba comendo uma coxinha ou salgada em seu trabalho pelas ruas. Ela entende que por ser uma política universal, o Restaurante Popular permite um acesso menos burocratizado como outras políticas de assistência social que demandam cadastro e certos critérios para contemplar beneficiários, com os quais ela não consegue acessar. Sobre a demanda pelo retorno das atividades, ela afirmou que “a luta é para que a proposta não seja levada pelo vento e nem vá para as gavetas”, lembrando que a batalha é antiga e o retorno do poder público insatisfatório.
O professor Alcemi lembra de Josué de Castro, que dizia que combater a fome é uma decisão política. “O investimento em alimentação e nutrição não deve ser visto como gasto, mas como um investimento. Quando o gestor vê isso como gasto, diz muito sobre sua visão sobre o tema”, afirma.
Para ele, os Restaurantes Populares também vão além da política de alimentação, pois servem como espaços de convivência e local para ações sobre nutrição, moradia, saúde e educação. “Por trás desse alimento, se está resgatando a dignidade de pessoas”. Também lembrou da necessidade de garantir que ao menos parte dos alimentos utilizados nesses restaurantes tenha origem na agricultura familiar, garantindo não só a qualidade nutricional, mas também a distribuição de renda.
Os presentes na reunião concordaram com a importância desses restaurantes para a cidade ao atender pessoas em situação de rua, idosos e outros grupos em condições de vulnerabilidade, que conseguem ter acesso a uma alimentação de qualidade e balanceada, com acompanhamento nutricional.
Com a falta de recursos federais, o Consea pretende pressionar o Governo do Estado para que apoie as prefeituras para reativação e implementação dos novos Restaurantes Populares. Para isso, conta também com articulação com órgão jurídicos a nível estadual, como o Ministério Público e a Defensoria Pública, que têm em suas missões a garantia dos direitos da população.
A partir da reunião desta terça-feira, o Consea criou em conjunto com o Conselho Estadual de Assistência Social um grupo de trabalho para discutir os equipamentos de segurança alimentar e nutricional e os Restaurantes Populares a nível estadual, já com a demanda de articular um encontro com o governador Renato Casagrande (PSB) para tratar do tema.
A ponte para o diálogo com o Governo do Estado é a Secretaria de Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social (Setades), que contou com participação da subsecretária de Assistência e Desenvolvimento Social, Sandra Shirley de Almeida, que concordou com a importância do tema. Ela destacou que a distribuição de cestas básicas acaba tendo a limitação de só poder levar alimentos não-perecíveis. “O restaurante popular veio com essa mentalidade não só de saciar a fome, mas de dar nutrição. Esse foi o grande diferencial”, afirmou.
Os conselhos também articulam como inserir propostas que incluam os Restaurantes Populares dentro dos debates que o governo realiza com a sociedade civil para o Projeto da Lei Orçamentária Anual de 2021.
Diante da pandemia, que agrava o problema de insegurança alimentar, Alcemi Barros lembrou da máxima cunhada por Herbert de Souza, o Betinho: “Quem tem fome, tem pressa”.