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Criança indígena sofre racismo dentro da escola do Sesc de Aracruz

Família registrou boletim de ocorrência e é acompanhada pela Apoinme, Funai e Ministério Público Federal

Redes sociais

Um caso de racismo praticado contra uma criança de sete anos, por seus colegas de sala, foi denunciado na Polícia Civil de Aracruz, norte do Estado, e foi alvo de uma nota de repúdio publicada pela Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme).

O fato ocorreu nesta quarta-feira (15) na escola do Serviço Social do Comércio (Sesc) do município, o Centro Educacional para a Vida, no centro da cidade. A criança foi recebida aos prantos pela mãe, na saída da escola e, mesmo abalada, disse que a professora queria conversar com ela. O relato da educadora deu conta de que as alunas da sala zombavam dela.

“Desde que ela se apresentou na escola dizendo que era indígena e morava na aldeia, começou a ser alvo de comentários racistas”, registra a Apoinme. “Esse é mais um caso corriqueiro de desconhecimento do processo de miscigenação, que os povos indígenas do Brasil sofreram ao longo de séculos de colonização, e que cada povo possui suas diferenças e especificidades”, pondera a entidade, que pede às autoridades “a execução das medidas cabíveis para punir os responsáveis”.

Em conversa com Século Diário, o pai da criança conta que o principal motivo da discriminação é a ausência de um estereótipo idealizado pela sociedade não-indígena, já que a filha é fruto de miscigenação, com a mãe sendo descendente de italianos, e tem os cabelos encaracolados.

“Ela tem orgulho de ser indígena e se afirmou indígena desde o primeiro dia de aula. Mas desde o primeiro dia também começou a discriminação. A gente não deu importância no começo, mesmo ela continuando a relatar, orientamos para ela não ligar, achando que iria passar”, conta.

A violência ficou mais forte nesta quarta-feira, explica, porque a filha foi pintada para a escola. “Estamos nos aproximando da Semana dos Povos Indígenas, quando tem um desfile cívico na cidade, e aqui na aldeia a gente está se preparando, fazendo os ensaios, com a pintura e as roupas típicas. Ela participa de tudo comigo, gosta muito, então se pintou também junto comigo e quis ir pintada para a aula”, relata.

O fato ocorrido na escola não é isolado, lamenta o pai. “A gente sempre sofre muito preconceito na cidade de Aracruz, que é muito bolsonarista, com a maior parte do Espírito Santo. A gente não pode ter um celular de última geração nem um carro bom porque falam que não somos indígenas. Nossos filhos não podem estudar nas mesmas escolas que eles. É muito desconhecimento e preconceito”, afirma.

Até a tarde desta sexta-feira (17), a única medida anunciada pela escola foi a de que os professores iriam conversar com os alunos e que iria apurar o ocorrido, conforme publicado nas redes sociais do Sesc Espírito Santo. “Nas escolas do Sesc, em todo o Estado e em todo o Brasil, estudam crianças independentemente de sua raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição. Toda criança tem direito à educação, igualdade de oportunidade e acesso à escola. O Sesc está à disposição da família da aluna, vai apurar o ocorrido e tomar providências para que o fato não se repita”.

O pai conta também que recebeu um convite da escola para que fizesse uma apresentação cultural para os estudantes, semelhante ao do desfile cívico por conta da data comemorativa nacional. Mas a medida, afirma, não é a correta. “Eu expliquei que a gente não é indígena só nessa semana, que eles precisam aprender a lidar com os termos corretos, pois tem uma lei que determina ensinar a história dos povos originários nas salas de aula. Só assim outras crianças também terão coragem de se assumir junto aos colegas”.

Ele diz ainda que a filha vai fazer tratamento psicológico, pois está traumatizada e não quer mais ir para a escola. Já do ponto de vista jurídico, a família está sendo acompanhada também pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). “A gente já sofre há muito tempo em Aracruz, mas às vezes eles mexem com pessoas na aldeia que não conhecem seus direitos, não sabem que há militantes que atuam para combater o racismo. Eu jamais vou deixar isso passar em branco”.

O indigenista especializado Alexsandro de Almeida Mathias, chefe substituto da Coordenação Técnica Local (CTL) da Funai de Aracruz, conta que o Ministério Público Federal e a coordenação regional da Funai em Governador Valadares já foram acionados. “A priori, a gente acredita que precisa criar um sistema exemplar, uma apuração exemplar e educativa sobre esse caso. Precisa mostrar para as pessoas, especialmente os municípios indígenas, que têm que respeitar a diversidade. Não podem criar estereótipos e utilizar esses estereótipos para diminuir as pessoas em função de sua etnia ou raça. Tem que ter o respeito”.

Alexsandro também ressalta o processo de miscigenação que é ignorado pelas pessoas racistas. “Eles têm o estereótipo que todo indígena tem que ser apenas como o da Amazônia, com um único tipo de cabelo, de olhos, de cor de pele … chega a ser bizarro as pessoas avaliarem uma criança indígena pela aparência dela e não pela cultura, o meio de vida, o ambiente onde ela está inserida. Isso é muito preocupante, porque a gente sabe o processo histórico que a sociedade dominante impôs ao índio, tirando sua língua, sua cultura, seus direitos básicos”.

No processo de resgate da idade indígena porque passam muitas comunidades e indivíduos, ver que crianças continuam a reproduzir essa visão racista de suas famílias e sociedade é um sinal de alerta. “Hoje quando a gente começa a fazer um resgate, uma criança indígena que vai pintada para uma escola não-indígena e sofre esse tipo de injúria racial é uma coisa muito perigosa. A gente tem que mostrar isso e levar diferentes biótipos: o ser indígena é ser uma cultura, uma cosmovisão, é ser uma comunidade que ela está dentro de um meio em que as pessoas que estão ali seguem ritos milenares”, explica o indigenista.

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