Frente Estadual pelo Desencarceramento foi a Brasília apresentar relatório do Espírito Santo
Representantes da Frente pelo Desencarceramento do Espírito Santo (Desencarcera-ES) participaram de uma reunião com o Subcomitê da Organização das Nações Unidas (ONU) de Prevenção à Tortura (SPT), que visita o Brasil esta semana. No encontro, realizado em Brasília, a Frente apresentou demandas do sistema prisional capixaba, como as denúncias de alimentação precária, mortes inexplicadas nas unidades e a falta de diálogo com o Governo do Estado.
A Frente Desencarcera-ES levou um documento contendo denúncias recolhidas entre 2020 e este ano. Entre os pontos críticos elencados, estão os relatos de maus-tratos por parte dos agentes e as reclamações de revistas vexatórias. A representante da Frente foi a articuladora Eliana Valadares.
“Tivemos a oportunidade de passar todas as demandas do nosso Estado sobre as violações de direitos humanos que vêm ocorrendo com muita frequência dentro do sistema carcerário capixaba. Pude entregar em mãos ao subcomitê um documento que mostra todas as atrocidades cometidas por parte dos servidores da Secretaria de Justiça [Sejus]”, afirma Eliana.
Em agosto de 2021, o advogado criminalista Antônio Fernando Moreira disse, em entrevista ao Século Diário, que cerca de 20 detentos perderam a vida por meio de mortes violentas dentro do sistema penitenciário durante a pandemia da Covid-19. Na ocasião, o profissional associou o índice à restrição de visitas e à infraestrutura dos presídios.
No encontro com o subcomitê, outro ponto abordado pela Frente foram as dificuldades de diálogo com a Secretaria de Direitos Humanos, principalmente a resistência para averiguar e adotar medidas em relação às denúncias apresentadas constantemente. “Um dos assuntos que chamou muita atenção dos representantes da ONU foi como os familiares das pessoas providas de liberdade são tratados nas portas dos presídios por servidores públicos”, conta Eliana.
Essa falta de escuta do poder público é uma denúncia recorrente da Frente Desencarcera, que reclama da ausência de resposta aos ofícios enviados ao Governo do Estado. “Um dos nossos maiores problemas é a falta desse canal de comunicação entre nós, como movimento social, familiares e o governo. Já batemos várias vezes nessa porta, mas não temos resposta alguma nunca”, relata.
Após repassarem o relatório, a Frente espera que as denúncias surtam efeito e aguardam uma resposta internacional às demandas apresentadas. “Eles ficaram estarrecidos com tantas violações, com a situação que nossos familiares egressos e privados de liberdade vêm enfrentando (…) Ao mesmo tempo, perceberam a importância dessa visita ao Brasil e de ter recebido a sociedade civil organizada, representante dos movimentos sociais”, explica.
O encontro com o subcomitê também contou com a presença da presidente da Associação de Mães e Familiares de Vítimas do Estado do Espírito Santo (AMAFAVV-ES), Maria das Graças Nascimento Nacort. Organizações de outros estados, como a Justiça Global e a Pastoral Carcerária, também participaram.
“A pandemia agravou ainda mais as violações de direitos nas prisões e outros locais de privação de liberdade. A impossibilidade prática de distanciamento social em celas abarrotadas se somou à falta de acesso a equipamentos de proteção individual (EPIs) e à água. No segundo semestre de 2020, apenas seis estados (AL, CE, DF, MS, MG e SP) informaram fornecer água potável em tempo integral em suas unidades prisionais. Em março de 2021, cerca de 300 pessoas morreram, nos sistemas carcerário e socioeducativo, por causa do coronavírus, alta de 190% nos óbitos em relação ao ano anterior”, diz uma nota divulgada pela Justiça Global.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também se reuniu com o subcomitê apresentando dados alarmantes sobre o combate aos maus-tratos nas prisões brasileiras. De acordo com o órgão, dos 56 mil casos de tortura relatados durante audiências de custódia nos últimos seis anos, menos de 5% foram investigados.
Inércia no Espírito Santo e desmonte no Brasil
Essa é a terceira vez que o Subcomitê da ONU de Prevenção à Tortura (SPT) vem ao Brasil. O órgão também esteve no país em 2011 e em 2015. Este ano, uma das principais pautas é o desmonte do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), órgão do governo federal responsável por fazer visitas e monitorar locais de privação de liberdade, como centros de detenção, estabelecimento penal, hospital psiquiátrico, abrigo de pessoa idosa, instituição socioeducativa ou centro militar de detenção disciplinar.
Um decreto assinado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), cortou os salários dos técnicos que compõem o MNPCT, definindo a função como não remunerada. Entidades que atuam na defesa dos direitos humanos afirmam que o órgão funciona de forma precária.”Isso reflete no país inteiro. Porque é um conjunto de peritos com capacidade técnica para inspecionar as unidades”, aponta Gilmar Ferreira, do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra (CDDH-Serra).
Em 2013, mesmo ano em que uma lei federal instituiu o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), a Lei nº 10.006 criou uma versão local da proposta, o Mecanismo Estadual e Prevenção e Erradicação da Tortura no Espírito Santo (Mepet-ES). A criação era incentivada pelo governo federal e o objetivo era o mesmo: selecionar membros para monitorar unidades de privação de liberdade nos estados.
Acontece que, no Espírito Santo, a criação do mecanismo não saiu do papel. O Mepet-ES, instituído por lei em 2013, durante a primeira gestão do governador Renato Casagrande (PSB), até hoje não foi implementado. “A gente conseguiu aprovar a lei, criar o Cepet [Comitê Estadual para a Prevenção e Erradicação da Tortura no Espírito Santo], mas não implementou o Mepet. Para mim, depois de tanto tempo, se ainda não foi implementado, é uma questão de falta de vontade política”, aponta Gilmar Ferreira.
Em julho do ano passado, a Comissão de Promoção da Dignidade da Pessoa Humana (CPDH), da Arquidiocese de Vitória, encaminhou um ofício ao governador reivindicando a criação do Mepet no Estado. O documento foi elaborado após o elevado número de denúncias de violação de direitos humanos no Território do Bem e outras partes da Grande Vitória.
Gilmar alerta que a falta de avanço na ativação do órgão gera prejuízos para todo o Estado. “Quando se cria o órgão na legalidade, mas não implementa, a gente acaba não tendo um mecanismo legal que tenha capacitação técnica para apuração, investigação e monitoramento das denúncias de violações de direitos humanos nesses locais de abrigamento de pessoas”, enfatiza.