Márcia Teixeira vem ao Estado lançar aplicativo da Ufes para denúncia georreferenciada da violência contra mulher
“A denúncia por si só não é a solução”. A afirmação sucinta e direta refere-se às situações de violências diversas sofridas por mulheres no Brasil e é da promotora de Justiça do Ministério Público Estadual da Bahia (MP/BA) e conselheira do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) Márcia Teixeira, que vem ao Espírito Santo nesta sexta-feira (22) lançar o aplicativo criado pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) para apoiar as mulheres vítimas de violência nas denúncias desse crime.
“Fala-se muito: ‘você, mulher que sofre violência, denuncie!’. Mas não é bem assim. O que a gente diz é: ‘denuncie, sim, quando você tiver como proteger a si e à sua família ou tiver uma instituição que crie estratégias para fazer essa denúncia de forma a não colocar a você e aos seus em risco'”, afirma a promotora e conselheira.
Ela explica que a mulher – em seus mais diversos espectros: brancas, negras, trans, bissexuais, lésbicas, quilombolas, indígenas, periféricas, defensoras de direitos humanos, políticas, lideranças comunitárias …” – precisa saber onde ela pode buscar orientações para traçar as estratégias de segurança. “Por isso, o Ministério Público começou desde 2022 a trazer para a gente de volta a preocupação com a vítima, não só com a ação penal. O que a mulher está sinalizando? O que ela não está falando? Quantos filhos ela tem? Qual a rede de suporte? Precisa fazer uma avaliação de risco, o planejamento dessa denúncia”, ensina.
O trabalho de treze anos à frente da promotoria de Justiça que cuidava da mulher em situação de violência no estado baiano lhe mostrou que, muitas vezes, “é preciso fazer um percurso de orientações e cuidados junto com a mulher”. Orientações corriqueiras, relata, incluem: “guarde seus documentos, na casa de sua mãe ou outro parente; deixe sempre um dinheiro separado para alguma emergência; deixe sempre algumas roupas prontas para viagem; avalie se é melhor continuar em casa ou sair”.
Integrante da Comissão da População em Situação de Rua do Conselho Nacional dos Ministério Público (CNMP) e do GT do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) referente a violências contra pessoas LGBT+, Márcia Teixeira reafirma que a questão não se resume a estimular a mulher a denunciar. “Não é bem assim. É preciso saber qual é a melhor delegacia para mulher fazer essa denúncia, por exemplo. Porque sabemos que em algumas ela vai ser ignorada ou até maltratada. A gente tem que ter essas informações, senão essa mulher vai sofrer outras violências e vamos atendê-la esquizofrenizada no futuro, ou a teremos morta”.
Georreferenciamento
Sabendo que o Espírito Santo tem uma situação semelhante à da Bahia, em que as instituições que deveriam acolher a mulher vítima de violência acabam por revitimizá-la ao deixarem que o machismo e o racismo estruturais se sobreponham ao seu relato, Márcia Teixeira aceitou de pronto o pedido de parceria do CNDH feito pelo programa de extensão e pesquisa da Ufes “Fordan: cultura no enfrentamento às violências”, quando da aprovação do projeto do Aplicativo pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes).
“As violações sobrepostas de direitos constitucionais e humanos a que as mulheres são submetidas têm que ser visibilizadas. Essa visibilidade pode se dar pelo aplicativo e por meio do fortalecimento da rede de proteção. O aplicativo, com as denúncias georreferenciadas, vai mostrar os locais de maior violação desses direitos e quais pontos dessa rede estão mais fracos ou mais fortes. Se um nó estiver mais frouxo, a gente perde essa mulher”, explana.
Uma experiência que lhe serve de referência para o que está sendo construído no âmbito do aplicativo Ufes/Fordan é o mapa do racismo criado na Bahia, há quatro anos. “Do mapa foram retirados dados dos bairros onde há maior pratica de discriminação racial, intolerância religiosa, quais empresa mais praticam racismo, quais escolas…e a partir daí, a promotoria de combate ao racismo e intolerância religiosa começou a fazer alguns trabalhos naqueles locais”, relata.
Uma estratégia, detalha, foi selecionar 100 denúncias feitas no mapa e acompanhar detalhadamente o caminho jurídico percorrido por cada uma, observando se foi aberta ação penal, sentenciada ou arquivada. “Quando se faz o georrefenciamento das violações de direitos humanos, acende uma luz vermelha dizendo para gente quais são os locais de maior necessidade de intervenção”, diz.
O georreferenciamento do aplicativo Fordan/Ufes tem objetivo semelhante, compara. “O aplicativo do Espírito Santo vai ser super importante para orientar as políticas públicas municipais, estaduais e federais”.
Outro apontamento importante, prevê, é das estratégias de gestão dos dados que ele irá gerar. “O aplicativo sozinho não vai salvar a vida das mulheres. É preciso que as instituições que irão receber essas denúncias e esses dados atuem de forma precisa. Por isso é importante ter um grupo gestor com ação transparente, monitorando a implantação do aplicativo e fazendo os ajustes que irão surgir, conforme ele é colocado em prática”, orienta.
Tudo isso, reafirma, para que, a partir do georreferenciamento das denúncias, sejam criadas as estratégias de avaliação de risco e de proteção das mulheres e de suas famílias. “O foco tem que ser na mulher em situação de violência, em suas necessidades e especificidades”.
Lançamento e parcerias
Além da promotora e conselheira Márcia Teixeira, o lançamento do Aplicativo Fordan/Ufes será feito também pela secretária nacional Iêda Leal, da Secretaria de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial do Ministério da Igualdade Racial (MIR).
O evento acontece nesta sexta-feira (22), às 16h, no Teatro Universitário, no campus de Goiabeiras da Ufes. A participação é gratuita e aberta a toda a população e as inscrições podem ser feitas por formulário online.
O jornal Século Diário é outro parceiro da iniciativa, que conta também com o apoio das seguintes instituições e mandatos políticos: Defensoria Pública do Estado (DPES/ES); União Nacional de Negras e Negros pela Igualdade (Unegro); Fórum Nacional de Mulheres Negras (FNMN); Sociedade Brasileira de Psicanálise (SBP); Associação Brasileira de Advogados Criminalistas – Espírito Santo (Abracrim-ES); Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Estado (Proex/Ufes); Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal do Espírito Santo (PRPPG/Ufes); Programa de Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia (PPGNEIM/UFBA); Clínica Jurídica LGBTQIA+/UFF; Centro de Treinamento de Artes Maciais (Stallony Team); Instituto Talentos Esportivos São Pedro (ITESP); Associação de Moradores do Bairro Santos Reis; Movimento Comunitário do Bairro São Pedro; Cine Por Elas; CineMarias; procuradora da Mulher na Assembleia Legislativa, Iriny Lopes (PT); deputado federal Helder Salomão (PT); vereador de Vitória André Moreira (Psol); vereador de Aracruz Vilson Jaguarete (PT); deputada estadual Camila Valadão (Psol); e vereadora de Vitória Karla Coser (PT).