Cruzes foram afixadas na escadaria que dá acesso à sede do governo estadual
Centenas de cruzes foram afixadas na escadaria Bárbara Lindemberg, que dá acesso ao Palácio Anchieta, na tarde desta quarta-feira (20). A ação, que fez parte da 17ª edição da Marcha Contra o Extermínio da Juventude Negra, denunciou os recorrentes assassinatos de jovens negros no Estado, que ocorrem principalmente em ações da Polícia Militar (PM) realizadas nas periferias.
Diante do Palácio, o protagonismo foi dado a jovens do Território do Bem, onde, somente no mês de outubro, cinco jovens foram assassinados pela corporação. “Estou cansada de sentir cheiro de sangue, estou cansada das mães daqueles que foram me ligar para socorrer seu filho, que já está morto, porque simplesmente aqueles que juraram servir e proteger, quando sobe na comunidade faz de lá uma praça de guerra”, protesta Preta, moradora do Território.
“O que Casagrande ganha com isso? O que o Estado ganha com isso?”, questionou, destacando que, “na maioria das vezes, o tiro não é na perna, não é no braço, para imobilizar, é na cabeça e no coração. Não é tiro para deixar a face para a mãe ver dentro do caixão. É só a foto do filho no caixão e o corpo dilacerado dentro. É todo dia acordar de manhã pensando ‘hoje eles vão subir e vão matar, vão invadir casa sem permissão, vão expor mulheres”.
Quem também se pronunciou foi Luiz Adriano Rodrigues, jovem que tem denunciado a violência policial no Território do Bem, e que em outubro último, foi agredido pela PM junto com sua tia, Marly Rodrigues Gabriel, coordenadora do Centro de Referência das Juventudes de Itararé (CRJ) e ganhadora do Prêmio Estadual de Direitos Humanos 2023. “Estamos cansados de sofrer, pedimos paz, mais respeito, mais igualdade social”, clamou.
A Marcha, realizada pelo Fórum Estadual da Juventude Negra do Espírito Santo (Fejunes), teve início na Casa Porto das Artes Plásticas, no Centro de Vitória, e levou para as ruas, além do fim do extermínio da juventude negra, pautas relacionadas, como a consolidação do Plano Estadual de Equidade Racial, cujo processo de elaboração foi interrompido sem explicações, e a instalação de câmeras nas fardas dos policiais militares.
Com cartazes com frases como “vidas negras importam” e “meu crime é ser negra?”, os manifestantes percorreram a Avenida Jerônimo Monteiro e pararam na Praça Costa Pereira.
Em uma referência à ancestralidade, o Tatanikissi da casa de Umbanda Aldeia Kavungo, em Vera Cruz, Cariacica, fez uma referência a Exu, orixá da comunicação, para que faça “ecoar as vozes que passaram por aqui e levem na consciência dos representantes públicos para que sintam o que a juventude negra vive em seu dia a dia. Entre as falas feitas, estão a de três vereadores negros eleitos no pleito eleitoral deste ano: Jocelino Júnior (PT) e Ana Paula Rocha (Psol), em Vitória, e Açucena (PT), em Cariacica.
Ana Paula destacou que o 13 de maio não é uma data que remete à liberdade dos escravizados. “Hoje, 20 de novembro, a gente está falando em um feriado da Consciência Negra. Mais uma vez, temos que saudar a expertise do Movimento Negro, que organizado, olhou para a história do Brasil e disse: ‘o nosso ponto de demarcação não é o 13 de maio, não é Princesa Isabel, a redentora. Até porque a gente sabe que no dia 14 de maio, nossa vida pouco mudou. Para nós ficou reservado a favela, o hospício e a cadeia”, enfatizou.
Açucena também celebrou o fato de o Dia da Consciência Negra, a partir deste ano, ser feriado nacional. “É o primeiro ano em que o Dia da Consciência Negra é feriado em todos os cantos do nosso País. Todos cantos do Brasil estão parando para saudar a memória de Zumbi dos Palmares, líder quilombola que liderou o primeiro estado livre, democrático, no nosso país”, disse.
Jocelino destacou que o 20 de novembro é um momento de celebração, “porque demorou mais de 100 anos para o Brasil reconhecer que temos direito a um feriado que celebra a existência do povo negro. É fundamental nesse dia, além de celebrar, retomar nossas pautas, nossas lutas que são importantes para o povo que vive em situação de vulnerabilidade, precariedade, desigualdade social”, ressaltou.
Também estiveram presentes na Marcha a deputada federal Jack Rocha (PT), a deputada estadual Camila Valadão (Psol) e a vereadora Karla Coser (PT). A mobilização teve fim no Museu Capixaba do Negro (Mucane), onde ocorreram atividades culturais, consolidando o tema deste ano: “Movida pela raiva e pelo amor, para mim, oficial não é senhor”.
Ações ‘sangrentas’ da PM
Em vídeos que circulam nas redes sociais, é possível ver três policiais jogando o jovem no chão enquanto moradores tentam socorrê-lo, mas são agredidos pela polícia com empurrões e balas de borracha. Ambos foram detidos. Marly, inclusive, foi alvejada com balas de borracha ao tentar ajudar o sobrinho.
Em setembro último, a violência policial causou oito óbitos. O primeiro foi de Breno Passos Pereira da Silva, de 23 anos, e Matheus Custódio Batista Quadra, de 26, alvejados em São Benedito no dia 9. Breno, de acordo com moradores do bairro São Benedito, foi assassinado em um beco, quando a polícia chegou atirando. Matheus foi alvejado cerca de 30 minutos depois, quando, ao fugir da polícia, entrou na casa de uma moradora. Os policiais, então, adentraram a residência, o algemaram e disparam contra ele.
Em Tabuazeiro foram mortos também Maycon, de 16 anos, e Rafael Cardoso Moreira, de 23, vitimados fatalmente dentro de casa, a tiros. Moradores afirmam que ambos estavam dormindo quando policiais militares entraram na casa, os sufocaram com travesseiro e depois deram os disparos. A ação policial motivou uma manifestação na comunidade no dia 13 de setembro. No dia 19, também em Tabuazeiro, Esmael dos Santos Lopes, de 21 anos, foi baleado na praça do Morro do Macaco. Foi internado no Hospital Estadual de Urgência e Emergência (HEUE), mas veio a óbito dois dias depois.
Os outros jovens assassinados foram Bruno Vieira Lopes da Silva, de 24 anos, e Vinicius Alves de Jesus, de 20, em Jesus de Nazareth.
A última morte foi de Davi, de 16 anos, conhecido na comunidade como Dan, que levou um tiro na cabeça ao sair de casa para comprar refrigerante. Moradores, que preferem não se identificar por medo, afirmam que não houve confronto com a corporação. Os relatos são de que, por volta das 17h, as viaturas rondavam a parte de baixo do bairro Bonfim. Depois subiram a Escadaria do Trabalhador, foram para o Bairro da Penha e São Benedito. Alguns policiais se esconderam na mata. Ao ver as viaturas, um grupo de jovens correu. Davi, que tinha saído para comprar refrigerante, acabou correndo também. Foi quando os policiais que estavam na mata dispararam vários tiros em direção aos rapazes, acertando a cabeça de Davi.
Pessoas da comunidade, então, foram até o local, onde, afirmam, avistaram policiais com o pé na cabeça do rapaz. Elas relatam que pediram para enviar Davi para o hospital, mas os PMs ameaçaram atirar contra os moradores que estavam ali. “Quando pegaram o corpo e desceram com ele na escadaria, a cabeça batia nos degraus. Uma parte do cérebro do menino caiu. Jogaram no camburão como se fosse um lixo”, denunciam. O ocorrido motivou manifestações nas comunidades de Consolação, Gurigica e Bairro da Penha.