CJP vai assessorar o bispo sobre temas pertinentes à sociedade, como o Porto Central
A Diocese de Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Espírito Santo, decidiu formalizar a criação da Comissão de Justiça e Paz (CJP). A decisão foi tomada após dois anos de atuação de um Grupo de Trabalho (GT) que promoveu ações como estudo e elaboração do estatuto, além de buscar conhecer o trabalho do órgão da Igreja Católica em âmbito nacional e internacional, já que a CJP tem atuação em todo o mundo. Também foram feitas ações de mobilização popular, como nas eleições 2024, quando foi entregue aos candidatos às prefeituras dos 27 municípios da Diocese um documento com pautas de interesse coletivo, como a preservação ambiental.
A longa preparação antes da formalização, informa o vigário episcopal para Ação Social da Diocese de Cachoeiro, Evaldo Praça, decorre da importância que tem a CJP. “É uma comissão muito importante, que vai assessorar o bispo em relação a assuntos pertinentes a toda a sociedade”, diz. Sua criação, afirma o sacerdote, tem como uma de suas impulsionadoras a atuação do bispo Luiz Fernando Lisboa, que, segundo Evaldo, desde que tomou posse, em 2021, tem se empenhado nas questões sociais.
A CJP, explica, é necessária “diante dos desafios, podendo contribuir muito para o enfrentamento em relação aos problemas ambientais, à violação dos direitos humanos e àquilo que não promove uma cultura de paz”. Assim, junto à sociedade civil, que participará da Comissão com 22 integrantes, poderá elaborar atos, abaixo-assinados e outras iniciativas de mobilização popular.
Na região sul, aponta o padre, um dos problemas que precisam ser discutidos é a construção do Porto Central, em Presidente Kennedy, que, afirma, tem sido feita sem diálogo com a comunidade. “Todo empreendimento tem que dialogar com a comunidade do entorno. Como eles têm pensado a questão ambiental, a situação dos pescadores? É necessário esse monte de porto no Espírito Santo? Já tem um aqui perto, que é o de Açu, precisa fazer um desse porte?”, questiona.
Mobilização social
Padre Evaldo afirma que uma das ações da CJP vai ser intensificar a aproximação com a Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), que tem estudado os impactos que o empreendimento causará na região. Em agosto último, o Grupo de Trabalho que resultou na criação da CJP, juntamente com a Pastoral da Ecologia Integral, a Fase e a Restauração e Ecodesenvolvimento da Bacia Hidrográfica do Itabapoana (Redi), divulgou um abaixo-assinado da Campanha Nem um Poço a Mais. Na ocasião o bispo fez críticas à instalação do porto.
“Aqui estamos na iminência de ter um porto. Para beneficiar a quem? A população local? Como é que ficam os pescadores, que há muitos anos, há séculos, tiram seu sustento do rio, do mar? Estamos aqui não somente para preservar a igreja, mas também este lugar, as pessoas que aqui habitam e tiram seu sustento desse lugar, os animais que ficam aqui em volta, as plantas, muitas delas raras, que ficam aqui em volta. Nós não queremos que isso seja destruído!”, disse.
A divulgação foi feita durante a Romaria de Nossa Senhora das Neves, em homenagem à padroeira da cidade de Presidente Kennedy. O local escolhido para divulgação do abaixo-assinado foi por causa dos impactos previstos à igreja de Nossa Senhora das Neves, datada de 1694, que “ficará ilhada em meio ao parque industrial”, como alerta a integrante da Fase e ativista da Campanha Nem Um Poço a Mais, Flávia Bernardes. A afirmação se baseia no fato de que o porto avançará até o Santuário, onde de um lado será construído o estacionamento dos caminhões, e do outro, o espaço para tonéis de até 20 metros. Além disso, a estrada do santuário vai desaparecer, para dar lugar ao canal de acesso do porto.
Outro problema é que a igreja é localizada em uma área de alagado. O porto, ao seu redor, ficará em uma altura de 4,5 metros acima. Portanto, em caso de alagamento, a água seguirá para a área da igreja. Os danos, porém, vão além dos que podem ser causados ao patrimônio histórico, religioso e cultural da cidade. Flávia ressalta que a área de construção do porto é de Mata Atlântica, e está prevista a devastação de mais de 1 mil hectares. A impossibilidade de continuidade da atividade pesqueira, prejudicando famílias de todo o litoral sul, é outro impacto preocupante na região. Ela destaca que os pescadores não têm sido reconhecidos como comunidade tradicional e são ignorados dos diálogos sobre formas de compensação.
A chegada de mais de 4 mil homens para trabalhar na região no período de instalação do empreendimento também é questionada, uma vez que se teme pelo aumento de casos de violência contra a mulher e meninas, como a doméstica e o aliciamento de crianças para a prostituição. Isso pode acarretar, ainda, no aumento do tráfico de drogas, do alcoolismo, da violência sexual”, diz Flávia, rememorando os processos registrados em outras áreas portuárias do Espírito Santo, como em Barra do Riacho, Aracruz, no norte.
A ativista informa, ainda, que, para a construção do Porto Central, já foram liberadas três licenças que possibilitam a retirada das pedras do Pico da Serrinha para fazer um enrocamento no mar. Assim, aponta, “uma montanha vai sumir” e as pedras terão que ser transportadas em caminhões, aumentando o tráfego e a probabilidade de acidentes de trânsito.