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Discussão sobre o Estatuto se restringiu mais à impunidade que à promoção da infância

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Ecriad ou ECA) completa, nesta segunda-feira (13) 25 anos, sendo a lei que mais provoca controvérsia atualmente no País, seja pela complexidade e abrangência, ou pelo desconhecimento acerca do que a norma garante em termo de proteção de direitos de crianças e adolescentes.

O debate em torno do estatuto é tão raso que, para a opinião pública, ele é reduzido a “proteger” adolescentes em conflito com a lei. Na maioridade das vezes interpretado como a “lei da impunidade”. No entanto, a realidade é que o Ecriad é um instrumento garantidor de proteção integral da dignidade e dos direitos na infância e na juventude.

A falta de implementação das diretrizes traçadas no Ecriad é reflexo da falta de interesse dos governos com a criação de políticas públicas continuadas, multidisciplinares e com recursos garantidos para que a integralidade dos direitos de crianças e adolescentes seja aplicada desde o momento do nascimento.

O Estado é um dos exemplos sobre como a falta de aplicação das diretrizes do estatuto é nociva para a juventude. No Espírito Santo, os jovens, sobretudo os pobres e negrs, são as principais vítimas de homicídios e os mais encarcerados, seja no sistema socioeducativo ou no sistema prisional.

De acordo com o Mapa da Violência 2015 – adolescentes de 16 e 17 no Brasil, a taxa de homicídios de adolescentes de 16 e 17 anos negros no Estado em 2013 ficou em 177,6 por 100 mil, enquanto a de brancos ficou em 50,7. Para os adolescentes negros, Alagoas e Espírito Santo praticamente triplicam a média nacional de 66,3 homicídios por 100 mil adolescentes negros.

Esta violência letal que atinge adolescentes, principalmente negros e pobres, no Estado é reflexo de uma vida inteira de negligência de direitos desta parcela da população. Faltam garantias de acesso à saúde, educação, cultura, lazer e esporte, que refletem na vitimização e nas altas taxas de homicídios.

De acordo com o coordenador do Fórum Estadual da Juventude Negra (Fejunes) e conselheiro do Conselho Estadual da Juventude (Cejuve), Luiz Inácio Silva da Rocha, o Lula, vê-se muito pouco do Ecriad colocado em prática no Estado. Ele aponta que faltam recursos para a implementação de políticas públicas para crianças e adolescentes.

Lula Rocha ressalta que a falta de continuidade de programas quando mudam os governos prejudica ainda mais a implantação de políticas públicas. Ele conta que se, minimamente, a estrutura se mantivesse, esta continuidade poderia ser dada. Mas o que se vê é uma Gerência de Juventude e uma Subsecretaria de Direitos Humanos sem recursos e esvaziada.

Também fica difícil colocar em prática no Estado o que dispõe o estatuto sem que haja vontade política para tal. Entidades e defensores dos direitos construíram, depois de muito diálogo com a sociedade, o Programa Estadual de Direitos Humanos (PeDH) e o Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos(PeEDH) que ainda não foram publicados.

Os dois instrumentos poderiam levar informação e formar uma sociedade consciente sobre a importância da garantia de direitos, mas a falta de publicação também deixa os documentos à sombra.

Maioridade penal

A falta de interesse acerca da discussão do que o Ecriad leva a um debate raso e imediatista a respeito da redução da maioridade penal. A Câmara dos Deputados, depois de uma “pedalada regimental”, aprovou, em 2 de julho, em primeiro turno, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/93, que prevê redução da maioridade penal de 18 para 16 anos para crimes graves.

Esta votação reflete o que reivindica a sociedade civil, que foi iludida pela tese senso comum que a redução da maioridade reduzirá também a violência. No entanto, o adolescente é colocado nesta equação como um “bode expiatório” para os fracassos sociais das polícias públicas voltadas à juventude nestes 25 anos de estatuto.

O sistema socioeducativo, que é previsto no estatuto, já estabelece punição para o adolescente, de acordo com a gravidade do ato infracional praticado. O cumprimento da medida é tão rígido quando o do sistema prisional, mas respeita as particularidades desta faixa etária e tem o objetivo de garantir que o adolescente tenha garantido o direito do acesso à educação enquanto cumpre a medida.

O estatuto, ao contrário do que os defensores da PEC argumentam, não propõe impunidade, mas a responsabilização do adolescente. Para que a criminalidade seja reduzida, é preciso que haja ações nas causas da violência que são de ordem psíquica, social, política e econômica.

Além disso, o Mapa do Encarceramento – os jovens do Brasil, da Secretaria-Geral da Presidência da República, em parceria com a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil, mostra que apenas uma pequena parcela da sentença contra adolescentes é em razão de cometimento de crime grave. No Estado, a maioria dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa entre 2011 e 2012 estava no sistema por cometimento de roubo, seguido de homicídio e tráfico de drogas.

De acordo com o estudo, apesar dos discursos exaltados em favor da redução da maioridade penal, constatou-se que os delitos graves são a minoria entre os delitos dos adolescentes processados. Além disso, este discurso de que a redução poderia aplacar a violência é inflado pela grande mídia, que divulga, de tempos em tempos, crimes hediondos cometidos por adolescentes em tons alarmistas, aumentando o medo e a sensação de insegurança.

Seminário

Durante toda esta segunda-feira (13), no auditório do Instituto Federal do Estado (Ifes), está sendo realizado um seminário em menção aos 25 anos do Ecriad. Durante a manhã, foram discutidos o sistema socioeducativo e os desafios para a implementação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) no Estado.

O Sinase transformado recentemente em lei, prevê a implementação de um Plano de Atendimento Socioeducativo discriminando a oferta de programas destinados à execução das medidas socioeducativas em meio aberto – de responsabilidade dos municípios – e privativas de liberdade – de responsabilidade dos governos estaduais.

No Estado, além de o Sinase não estar estruturado, é um dos que apresenta as piores situações, de acordo com levantamento de 2012 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR).

A falta de estruturação do Sinase também se reflete na alta taxa de encarceramento de adolescentes no sistema socioeducativo. De acordo com oMapa do Encarceramento, no Estado, em 2012 havia 651 adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, o que representa taxa de 181 adolescentes em cumprimento de medida para cada grupo de 100 mil habitantes.

A maioria dos adolescentes encarcerados estava em cumprimento de medida socioeducativa em regime de internação. No Espírito Santo, uma parcela irrisória dos adolescentes em cumprimento de medidas estavam em semiliberdade, que é também a medida menos aplicada no País, embora devesse ser a regra, até mesmo pelo menor potencial ofensivo dos atos infracionais cometidos por adolescentes.

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