Conselheiro reeleito questiona cassação e candidato pediu anulação do pleito
Os novos conselheiros tutelares de Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Espírito Santo, para o mandato de 2024 a 2028, tomaram posse nessa quarta-feira (10), em cerimônia realizada na Câmara de Vereadores. Apesar disso, o processo ainda não está pacificado. O conselheiro Romário Manzoli, que assumiria seu terceiro mandato, foi cassado sob a alegação de abuso de poder político, o que ele classifica como perseguição. E um outro candidato entrou com ação judicial para impugnar a eleição realizada em outubro passado.
A ação judicial, a qual Século Diário teve acesso, tem como requerente Lucas Carvalho da Rocha, que não foi aprovado na prova eliminatória, uma etapa preliminar à realização da eleição. O edital do processo eleitoral indicava que seriam aprovados apenas aqueles atingissem, no mínimo, 60% de acerto na prova.
Entretanto, menos de 20 pessoas alcançaram esse patamar, o que poderia impugnar a eleição, já que o Conselho Tutelar necessita de, pelo menos, dez integrantes titulares e dez suplentes. Com isso, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Consemca), que é ligado à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (Semdes) e tem representantes da sociedade civil e do Poder Público, decidiu baixar o percentual de acerto para 50%, a partir da Resolução 234, de 3 de julho de 2023.
No texto da ação de Lucas Carvalho da Rocha, assinado pelo advogado Marcos Nelson Rodrigues dos Santos, argumenta-se que o correto seria o Consemca reabrir as inscrições e realizar um novo procedimento.
“Buscando uma forma de não desrespeitar o edital, o Consemca feriu a legalidade, ao diminuir o percentual de acertos para aproveitar mais candidatos, algo que está completamente fora das disposições editalícias, pois não há qualquer permissão para alteração do percentual de acerto da prova objetiva, assim como não há permissão para seguir o processo de escolha sem que exista ao menos 20 candidatos habilitados”, diz a ação.
Em resposta, a presidente do Consemca, Ana Paola Mariano Viana, argumenta que o procedimento referente à prova objetiva se deu com o consentimento do Ministério Público, e que não haveria tempo hábil para a realização de uma nova avaliação. “O calendário para eleição e posse do Conselho Tutelar é nacional, não seria viável fazer outro procedimento. Infelizmente, tivemos um número muito baixo de candidatos inscritos”, relata.
Candidato cassado
No caso do psicólogo Romário Manzoli, terceiro mais votado na eleição com 355 votos, a cassação se deu por suposto abuso de poder político, com o processo se iniciando com uma denúncia feita ao Ministério Público e depois encaminhada à Comissão Eleitoral. Isso por conta das declarações de dois vereadores. Diogo Lube (PP) publicou vídeo nas redes sociais declarando voto em Romário. Já Osmar Chupeta (Republicamos) disse no plenário da Câmara Municipal que transportou eleitores para votar no conselheiro.
Romário nega que tenha qualquer relação com os vereadores, e afirma que não foi dado tempo hábil para a realização de sua defesa. Ele também aponto vícios no processo, como o fato de os vereadores não terem sido ouvidos e de a sua cassação ter sido tratada numa reunião ordinária do Consemca, junto a outros temas, e não extraordinária, como seria o correto em sua visão. Filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), ele afirma ser vítima de perseguição política, acusando interesse de um de seus suplentes.
“De tudo que eu estou vivendo, vejo que é uma perseguição. São oito anos como conselheiro tutelar no Zumbi, um dos bairros mais populosos de Cachoeiro, e vem ano eleitoral pela frente. Não me dou por derrotado porque sou uma pessoa íntegra, vou questionar a cassação até no Supremo Tribunal Federal, se for preciso”, afirma.
A presidente do Consemca, por sua vez, refuta as informações, e diz que o vídeo do vereador Osmar Chupeta era uma prova “clara”. Ela também argumenta que a Comissão Eleitoral tentou acelerar as ações para que desse tempo de Romário apresentar suas alegações antes da posse do Conselho, e que o advogado do psicólogo não fez a sustentação oral da defesa na reunião de dezembro do Consemca que definiu a cassação por unanimidade, tendo alegado falta de tempo hábil na preparação. “Em nenhum momento a gente tentou postergar esse processo”, ressalta.
Para o vereador Diogo Lube, a decisão pela cassação foi arbitrária. “É muito estranho, porque nem eu e nem o vereador Chupeta fomos arrolados nesse processo. Eu manifestei o meu voto como um cidadão, não como um vereador, e esse é um direito que todos nós temos”, comenta.
Apesar de ata do Consemca ser um documento público, ela ainda não foi publicada no Diário Oficial do Município e no site da Prefeitura de Cachoeiro. Segundo Ana Paola, a ata ainda aguarda as assinaturas dos conselheiros para ser publicada. Romário também não quis compartilhar a documentação relativa ao seu processo, alegando que estavam em segredo de justiça.
Composição
Além de Romário, a composição do Conselho Tutelar contou com outras mudanças em relação ao resultado da eleição. A conselheira Nazareth Silveira não pode assumir um novo mandato, por causa de uma questão de saúde – ela foi homenageada no dia da posse do novo mandato. Já Diego Araujo também não pode assumir por conta de um processo que está em segredo de justiça.
No lugar dos três, foram nomeados os suplentes Pastor Edivaldo Luiz, Gutemberg Fraga e Eliane Carvalho. Além desses, assumiram como titulares: Lilian Debona, Jessé Pereira Martins, Luiz Sergio Amparo, Williana Silva Miranda, Elizabeth Davel, Tiago de Oliveira Ribeiro e Lúcia de Farias.
Já os suplentes, são: Heitor dos Santos Ribeiro, Henrique Celso da Silva, Ednardo da Silva Souza, Alex Frisso da Rosa, Samuel Silva Pereira, Gedalias da Silva e Izabel Cristina Ribeiro.
Polêmicas em outras cidades
No Espírito Santo, pelo menos outros dois municípios tiveram judicialização nas eleições do Conselho Tutelar. Na Serra, também houve controvérsias no modo de aplicação de uma prova, e o Ministério Público deu parecer contrário ao pleito, apesar de liminar liberando a realização.
Em Guarapari, a Organização Não Governamental (ONG) Transparência Guarapari acionou o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) solicitando impugnação da eleição para o Conselho Tutelar. A motivação, conforme consta em ofício, é que diversas regiões da cidade não contaram com urnas para votação, o que impossibilitou a participação de eleitores.
Neste ano, as eleições para conselheiros tutelares tiveram participação recorde no Brasil. Segundo o Ministério dos Humanos e da Cidadania (MDHC), estima-se que o comparecimento de eleitores tenha aumenta 25% em relação ao pleito de 2019. Muito disso se deve a uma ofensiva da extrema-direita para ocupar esses espaços e à reação da esquerda na mobilização de eleitores.
Século Diário procurou a Prefeitura de Cachoeiro, que informou, em nota, que apenas cumpriu decisão judicial, no caso da cassação de Romário, e não foi notificada de ação de anulação da eleição. O jornal não conseguiu contato com o vereador Osmar Chupeta.