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Entidades cobram fim do convênio entre o Estado e a Clínica Santa Isabel

Um grupo de 25 entidades divulgou uma nota de repúdio à proposta de renovação do convênio entre o governo do Estado, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), com a Clínica de Repouso Santa Isabel, localizada em Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Estado. A clínica é alvo de frequentes denúncias de espancamento, falta de higiene e a aplicação de injeção em represália a pacientes que reclamam das condições do local.

Para as entidades, é inadmissível a proposta de renovação do convênio que, embora presente a redução dos leitos psiquiátricos, apresenta aumento do valor das diárias por paciente. Para os colegiados, a redução de leitos psiquiátricos não representa o aumento na qualidade do atendimento, já que se mantém a lógica de um tratamento excludente e manicomial. “Reafirmamos que o cuidado com as pessoas com transtorno mental deve ser pautado na dignidade humana e em liberdade”, diz a nota.

Os signatários também apontam que sustentar um convênio com a Clínica Santa Isabel representa um retrocesso na Reforma Psiquiátrica capixaba, já que o Estado tem uma rede de serviços substitutivos desarticulada e quase inexistente em alguns municípios, o que torna urgente a implementação e a consolidação imediata da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). “Reafirmamos que o recurso repassado aos serviços com características manicomiais poderia ser investido nessa rede que prevê a atenção e o cuidado em liberdade, com dignidade e respeito”.

Um censo realizado no estabelecimento em março de 2013 constatou que, apesar de receber mais pacientes, a clínica ainda não havia sido desativada. Em 2012, uma inspeção do Conselho Regional de Medicina (CRM) constatou que o estado de conservação do setor do Sistema Único de Saúde (SUS) da clínica era ruim, que a higiene e a limpeza eram inadequadas, havia falta de higienização pessoal e bucal dos pacientes, além de número de profissionais insuficiente para atender a demanda.

O resultado do censo não foi amplamente divulgado pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), o que impossibilitou intervenções efetivas e as responsabilizações sobre as denúncias. O objetivo do censo era identificar e avaliar os serviços prestados – diante das inúmeras denúncias de diversas formas de violação de direitos humanos na instituição – além de iniciar o processo de desinstitucionalização dos pacientes internados.

O mesmo constatou o Conselho Regional de Enfermagem (Coren-ES), que destacou que o número de enfermeiros e de técnicos em enfermagem era inferior ao que preconiza a portaria nº 251/02 do Ministério da Saúde.

Além disso, o Coren atestou falta de materiais para atendimento de emergências, instalações sanitárias inadequadas e estrutura física em desacordo com a Resolução RDC nº 50/2002, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O documento ressalta que as práticas deste governo divergem com as deliberações da IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial e com a Portaria 2.840/2014 do Ministério da Saúde, que estabelece que o processo de desinstitucionalização deverá prosseguir nos estados a fim de concretizar a Reforma Psiquiátrica e criar um programa de desinstitucionalização integrante do componente Estratégias de Desinstitucionalização da RAPS, no âmbito do SUS. Por isso, a renovação do convênio com a Clínica Santa Isabel implica na sustentação e reprodução do modelo manicomial, que também predomina nos serviços prestados no Estado.

As entidades solicitam o descredenciamento imediato da Clínica Santa Isabel com o SUS e que o recurso seja realocado nos serviços substitutivos, assim como a intervenção dos órgãos de controle social da Política de Saúde e da Sesa na instituição para a fiscalização e monitoramento do estabelecimento.

Mortes

Nas últimas décadas, embora não haja dados oficiais, foram contabilizadas diversas mortes no interior da clínica. A mais recente foi a de um jovem em 30 de agosto deste ano, que teve óbito apontado pela instituição como “morte natural”, tendo o quadro de hipertensão arterial contribuído para a morte. No entanto, o paciente não tinha histórico de hipertensão.

Outro caso que se tornou emblemático foi a morte de Ana Carolina Heiderich, que morreu enquanto estava internada na clínica, em 2006. A mãe de Ana Carolina, Nercinda Heiderich, chegou a ser processada e censurada, junto com a paciente Zulmira Fontes, pelo proprietário da clínica, Sebastião Ventury Baptista.

As informações sobre circunstâncias da morte de Ana Carolina foram negligenciadas pelo estabelecimento na ocasião da morte dela, o que levou a mãe a denunciar o caso ao Ministério Público Estado (MPES), que move ação contra os médicos Silvio Romero de Souza França, que atendeu Ana Carolina e Agostinho Sérgio Fava Leite, diretor clínico do estabelecimento na época. Os médicos foram denunciados por homicídio culposo.

Ana Carolina foi encaminhada para a Clínica Santa Isabel depois de Nercinda buscar atendimento para a filha no Centro de Atendimento Psiquiátrico Dr. Aristides (Capaac). A filha de Nercinda tinha um leve atraso mental decorrente de um parto malsucedido e no dia da internação estava muito agitada em casa.

Ao dar entrada na clínica, já mais calma, Ana Carolina foi encaminhada para dentro do estabelecimento para que fosse aferida a pressão enquanto a mãe conversava com o médico na sala de consulta. Nercinda declara que disse ao médico Sílvio Romero que a filha não poderia receber o medicamento Haldol em hipótese alguma, já que era alérgica ao remédio e ainda relatou ao médico os medicamentos que Ana Carolina usava.

A filha de Nercinda ficou internada na clínica por cinco dias e ela foi informada que não poderia visitá-la nos primeiros cinco dias. No quinto dia de internação, Nercinda foi visitar a filha, mas não teve acesso a ela, sendo encaminhada à sala da assistência social, onde foi informada que Ana Carolina havia morrido no dia 4 de dezembro de 2006.

Entidades que assinam a nota

 
Sindicato dos Servidores Públicos do Estado (Sindipúblicos-ES)
Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme)
Associação dos Usuários e Familiares do Serviço de Saúde Mental de Belo Horizonte (Assusam)
Associação dos Usuários e Familiares do Serviço de Saúde Mental de João Molevade (Assume)
Associação de Usuários e Familiares Loucos por Você de Ipatinga
Associação dos Usuários e Familiares do Serviço de Saúde Mental Maluquinhos por Você (Governador Valadares-MG)
Centro Acadêmico Livre de Psicologia UFES (Calpsi/Ufes)
Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia 04ª Região/MG (CRP-MG)
Coordenação Nacional de Estudantes de Psicologia (Conep)
Coletivo Regional dos Estudantes de Psicologia do Espírito Santo (Corep/ES)
Conselho Regional de Psicologia 16ª Região (CRP-ES)
Conselho Regional de Serviço Social 17ª Região/ES (Cress/17ª Região)
Fórum Capixaba em Defesa da Saúde Pública
Fórum de Mulheres do Espírito Santo
Fórum Metropolitano sobre Drogas
Fórum Mineiro de Saúde Mental
Grupo de Estudos Fênix – Serviço Social Ufes
Grupo de Pesquisa e Estudos – Políticas Públicas e Práticas em Saúde Mental – Ufes
Movimento de Direitos Humanos de Marataízes
Movimento pela Despatologização da Vida
Núcleo Estadual da Luta Antimanicomial do Espírito Santo
Sindicatos dos Enfermeiros no Estado do Espírito Santo (Sindefermeiros)
Sindicato dos Funcionários Ativos e Inativos da Câmara e Prefeitura Municipal de Vila Velha
Sindicato dos Psicólogos de Minas Gerais
Sindicato dos Psicólogos do Espírito Santo (Sindpsi-ES

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