Para as entidades, é inadmissível a proposta de renovação do convênio que, embora presente a redução dos leitos psiquiátricos, apresenta aumento do valor das diárias por paciente. Para os colegiados, a redução de leitos psiquiátricos não representa o aumento na qualidade do atendimento, já que se mantém a lógica de um tratamento excludente e manicomial. “Reafirmamos que o cuidado com as pessoas com transtorno mental deve ser pautado na dignidade humana e em liberdade”, diz a nota.
Os signatários também apontam que sustentar um convênio com a Clínica Santa Isabel representa um retrocesso na Reforma Psiquiátrica capixaba, já que o Estado tem uma rede de serviços substitutivos desarticulada e quase inexistente em alguns municípios, o que torna urgente a implementação e a consolidação imediata da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). “Reafirmamos que o recurso repassado aos serviços com características manicomiais poderia ser investido nessa rede que prevê a atenção e o cuidado em liberdade, com dignidade e respeito”.
Um censo realizado no estabelecimento em março de 2013 constatou que, apesar de receber mais pacientes, a clínica ainda não havia sido desativada. Em 2012, uma inspeção do Conselho Regional de Medicina (CRM) constatou que o estado de conservação do setor do Sistema Único de Saúde (SUS) da clínica era ruim, que a higiene e a limpeza eram inadequadas, havia falta de higienização pessoal e bucal dos pacientes, além de número de profissionais insuficiente para atender a demanda.
O resultado do censo não foi amplamente divulgado pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), o que impossibilitou intervenções efetivas e as responsabilizações sobre as denúncias. O objetivo do censo era identificar e avaliar os serviços prestados – diante das inúmeras denúncias de diversas formas de violação de direitos humanos na instituição – além de iniciar o processo de desinstitucionalização dos pacientes internados.
O mesmo constatou o Conselho Regional de Enfermagem (Coren-ES), que destacou que o número de enfermeiros e de técnicos em enfermagem era inferior ao que preconiza a portaria nº 251/02 do Ministério da Saúde.
Além disso, o Coren atestou falta de materiais para atendimento de emergências, instalações sanitárias inadequadas e estrutura física em desacordo com a Resolução RDC nº 50/2002, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O documento ressalta que as práticas deste governo divergem com as deliberações da IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial e com a Portaria 2.840/2014 do Ministério da Saúde, que estabelece que o processo de desinstitucionalização deverá prosseguir nos estados a fim de concretizar a Reforma Psiquiátrica e criar um programa de desinstitucionalização integrante do componente Estratégias de Desinstitucionalização da RAPS, no âmbito do SUS. Por isso, a renovação do convênio com a Clínica Santa Isabel implica na sustentação e reprodução do modelo manicomial, que também predomina nos serviços prestados no Estado.
As entidades solicitam o descredenciamento imediato da Clínica Santa Isabel com o SUS e que o recurso seja realocado nos serviços substitutivos, assim como a intervenção dos órgãos de controle social da Política de Saúde e da Sesa na instituição para a fiscalização e monitoramento do estabelecimento.
Mortes
Nas últimas décadas, embora não haja dados oficiais, foram contabilizadas diversas mortes no interior da clínica. A mais recente foi a de um jovem em 30 de agosto deste ano, que teve óbito apontado pela instituição como “morte natural”, tendo o quadro de hipertensão arterial contribuído para a morte. No entanto, o paciente não tinha histórico de hipertensão.
Outro caso que se tornou emblemático foi a morte de Ana Carolina Heiderich, que morreu enquanto estava internada na clínica, em 2006. A mãe de Ana Carolina, Nercinda Heiderich, chegou a ser processada e censurada, junto com a paciente Zulmira Fontes, pelo proprietário da clínica, Sebastião Ventury Baptista.
As informações sobre circunstâncias da morte de Ana Carolina foram negligenciadas pelo estabelecimento na ocasião da morte dela, o que levou a mãe a denunciar o caso ao Ministério Público Estado (MPES), que move ação contra os médicos Silvio Romero de Souza França, que atendeu Ana Carolina e Agostinho Sérgio Fava Leite, diretor clínico do estabelecimento na época. Os médicos foram denunciados por homicídio culposo.
Ana Carolina foi encaminhada para a Clínica Santa Isabel depois de Nercinda buscar atendimento para a filha no Centro de Atendimento Psiquiátrico Dr. Aristides (Capaac). A filha de Nercinda tinha um leve atraso mental decorrente de um parto malsucedido e no dia da internação estava muito agitada em casa.
Ao dar entrada na clínica, já mais calma, Ana Carolina foi encaminhada para dentro do estabelecimento para que fosse aferida a pressão enquanto a mãe conversava com o médico na sala de consulta. Nercinda declara que disse ao médico Sílvio Romero que a filha não poderia receber o medicamento Haldol em hipótese alguma, já que era alérgica ao remédio e ainda relatou ao médico os medicamentos que Ana Carolina usava.
A filha de Nercinda ficou internada na clínica por cinco dias e ela foi informada que não poderia visitá-la nos primeiros cinco dias. No quinto dia de internação, Nercinda foi visitar a filha, mas não teve acesso a ela, sendo encaminhada à sala da assistência social, onde foi informada que Ana Carolina havia morrido no dia 4 de dezembro de 2006.
Entidades que assinam a nota