O governo do presidente Jair Bolsonaro formalizou sua candidatura a um assento no Conselho de Direitos Humanos da ONU para um novo mandato de três anos. Diferente da candidatura anterior, de 2016, desta vez o Brasil não faz qualquer menção sobre os temas de “migração e refúgio” e “tortura”. Esse fato pode levar o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) se posicionar contra a candidatura do Brasil em Genebra, na Suíça. Quem afirma é o presidente do CDNH, Leonardo Pinho.
O CNDH é um órgão com representantes do Legislativo, do Conselho Nacional de Justiça, de três ministérios, da Polícia Federal e também de entidades da sociedade civil, como a OAB. Ele tem caráter consultivo e de fiscalização, mas não tem poder para definir políticas públicas. “Nós vamos submeter o documento [da candidatura brasileira] às nossas comissões permanentes, como a de LGBT, e vamos construir uma resposta crítica no mês de agosto”, disse Pinho. O encontro geral da CNDH está programado para acontecer no mês que vem e, então, a entidade poderá até se posicionar contra a própria candidatura do Brasil, segundo ele.
Segundo entidades de Direitos Humanos que criticam o documento enviado pelo Brasil, contraditoriamente, no mesmo documento em que apresentou sua candidatura, o País reitera seu compromisso na implementação das recomendações aceitas no processo da RPU (Revisão Periódica Universal) de 2017. Durante o último ciclo da RPU, os Estados membros do Conselho de Direitos Humanos da ONU fizeram ao país dez recomendações relacionadas a temas de migração e refúgio e nove relacionadas a tortura.
“Ao apresentar sua candidatura para um novo mandato, o Brasil reforça sua política ambígua em relação ao multilateralismo. Como candidato, Bolsonaro criticou abertamente o Conselho e a ONU e chegou a dizer que retiraria o país do Conselho de Direitos Humanos”, afirma Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas. “É essencial que, ao ocupar um assento no Conselho, o Brasil tenha consciência de suas responsabilidades na defesa interna e externa dos direitos humanos, incluindo temas como migração, refúgio e combate à tortura”, acrescenta.
Entre as recomendações feitas ao Brasil durante o último ciclo da RPU está a necessidade de melhorar a precária situação dos presídios brasileiros e de fortalecer os mecanismos de prevenção e combate à tortura. Em julho, entretanto, o governo publicou um decreto em que exonerava os peritos independentes do mecanismo nacional de prevenção e combate à tortura, órgão responsável por inspecionar violações em prisões e em outros locais de privação de liberdade.
“A omissão de compromissos claros na defesa de migrantes e refugiados e no combate à tortura em seu documento de candidatura não é uma escolha aleatória, mas um recado político. Na posição de membro do Conselho, entretanto, o Brasil está mais sujeito ao escrutínio e crítica da comunidade internacional. Retrocessos em políticas domésticas de combate à tortura não passarão despercebidas”, conclui Asano.
Como Estado membro do Conselho de Direitos Humanos, o Brasil pode apresentar e votar resoluções em plenário. Se eleito, assume o assento até 2022, mas pelas regras da ONU, não poderá assumir um terceiro mandato consecutivo e só poderá voltar a se candidatar em 2023. O Brasil já havia sido membro durante quatro mandatos (2006 – 2011, 2013 – 2015, e 2017 – 2019).
Em nota, o Itamaraty (nome pelo qual o Ministério das Relações Exteriores também é conhecido) diz que tentou demonstrar transparência e disposição de diálogo com o CNDH, e que a elaboração do texto compete ao governo.
Para Gilmar Ferreira, do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra, é necessário que o Conselho Nacional de Direitos humanos e as entidades nacionais se manifestem duramente contrários às posições adotadas pelo Brasil nos organismos internacionais. “Esses Órgãos têm o dever de monitorar o cumprimento das normativas internacionais de Direitos humanos dos quais o Brasil é signatário. É preciso deixar claro que esse posicionamento do Governo federal e de seus representantes não representa os órgãos e entidades de Direitos humanos no Brasil e contra o qual devemos nos opor”.
Segundo Gilmar, o Brasil tem protagonizado grandes retrocessos internos e também junto a comunidade internacional. “Além de destruir o que conquistamos com luta e sacrifício agora se aproxima, defende e vota favoravelmente a medidas ditatoriais, fundamentalistas remontando aos tempos do fundamentalismo religioso e medieval”.
E finaliza: “Desde o Golpe de 2016, assistimos estarrecidos o constrangimento de ver o governo desrespeitando, confrontando e desafiando os organismos internacionais de Direitos humanos”.