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‘ES ainda tem muitas dificuldades para garantir o direito ao aborto legal’

Frente capixaba defende trabalho legislativo e formativo em relação aos direitos reprodutivos das mulheres

Dominique Lima

Formação de agentes públicos e cidadãos para o respeito aos direitos reprodutivos e de saúde das mulheres. Mobilização das casas legislativas para retomar pautas visando garantir o acesso das mulheres às ferramentas legais já existentes e ampliá-las, a exemplo das conquistas já alcançadas em outros países da América Latina.

Essas são medidas que voltam a encontrar um cenário propício para implementação, neste início de 2023, com o desligamento do Brasil do chamado “Consenso de Genebra”, anunciado pelo Itamaraty na última terça-feira (17), o que traz o país, agora sob gestão do presidente Lula (PT), novamente para o grupo dos que atuam na defesa do direito ao aborto legal (gravidez decorrente de estupro; risco à vida da gestante; ou anencefalia do feto). A avaliação é da educadora Elda Alvarenga, integrante do coletivo Católicas pelo Direito de Decidir e da Frente pela Liberalização do Aborto (FLA) no Espírito Santo.

“A gente entende que agora é preciso fazer um movimento no Legislativo, para que continue garantindo o direito que já está na lei, disponibilizando as condições para atender a esse direito, além de buscar ampliar a descriminalização”, pontua a ativista. “Também precisa ser feita uma pauta formativa, entre homens e mulheres. É preciso que as polícias sejam formadas, o pessoal da saúde, da educação … Uma formação política, sindical e também dentro das Igrejas, para conseguirmos uma mudança de concepção da sociedade, evidenciando o aborto como uma questão de saúde pública, que ele é”, complementa.

Elda conta que “a Frente está caminhando nessa linha, de evidenciar essas questões, ampliar o debate” e que, no Estado, há entraves acima da média para a garantia dos direitos reprodutivos e de saúde das mulheres. “O Espírito Santo ainda tem muitas dificuldades para garantir o direito ao aborto legal”, afirma, citando como exemplo dessa violação o caso recente da menina de dez anos que engravidou do tio e precisou ir para Pernambuco para conseguir interromper a gestação.

“O Hucam [Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes] se negou a fazer, mesmo sendo hospital de referência. Uma ação está correndo no Ministério Público pedindo explicações. A ação pede também que, se ele não tem condições, que crie essas condições”.

São casos que aparecem pelos movimentos de mulheres, mas muitos a gente nem fica sabendo. Movimentos que, salienta, precisam ser feitos com muito cuidado dentro de uma sociedade extremamente conservadora que é a capixaba. “As reuniões são em regime quase secreto. As ativistas são muitas vezes perseguidas. Mesmo dentro do movimento feminista tem mulheres contrárias ao aborto, pautadas na religião. É diferente da pauta da creche, que unifica o movimento de mulheres, especialmente as pobres, mas que as ricas não falam contra”, compara.

Saúde pública

Em âmbito nacional, a ativista entende que a saída do Consenso de Genebra reinsere o Brasil no contexto de lutas da América Latina. “A gente caminhava muito parecido com outros países, mas nos últimos anos, foi uma regressão”.

O momento, afirma, é oportuno para “dar um salto e ampliar a descriminalização do aborto”, no sentido de que “o corpo das mulheres precisas ser respeitado e o estado não pode agir a partir de uma ótica religiosa, porque o estado é laico”. A interferência do estado com base em princípios religiosos, ressalta é uma grande contradição. “As ações devem ser pautadas nas pesquisas, nos índices de mulheres que morrem em clínicas clandestinas ou em casa, pensar como uma questão de saúde pública”.

Opinião pública

Em entrevista à BBC Brasil, a antropóloga Lia Zanotta Machado, professora da Universidade de Brasília (UnB) ressalta que a decisão anunciada pelo Itamaraty é também “um sinal verde” para que o Supremo Tribunal Federal (STF) possa desengavetar uma ação que pede a legalização total do aborto nas 12 primeiras semanas de gestação, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 442.

A reportagem informa que algumas das últimas pesquisas feitas sobre o tema mostram um crescimento na aceitação da população em relação ao aborto da forma como ele está previsto na lei atualmente do que à ampliação do direito.

Uma pesquisa do Datafolha divulgada no início de junho mostrou que 39% dos brasileiros entrevistados consideram que a lei deve permanecer como está, enquanto 26% disseram acreditar que o aborto deve ser permitido em mais situações ou em todas as situações. Por outro lado, 32% disseram concordar com a total restrição da interrupção da gravidez no país. Em dezembro de 2018, a taxa era de 41%.

Em termos globais, a edição de 2021 do estudo Global Views on Abortion, da Ipsos, classificou o Brasil como o quinto país menos favorável à legalização total do aborto em um conjunto de 27 nações analisadas. Na pesquisa, 31% dos brasileiros disseram ser favoráveis à descriminalização do aborto sempre que for o desejo da mulher — a média nos países pesquisado foi de 46%.

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