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ES mantém disparidades entre orçamento de isenção fiscal e transferência de renda

Verba para população em extrema pobreza em 2021, que cresceu, equivale a 22,7% da isenção concedida à Suzano

Leonardo Sá

O orçamento de 2021 dedicado a políticas de transferência de renda para famílias em condição de extrema pobreza no Espírito Santo equivale a 22,7% da isenção fiscal concedida para a Suzano Papel e Celulose, cuja diretoria anunciou, há um mês, intenção de usar o dinheiro para construção de uma nova fábrica

Conforme apresentado nessa quinta-feira (14) pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) – “Evolução da Pobreza no Brasil e no Espírito Santo entre 2012 e 2021” (Nota Técnica nº 68/2022) – o governo do Estado aumentou em oito vezes a verba dedicada à transferência de renda, comparando os números de 2018 e 2021, saltando de R$ 17 para R$ 136,52 milhões. Isso, dentro do orçamento da Secretaria de Estado do Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social (Setades), que foi mais do que duplicado no período, passando de R$ 113 milhões para R$ 248 milhões.

O objetivo, ressalta o Instituto Jones na Nota Técnica, foi reduzir os efeitos danosos econômicos e sociais da pandemia de Covid-19 sobre a população, especialmente diante da baixa disponibilidade do governo federal em implementar políticas semelhantes que, naturalmente, são de maior alcance e responsabilidade da União do que dos entes federados. “Diante da crise nacional e da ausência equilibrada do Governo Federal no que concerne à política de proteção social, o governo do Estado assumiu para si e cumpriu com responsabilidades que foram fundamentais para manter os serviços funcionando nos 78  municípios capixabas”, expõe. 

A cifra, no entanto, apesar do grande incremento, equivale a menos de um quarto do valor concedido como benefício fiscal para a multinacional papeleira, ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria. Os números evidenciam o quanto o Espírito Santo está longe de assumir a relevância de políticas públicas realmente robustas de combate à fome. E como mantém, há mais de meio século, os privilégios de uma elite de empresários que drena recursos crescentes dos cofres públicos, produzindo passivos ambientais e sociais também crescentes. Pior, com resultados socioeconômicos ainda não comprovados, inflando a “caixa-preta” de isenções fiscais capixaba, cuja transparência ainda não tem horizonte de ser aperfeiçoada, pelo menos não pelas mãos do Poder Legislativo

Aumento da pobreza

O estudo mostra que, em 2021, o Espírito Santo alcançou 26,3% de sua população nessa condição, um aumento de 4,6 pontos percentuais em relação à média compreendida entre os anos de 2012 e 2019, o que corresponde a uma estimativa de 757,3 mil pessoas pobres. O percentual é um pouco menor do que a média nacional (29,4%) e maior que a média da região Sudeste (20,6%). 

Ainda em 2021, cerca de 274,6 mil (6,7%) estavam em extrema pobreza. A evolução do percentual de pessoas extremamente pobres no Brasil vem aumentando desde 2014, com exceção de 2020, período em que foi pago o Auxílio Emergencial pelo governo federal. No Espírito Santo, no entanto, destaca o Instituto Jones, “a proporção de pessoas em extrema pobreza diminuiu nos anos de 2018 e 2019, mantendo-se virtualmente estável em 2020 e aumentando em 2021”. 

No ranking nacional, essa ligeira mudança na curva da extrema pobreza no Estado, em relação ao Brasil, também resultou em avanço. “Enquanto entre 2013 e 2018 o Estado constava sempre como 11º ou 12º com menor parcela de PEP [pessoas extremamente pobres], entre 2019 e 2021, avançou respectivamente para a 9ª e 10ª posição”. Comparando as proporções, o Estado fechou 2021 com 6,7% de pessoas em extrema pobreza, um pouco abaixo da média nacional, de 8,4%.

A linha de pobreza adotada no presente estudo é a de US$ 5,50 per capita dia, indicada pelo Banco Mundial como limite abaixo do qual as pessoas não conseguem obter os recursos necessários para sobreviver em países de renda média alta. Por sua vez, a linha de extrema pobreza adotada é a de US$ 1,90 per capita dia, estabelecida pelo Banco Mundial tomando como base os países extremamente pobres. Na conversão dos valores para a moeda brasileira atual, os valores mensais obtidos são R$ 486,70 para a linha de pobreza e R$ 168,13 para extrema pobreza. 

Qualidade do emprego formal

Dados de outro estudo lançado nessa quinta-feira – pelo Observatório do Desenvolvimento Capixaba (ODC) e a Universidade e o Instituto federais do Espírito Santo (Ufes e Ifes) – contribuem para entender outros aspectos dessa engenharia de orçamentos estaduais. O Índice de Qualidade do Emprego Formal no Espírito Santo (IQEF-ES) evidenciou a depreciação do mercado formal capixaba, sob diversos critérios, entre 2007 e 2020. 

Numa escala de zero a um, o IQEF alcançou, na média estadual, a marca de 0,53. “O Índice mostrou que a qualidade do emprego formal no Estado é muito baixa”, resume a economista e professora do Ifes Érika Leal, uma das autoras do artigo.

Para calculá-lo, são consideradas três dimensões – Oportunidade, Sofisticação e Economia –, cada uma com três variáveis. As nove variáveis totais consideram, entre outros pontos: o percentual de jovens e mulheres empregados formalmente; a proporção de empregados com escolaridade mínima de ensino médio completo; renda; e estabilidade dos contratos de trabalho. 

Érika destaca algumas características do mercado formal de trabalho no Estado, segundo o Índice: os jovens ainda têm pouca oportunidade (são apenas 13,2% dos trabalhadores formais de 2020); as mulheres são minoria entre os empregados formais (44,4%), apesar de serem maioria da população; 80% das vagas no mercado formal de trabalho são para pessoas com no máximo o ensino médio incompleto. 

Sobre os impactos mais imediatos da pandemia, a autora ressalta que “as políticas de preservação do emprego, dos governos estadual e federal, foram importantes”. A perda de oito mil empregos formais em 2020, afirma, teria sido maior não fossem essas medidas. “Ao receberem auxilio emergencial, as pessoas aquecem a economia, mantém demanda por bens e serviços e, consequentemente, por empregos”. Já as reduções de taxas e impostos e empréstimos concedidos pelo Estado, complementa, ajudaram as empresas que as receberam a manterem empregos também. 

Surpreendeu o fato de que as microrregiões com economias mais dinâmicas foram as mais afetadas pela pandemia. Metropolitana, Litoral Sul, Central Sul e Rio Doce, onde estão as maiores indústrias de extração e transformação do Estado, sofreram as maiores quedas de qualidade e quantidade dos empregos. “Cinco mil dos oito mil perdidos foram na região metropolitana”, sublinha. São regiões que possuíam uma sofisticação maior na qualidade dos empregos. Ao perderem postos formais de trabalho, forçaram a uma queda importante do IQEF. 

Em 2007, explica a economista, os índices eram mais homogêneos entre as microrregiões, mas com a pandemia, as mais dinâmicas caíram mais. Já as regiões do interior menos dinâmicas – nordeste, noroeste, centro-oeste, central serrana, sudoeste serrana e Caparaó – mudaram pouco, continuando com índices ruins, mas na comparação com as que tiveram maior queda, acabaram ficando um pouco melhor no ranking. 

“A estrutura do mercado nessas regiões menos dinâmicas é o varejo, o comércio, os serviços…setores que, com o aporte de auxílios financeiros para a população de baixa renda, são aquecidos, porque são pessoas que fazem um consumo local e regional importante”. 

Essa mudança de cenário, ressalta, faz com que o interior do Estado, onde não há municípios-polo, tenha uma proporção maior de mulheres e jovens no mercado de trabalho formal. “Um jovem que procura seu primeiro emprego vai encontrar menos oportunidade na Grande Vitória”, pontuou. 

Renda mínima

Erika cita ainda um estudo em elaboração pelo Observatório, com base em dados do Instituto Jones pouco antes da pandemia, que apontava a necessidade de um investimento anual de R$ 633 milhões para erradicar a extrema pobreza no Espírito Santo. “O Jones está atualizando esse estudo e, acredito que o valor total vai ser maior do que esse”, pondera a acadêmica. 

Considerando, no entanto, o montante calculado antes da pandemia, o volume anunciado nessa quinta-feira relativo ao orçamento de R$ 136 milhões, aplicado em 2021 no combate à extrema pobreza, é bem inferior, cerca de 21,5%, do que foi calculado como minimamente necessário. 

“É mais que necessário incluir a população que hoje se encontra na extrema pobreza no orçamento estadual. Não há mais espaço para o avanço da desigualdade e pobreza, ao mesmo tempo em que, anualmente, o Tesouro Estadual apresenta superávits primários que já ultrapassaram R$ 1 bilhão”, reivindica. “Economia é ciência social aplicada. Nós nos formamos para ajudar as pessoas a terem uma vida melhor”, reforça. 

Considerando a necessidade de respeitar os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), Erika salienta a necessidade de encontrar fontes seguras de receitas para um programa realmente abrangente de erradicação da extrema pobreza. 

“Há diversas alternativas a serem estudadas para financiar um programa dessa natureza. Os recursos poderiam ser oriundos de fontes diversas que ampliam a base de arrecadação para os fundos e programas com foco na redução da pobreza, envolvendo desde medidas como a redução das renúncias fiscais à ampliação da taxação para produtos como armas, cigarros e bebidas alcoólicas, destinado a garantir a renda mínima para a população, o que permitiria ao estado alcançar maior justiça social ao mesmo tempo em que garantiria mercado de consumo permanente”, sugere.

“Programas deste tipo geram impactos em diversas dimensões, desde que sejam desenhados com os incentivos corretos à melhoria de vida da população, reforçando a rede de proteção social através de suas condicionalidades e do acompanhamento das famílias. Nesta perspectiva, é patente que as políticas sejam integradas para que não se reduza o combate à pobreza apenas à transferência direta de renda. O acompanhamento das necessidades das famílias e o monitoramento das condições sociais são elementos cruciais para atacar a raiz do problema e transformar a realidade das pessoas do Estado”, recomenda.

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