Coordenador do Fórum de Segurança Alimentar aponta falhas de gestão
O III Plano de Segurança Alimentar e Nutricional (Plansan) projeta que o Brasil sairá do Mapa da Fome até 2026, um marco que não ocorre desde o impeachment da presidente Dilma, em 2016. No entanto, para que esse objetivo seja alcançado, é necessário que essa política de Estado se consolide desde o federal até o municipal, avalia o coordenador do Fórum de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional do Espírito Santo (Fosan), Rosemberg Moraes.
Desde o período da transição governamental, o presidente Lula demonstrou preocupação com o combate à fome, destacando esse compromisso em sua gestão, considera. O governo federal estruturou suas políticas para essa finalidade, contando com órgãos como a Caisan Nacional e a Secretaria Extraordinária de Combate à Pobreza e à Fome. “Se o desdobramento nos estados e nos municípios for de acordo com o que está pensado a nível nacional, sairemos sim, do Mapa da Fome”, projeta.

O 3º Plansan reforça o compromisso do governo federal com a erradicação da fome até 2026 e estabelece 18 estratégias intersetoriais e 219 iniciativas voltadas à segurança alimentar, considerando desafios como o aumento dos preços dos alimentos, a fome em territórios específicos e os impactos das mudanças climáticas. Na compreensão do coordenador do Fosan, para que esse plano seja eficaz, é fundamental que estados e municípios se comprometam com sua implementação.
“O Espírito Santo não tem proposta de enfrentamento à fome para os municípios executarem e serem parceiros. Enquanto o governo estadual não replicar do governo federal para que os municípios façam o mesmo, a política não funciona”, sustenta.
A nível estadual, ele observa que um dos desafios que se impõe é a falta de diálogo entre os estados e a sociedade civil. O pacto estabelecido com o governo federal não foi discutido amplamente, acrescenta. “Se está sendo feito alguma coisa, ninguém sabe. Nenhum conselho sabe, a sociedade civil não está sendo informada. Dessa forma, a implementação de políticas eficazes fica comprometida”, reitera.
Rosemberg critica as mudanças autoritárias do governo estadual, incluindo a sanção da Política de Segurança Alimentar e Nutricional do Estado do Espírito Santo (Polisan-ES) em dezembro último, sem a participação do Conselho — inativo desde julho de 2024 —, e a condução exclusiva do processo eleitoral do Consea-ES pelo poder público, ignorando as reivindicações de movimentos sociais expressas no “Banquetaço” político realizado em janeiro deste ano. “O governo fez tudo sem dialogar, e nós, na sociedade, sabemos da importância do conselho. Por isso, estamos incentivando as entidades a se inscreverem e a enviarem representantes que tenham conhecimento da política, para que possam atuar dentro do conselho e promover as mudanças necessárias na Polisan”, afirma.
Outro ponto crucial é a necessidade de entender a fome como um problema intersetorial, que ultrapassa a esfera da assistência social. Além disso, se o Estado não estabelece diretrizes claras para os municípios, eles também não terão um plano de ação definido, reforça. Para ele, o fortalecimento dos conselhos estaduais e municipais de segurança alimentar é essencial na efetivação dessas políticas.
Em âmbito nacional, um grande desafio é erradicar a fome entre as populações mais vulneráveis, que constituem o que os especialistas chamam de “núcleo duro da fome”. Nos dois primeiros anos do governo Lula, o Brasil conseguiu tirar cerca de 20 milhões de pessoas dessa situação, reduzindo o índice de insegurança alimentar grave para 4,1% da população.
No entanto, esse percentual definido é composto por pessoas que historicamente têm maior dificuldade de acesso às políticas públicas, como destaca o coordenador do fórum estadual. Rosemberg menciona como exemplo a população em situação de rua e as comunidades ciganas, que, por serem nômades e muitas vezes sem documentação, não conseguem acessar os serviços básicos. “O Cras não atende, a assistência não chega, a Secretaria de Direitos Humanos não chega a esse povo”, pontua.
Ele destaca a necessidade de reconhecer a vulnerabilidade de diferentes grupos sociais, como comunidades quilombolas, indígenas e povos tradicionais de matriz africana. “Um acampamento cigano tem que ser reconhecido como comunidade, como casa, e não como a lona, como é reconhecido”. Para ele, o combate à fome passa também pela superação do racismo estrutural, garantindo que todas as populações vulneráveis tenham acesso às políticas públicas.
Neste sentido, uma solução eficaz para enfrentar essa mazela social é a ampliação dos equipamentos públicos de segurança alimentar, como restaurantes populares, cozinhas comunitárias e bancos de alimentos. “Com um restaurante popular, você não pergunta qual o documento da pessoa. Se o Espírito Santo subsidiasse o município de Vitória, esse equipamento estaria funcionando e as pessoas teriam acesso a uma comida de qualidade”, observa. Dessa forma, ele argumenta que a alimentação chegaria diretamente a quem mais precisa, sem os entraves burocráticos que dificultam o acesso.
Como exemplo de iniciativa bem-sucedida no passado, o ativista pelo direito à alimentação adequada indica o programa Alimentar ES, que promovia a distribuição de alimentos de forma estruturada. Além disso, campanhas sociais como a Paz e Pão, da Arquidiocese de Vitória, demonstram a importância da participação da sociedade civil no combate à fome. Entretanto, barreiras burocráticas, como exigências rigorosas da vigilância sanitária, dificultam a implementação de novas cozinhas comunitárias e solidárias.

Dados insuficientes
O coordenador do Fosan também critica a ausência de um levantamento preciso sobre a fome no Espírito Santo. De acordo com o estudo IJSN Especial – Segurança Alimentar, divulgado pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) e elaborado com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) de 2023, 20,8% das famílias capixabas estão em situação de insegurança alimentar, sendo 2,2% em insegurança alimentar grave, caracterizada por falta de acesso regular a alimentos em quantidade e qualidade adequadas, comprometendo a saúde e o bem-estar. Os dados disponíveis são do governo federal, mas não há um diagnóstico específico do Estado.
“Sabemos que no interior a situação é muito crítica e que, no município da Serra, a população em insegurança alimentar equivale ao total de habitantes de Linhares. Essa informação é extraída dos dados do Cras, que tem uma burocracia que exclui grupos que não possuem documentação, por exemplo”, explica. Ele reforça que para que as políticas sejam eficazes, é fundamental a realização de pesquisas e estudos sobre a realidade local. “Se não existe levantamento, como fazer o diagnóstico? Como fazer o enfrentamento à fome no Estado?”, questiona.
Fortalecimento dos conselhos
Além disso, a falta de conselhos ativos nos estados e municípios compromete a execução das políticas. Em muitos locais, os conselhos existem apenas no papel, sem atuação efetiva. O Fórum de Segurança Alimentar e Nutricional defende que os estados incentivem a criação e fortalecimento desses espaços de participação social. “Precisa chegar nos territórios esse plano. Atualmente não existe um órgão de Estado que incentive e, sem isso, fica muito difícil falar em combate à fome.”
O coordenador do Fosan é categórico ao afirmar que, para que o Brasil saia do Mapa da Fome até 2026, é imprescindível que os estados e municípios façam sua parte, alinhem-se às diretrizes federais, garantam o diálogo, transparência e integração entre diferentes setores, para superar as limitações atuais e garantir que as políticas cheguem efetivamente a quem mais precisa. “Se não houver diálogo, não avança”, conclui.