Famílias ouvidas pela reportagem contam que, até o ano de 2015, conseguia-se, com certa facilidade e rapidez, os mandados judiciais necessários para que a Secretaria Estadual de Saúde (Sesa) arcasse com os custos do acompanhamento médico especializado e da manutenção e reposição de peças do aparelho (com custo unitário a partir de R$ 2 mil, na maioria das vezes). No entanto, há pouco mais de dois anos, os processos emperraram e as crianças têm voltado a ficar surdas, tendo de interromper o tratamento, o que causa transtornos diversos.
É o caso de Amanda Mariano de Souza, de 11 anos, operada há cinco em São Paulo. A mãe, Priscila Patrício Mariano, tem mais um filho e está desempregada, sobrevivendo apenas com o Benefício de Pensão Continuada (BPC) de R$ 955, já que o seu Bolsa Família foi cortado em janeiro último.
“A Amanda está sem ouvir desde dezembro´”, conta Priscila, enquanto, aos prantos, conta o drama da família. O aparelho não funciona há três meses, aguardando reposição, pelo Sitema Único de Saúde (SUS), de peças obsoletas. O orçamento da troca das peças, pedidas pelos médicos que acompanham Amanda, está em torno de R$ 9.400.
'Igual barata tonta'
Priscila vem tentando dar entrada com liminar judicial pela Defensoria Pública, mas não consegue. “Negaram meus lados [laudos oficiais de onde Amanda faz acompanhamento médico, no Hospital das Clínicas e na Universidade de Vila Velha – UVV], nem me atenderam devidamente. Me mandaram pro CRE Metropolitano [Centro Regional de Especialidades]. E lá, no setor jurídico, disseram que não podem fazer nada, que eu deveria ir pra Defensoria Pública”, relata, em desespero.
“Ela estava ouvindo, muito bem, desenvolvendo a fala, mas agora … não sei como vai ser”, diz. “O que que eu faço? Ou eu trabalho e corro atrás ou eu fico igual, sei lá, uma barata tonta, um peru bêbado pra lá e pra cá, e ninguém resolve minha situação”, chora.
Nessa segunda semana de março, conta Priscila, Amanda volta a fazer fonoaudiologia no Hospital das Clínicas. Mas, sem poder escutar, contará apenas com a técnica de leitura labial. “Amanda às vezes embirra, porque ela queria estar usando o aparelho, estar escutando. Vai ser um processo bem difícil”, prevê a mãe.
Nem com mandado judicial
Assim como Amanda, várias outras crianças estão na mesma situação, sem conseguir sequer entrar com pedido de liminar na Justiça. Lourdilene Mozer, mãe de Thalita, é uma das militantes entre as mães de crianças capixabas que passaram pela cirurgia coclear.
Thalita fez o procedimento em 2009 e, dois anos depois, conseguiu a liminar com facilidade. Até 2015, as reposições de peças e acompanhamento médico especializado aconteciam com facilidade. Mas agora, nem como o mandado judicial, os atendimentos estão sendo cumpridos. “Tem família que espera até nove meses pra receber um cabo ou uma bateria de reposição!”, indigna-se Lourdilene.
“Com o Paulo Hartung, complicou tudo: quando uma mãe consegue dar entrada na Justiça, esbarra na mão do juiz, que pede um monte de coisas, que ninguém nunca consegue”, diz, referindo-se a casos como o da Amanda e Priscila. “Fizemos várias audiências e passamos tudo para o secretário de Saúde, mas até agora nada”, reclama.