Escolas das redes estadual e municipais da Grande Vitória violam lei que garante o direito a pessoas trans e travestis
A vereadora de Vitória Camila Valadão (Psol) chamou atenção, nesta semana, para problemas relacionados ao uso do nome social em escolas municipais. Ela enviou um requerimento de informação à prefeitura, após denúncias de que estudantes enfrentam dificuldades para ter esse direito garantido, mesmo com uma lei municipal sobre o tema. Entidades que atuam na defesa da comunidade LGBTQIA+ no Estado afirmam que as violações são recorrentes em escolas de toda a Grande Vitória, sejam municipais ou estaduais.
“Não é um caso por ano. São casos que acontecem em Vitória, Serra, Cariacica e Vila Velha. E isso é subnotificado, porque quando aparece para a Associação Gold, quase todos foram por sensibilidade dos professores à pauta da pessoa trans e que conhecem a associação e pedem para encaminhar”, relata Deborah Sabará, coordenadora de ações e projetos Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade (Associação Gold).
No caso de Vitória, a vereadora Camila Valadão conta que recebeu as denúncias pelos canais de comunicação do gabinete. “Recebemos relatos de que essas pessoas não estão tendo direito ao nome social no ato da matrícula. Consequentemente, nas pautas, essas pessoas vêm sendo tratadas pelo nome do registro civil e não pelo nome social, o que, na nossa avaliação, fere a dignidade humana, os direitos humanos, e inclusive uma lei que existe no município de Vitória”, relata.
Trata-se da Lei Municipal N° 8.585, de 2013. A legislação, sancionada durante a gestão de Luciano Rezende (Cidadania), determina que as escolas do município devem incluir o nome social de travestis e transexuais nos registros escolares, como diários de classe, listas de divulgação pública, crachás e outros registros parecidos.
No requerimento, Camila destaca que as posturas denunciadas em Vitória também ferem a resolução nº 1, de 19 de janeiro de 2018, do Conselho Nacional de Educação, que confere a estudantes travestis e transexuais o direito de solicitar o uso do nome social nos registros escolares da educação básica.
“Essas pessoas estão sendo submetidas a constrangimentos em Vitória. A gente quer saber como isso vem sendo feito dentro da prefeitura e, se não vem sendo feito, vamos tomar as medidas cabíveis, denunciando aos órgãos competentes, para que a gente tenha esse direito garantido”, ressalta Valadão.
Ao longo do documento, a vereadora questiona quantos alunos e alunas transsexuais ou travestis estão matriculados atualmente na Rede Municipal de Ensino de Vitória; quantos desses já solicitaram a inclusão de nome social nos registros escolares; quantos pedidos foram atendidos e negados; e as justificativas para isso.
O documento também requer explicações sobre os protocolos adotados pela Secretaria Municipal de Educação (Seme) quando um aluno ou aluna solicita a inclusão do nome social nos registros escolares; além de questionar quais medidas têm sido adotadas pela pasta para garantir que os estudantes sejam informados dos meios para usufruir de seus direitos.
“Esse direito que não vem sendo garantido em Vitória fere completamente a dignidade humana, provoca constrangimento, sofrimento, e tudo isso por parte do Poder Público. Na nossa avaliação, é um completo desrespeito e, por isso, a gente vai cobrar que esse direito seja assegurado na nossa cidade”, conclui.
Conflitos familiares e a evasão escolar
A negação do direito ao próprio nome faz com que a escola, que deveria ser um local de acolhimento, se torne um espaço de constrangimento. Deborah Sabará explica que, quando os alunos são menores de idade, os conflitos começam dentro de casa, já que, nesses casos, é necessário ter autorização dos pais e responsáveis para a inclusão do nome social no registro escolar.
“Isso é uma outra problemática. Até que ponto, como adolescente, eu tenho o direito de escolher e tomar minha decisão? Eu já me defino como uma pessoa trans, mas quem me define pelo nome são os meus pais. Se os pais não estiverem preparados, não estiverem cientes, não forem sensíveis à luta dos seus filhos, eles vão negar esse direito”, enfatiza.
Sabará afirma que, este ano, a Associação Gold já recebeu denúncias relacionadas ao nome social nas escolas. Para ela, uma das consequências do problema é a evasão escolar desses alunos. “Nenhuma pessoa que transitou vai aguentar e suportar ser tratada pelo nome de registro, estando em outro gênero”, pontua.
A psicóloga Iasmyn Cerutti, que atua na Clínica Aconchego, dentro da Associação Gold, explica qual é o protocolo adotado pela instituição após o recebimento das denúncias. “Quando isso chega para nós, fazemos todo esse movimento de entrar em contato com a escola e mandar a portaria que obriga a mudança de nome na chamada. Geralmente, quando a gente faz esse encaminhamento, e mostra que existe essa lei, as escolas mudam”, explica.
Outra medida adotada pela Gold é se colocar à disposição da escola, caso a diretoria queira promover uma conversa sobre temas como diversidade de gênero e orientação sexual. “Essa denúncias só acontecem quando os professores são sensíveis, quando os pedagogos são sensíveis. Eles buscam alternativas para ajudar porque sabem que, se ajudar a pessoa trans, ajuda automaticamente nos estudos, ajuda automaticamente na saúde e no convívio dentro de casa. É a construção de uma rede mesmo, para funcionar”, enfatiza Sabará.