Contrato dos colegas que o apoiavam não foram renovados em 2022. Caso tramita na Corregedoria da Sedu
Tramita na Corregedoria da Secretaria de Estado da Educação (Sedu), a denúncia feita pelo professor de História Joatan Nunes Machado Junior, a respeito da discriminação e perseguição sofrida na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio (EEEFM) Oscar de Almeida Gama, em Araraí, zona rural de Alegre, na região do Caparaó, em março de 2021, motivada pela vestimenta adotada pelo professor: o uso de saias longas para trabalhar.
O professor prestou depoimento em audiência no início deste mês e aguarda a finalização da investigação, que deve ouvir também o acusado, o diretor, Paulo Eduardo Frinhani. Enquanto a investigação caminha, Joatan trabalha em outra escola.
“Meu contrato vencia em dezembro, eu não poderia mesmo renovar. Mas poderia ter tentado um novo contrato, porque estou bem avaliado como DT [Designação Temporária], mas o diretor dificultou essa possibilidade, ampliando a carga horária de uma professora de outra disciplina, que assumiu as aulas de História”, conta. A manobra, reconhece, é legal, mas, dentro de um conjunto de fatos de perseguição ocorridos ao longo de todo o ano de 2021, soa como mais uma face da postura preconceituosa do gestor.
Mais grave, no entanto, foi a atitude do diretor em relação aos colegas mais próximos de Joatan, professores e coordenadora da escola, que não tiveram seus contratos renovados, apesar de estarem igualmente bem avaliados.
“Nós saímos da escola sem resposta plausível por parte do diretor. Não havia motivo para não prorrogar os contratos. Toda a equipe teve nota 100 na avaliação, a melhor”, conta a ex-coordenadora da escola, a pedagoga Ligia Machado.
“Para mim, ele só comunicou que não iria renovar meu contrato no dia 22 de dezembro. Falou que a escola não tinha quantitativo de alunos para ter uma coordenadora. Mas a gente sabe que não é isso. Desde que eu assumi em 2021, não tinha quantitativo. Ele entrou em muitas contradições quando meu advogado questionou os motivos”, relata.
“Todo mundo que era próximo ao Joatan foi prejudicado. Ele deu a entender que simplesmente não queria mais ter na escola, este ano, todas as pessoas que eram próximas dele, que eram amigas dele, que o apoiavam. E sem motivo. Joatan tinha excelente relação com a comunidade e, na escola, o trabalho dele não tinha qualquer reclamação ou ressalva, foi também muito bem avaliado, nota 100”, descreve a pedagoga.
“Hoje estou até melhor, trabalhando em uma escola mais perto da minha casa. Mas ele me negou direito de escolha”, pondera.
‘De homem pra homem’
No boletim de ocorrência unificado registrado logo após o ocorrido (BU nº 44475916), Joatan conta que estava na sala de professores para pegar seu material da aula do dia quando foi interpelado pelo diretor, avisando-o da existência de um pai de aluno que estava incomodado com suas saias e que iria fazer um motim para retirá-lo da escola. Questionado sobre quem seria esse pai, o diretor respondeu não lhe falaria, “pois era um assunto de ‘homem pra homem'”, e ainda alertou Joatan sobre um fato semelhante ocorrido anteriormente, em que um pai chegou armado na escola ameaçando um professor.
No depoimento do diretor na delegacia, segundo o BU, Paulo Eduardo disse que a reclamação na verdade havia partido de uma mãe e que disse para Joatan que era um pai, porque é uma forma genérica de dizer “pais de alunos”.
O gestor também afirmou ao delegado, Carlos Vitor de Almeida Silva, que teria respondido à suposta mãe que “o professor tem a opção sexual dele e não existe nada na lei que proíba o homossexual de se vestir como tal, ou seja, como um homem ou como uma mulher”. E confirmou o relato da ameaça feita por um pai anteriormente. “Realmente eu disse a ele que em 2019, quando os alunos estavam tendo aula de educação física na quadra, distante cerca de 300 metros da escola, um pai chegou nervoso e foi tirar satisfação com o professor e o ameaçou”, mas disse que “apenas citou isso como exemplo para evitar conflito com os pais e responsáveis”, diante do pedido de Joatan para conversar diretamente com o pai que reclamava da sua vestimenta.
OAB
O caso também foi denunciado pela Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Espírito Santo (OAB-ES), por meio do presidente, Hiago Rocha de Oliveira, e da vice-presidente, Yasmin Garcia Piovezzan Leite. Em ofício encaminhado a Marina Bernabé e Viviana Corrêa, respectivamente, presidentes do Conselho Estadual LGBT+ES e da Câmara Técnica de Combate à Violência LGBTfóbica do CELGBT+ES, os advogados pedem que sejam pensadas “estratégias de preservação dos direitos fundamentais desse professor que foi ameaçado e corre o risco de perseguição por motivação homofóbica”.
‘Eu não vou deixar de existir’
Eu suas redes sociais, Joatan registrou, na época, seu temor e indignação. “Eu sou gay, nunca escondi isso de ninguém. E eu gosto de usar as minhas saias. E eu vou continuar usando, porque elas fazem parte de mim. Sou eu, Joatan, assim. Gostem ou não, esse sou eu”, afirmou, em vídeo onde se dizia muito nervoso diante das ameaças. “Mas o que mais me incomodou, foi o pai se incomodar com a minha vestimenta, mas, em nenhum momento, querer saber da escola, se o filho está aprendendo ou não, se está satisfeito com a merenda escolar…”, pontuou.
Sobre a ameaça velada do diretor, Joatan ressaltou que “pessoas LGBTs morrem todos os dias apenas por existir. Elas não podem existir do jeito que elas são. Mas eu digo: eu não vou deixar de existir. Eu vou continuar existindo, dentro da minha individualidade e subjetividade. Eu vou continuar existindo do jeito que eu quero existir. E ninguém vai me tolher disso, porque se não eu serei infeliz. E eu não quero ser infeliz”.
Ao final, o professor pede para o pai, então apontado pelo diretor da escola como reclamante, “para colocar a mão na consciência” e entender que “é na escola onde o filho dele vai aprender a lidar com as outras pessoas, com a diversidade, é onde ele vai se socializar, lidar com o diferente. E é ali que ele vai aprender a respeitar”.
Súplica semelhante ele faz à Corregedoria. “Espero que os fatos sejam apurados com o rigor que é necessário. Um diretor de escola precisa conviver com o diferente e respeitar. Afinal, vivemos em uma sociedade livre”.