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Apesar do racismo e machismo, mulheres negras se destacam na história do ES

Mulheres negras em todo o Espírito Santo deram e ainda dão contribuições importantes em diversas áreas

O Espírito Santo conta com várias mulheres negras que marcaram sua história. No entanto, muitas foram invisibilizadas devido ao machismo e racismo, fazendo com que suas contribuições em diversos âmbitos não fossem conhecidas e reconhecidas. O Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, celebrado nesta segunda-feira (25), é convidativo não somente para se debater essa questão, mas também para trazer à tona nomes que se destacaram por suas contribuições sociais, culturais e na luta contra as opressões no Espírito Santo.

Algumas dessas mulheres são a líder quilombola Zacimba Gaba; a catadora de papel Dona Domingas; a servidora pública estadual Ilma Viana; a médica Maria Verônica da Paz; a quituteira Maria Saraiva; e Zilda Antônia de Aquino, proprietária do tradicional Bar da Zilda, no Centro de Vitória.

A historiadora e integrante do Círculo Palmarino, Lavínia Coutinho Cardoso, destaca que, para os homens negros, também foi dada a invisibilidade ou o branqueamento, como aconteceu com o escritor Machado de Assis, retratado como um branco, mas para as mulheres negras, foi ainda pior. “Os homens se apoiam em uma expressão de poder, que é o machismo, um sistema de opressão. Portanto, as mulheres negras, nessa pirâmide, estão lá na base”, ressalta.
Lavínia Coutinho Cardoso. Foto: Zélia Siqueira

Lavínia afirma que existe muita história a ser relatada sobre mulheres desbravadoras, “mas elas, dentro do cânone tradicional da Academia, fazem parte de uma história que não foi contada”. Entretanto, acredita, embora as redes sociais sejam muito utilizadas, por exemplo, para disseminar fake news, por outro lado, têm sido espaço de voz para as mulheres negras, que passam a contar suas histórias, seus processos de violência e também outros, como os intelectuais. “Não passamos somente por processos de violência, também estamos na Academia, mas não com a expressividade que precisamos”, enfatiza.

Ilma Viana

Uma das mulheres destacadas por Lavínia é a servidora pública estadual Ilma Viana. Falecida em 2017, ela nasceu em Domingos Martins, região serra do Estado, foi criada em Castelo, mas aos 19 anos se mudou para Vitória para trabalhar como empregada doméstica. A historiadora recorda que Ilma foi uma das fundadoras do Círculo Palmarino no Espírito Santo, e, portanto, no Brasil, já que a entidade surgiu no Estado.
Redes sociais

Lavínia também se refere à militante do Movimento Negro como uma “mulher de axé”, já que era Ekedi de Candomblé. Na Capital, além do Círculo Palmarino, Ilma participou de vários movimentos organizados e instituições em defesa do povo negro, entre eles o movimento de mulheres Dandara e o Instituto Elimu.

Participou da primeira Marcha Mundial das Mulheres em 2000 e também da primeira Marcha das Mulheres Negras em 2015. Esteve presente no Congresso de Mulheres Afro-Latinas-Americanas e Afro-Caribenhas em 1992, no qual foi instituído o dia 25 de julho como o Dia Mulher Afro-latino-americana e Caribenha. Quando faleceu, aos 49 anos, estava no segundo mandato do Conselho Gestor do Museu Capixaba do Negro (Mucane), representando o Elimu.

Apaixonada pelo carnaval, morreu dias antes da realização dessa festa, sendo homenageada pela Escola de Samba Unidos da Piedade no Sambão do Povo. Atualmente ela dá nome ao mandato da vereadora de Vitória, Camila Valadão (Psol), primeira mulher negra a assumir esse cargo na Capital. 
Maria Verônica da Paz
Psiquiatra, filha de pai ferroviário, Maria Verônica da Paz foi uma das primeiras mulheres negras a se formar em Medicina. Em 1988, conforme recorda Lavínia, idealizou o Museu Capixaba do Negro (Mucane), localizado no Centro de Vitória. A ideia surgiu por ocasião de um seminário sobre o centenário da abolição da escravidão, realizado na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), quando ela era sub-reitora comunitária da instituição de ensino.
PMV

O Museu foi criado no governo Albuíno de Azeredo, primeiro governador negro do Brasil, dando início à luta para seu funcionamento de fato. “Em um Estado dos mais conservadores, dominado por descendentes de imigrantes, como portugueses, italianos e alemães, não é interessante dar espaço e visibilidade para uma comunidade que não seja a branca”, diz Lavínia.

A historiadora conviveu com Maria Verônica da Paz e rememora alguns sonhos partilhados pela médica em conversas entre ambas. “Lembro dela dizendo, ‘bicho’, eu quero um espaço onde os negros possam se reunir, onde a gente não precise batalhar para conseguir um auditório, fazer nossos eventos”.

Lavínia afirma que Maria Verônica da Paz, que hoje dá nome ao Mucane, não viu o espaço ser finalmente concretizado, o que aconteceu na gestão do então prefeito de Vitória, João Coser (PT), quando o prédio passou para a gestão municipal. “Ela não viu o museu acontecer e se tornar um espaço de aquilombamento. É lá que as organizações do Movimento Negro fazem eventos, reuniões, que tem ensaio do AfroKizomba, é de lá que o AfroKizomba sai para o cortejo negro no Centro de Vitória”, ressalta. A historiadora afirma que “o museu hoje é tudo aquilo que Verônica sonhou e desejou como espaço para a população negra”.
Dona Domingas
“Domingas, a catadora de papel, hoje tem na escadaria a sua estátua, que está vendo lá do céu”. Essa frase é um trecho do samba Tipos Populares de Vitória, da Escola de samba Pega no Samba, de 1986, mas reeditado em 2007. Foi por meio dessa música, que a historiadora e coordenadora estadual do Círculo Palmarino, Ana Paula Rocha, tomou conhecimento de Dona Domingas, homenageada com uma estátua na escadaria Bárbara Lindemberg, que dá acesso ao Palácio Anchieta, no Centro de Vitória.
Leonardo Sá

Questionada sobre quem foi Dona Domingas, Ana Paula afirma que a reposta “vai variar de acordo com quem pergunta e responde”. “Aparece muito forte a imagem da catadora, colocando essa mulher no lugar de mendicância. Várias crônicas se reportam a ela como a mendiga, sem sonhos, desdentada, sisuda. É importante mudar esse olhar”, alerta Ana Paula.

A historiadora destaca que resolveu “fazer uma busca mais atenta” sobre Dona Domingas, que nasceu no início do século XX. Essa busca veio da “necessidade de recuperar a história do povo negro com o olhar não colonizado”. Nessa pesquisa, Ana Paula encontrou parentes e outras pessoas que conviveram com Dona Domingas e descobriu que essa mulher catava papel para vendê-los e, assim, arrecadar recursos para festejos religiosos onde morava, no bairro Santo Antônio, na Capital, além de auxiliar pessoas que necessitavam.

“Domingas tinha sonhos e visão de pertencimento. A cata de papel era para ajudar as pessoas, para pedir que os santos, como Santo Antônio, intercedessem pelas almas dos escravizados. Ela não era um fantasma sem vida, a caminhar pelas ruas de Vitória. Seu caminhar era de esperança. Seu objetivo era agradecer pela vida, receber iluminação para os escravizados que não estão mais aqui”, afirma Ana Paula.
A estátua de Dona Domingas foi feita pelo escultor italiano Carlo Crepaz, o mesmo que fez outras obras do tipo pelo Centro de Vitória, como a do Papa Pio XII, mas, ao contrário das demais, a dela não recebeu nenhuma identificação sobre a homenageada. “É como se fosse uma indigente”, lamenta Ana Paula, que destaca ainda que as referências feitas à estátua normalmente são por causa de seu autor, e não de Dona Domingas.
Maria Saraiva e Zilda Antônia de Aquino
Maria Saraiva e Zilda Antônia de Aquino não se conheceram, mas o destino, digamos assim, de certa forma as uniu. A primeira, informa Ana Paula, era uma quituteira, “a exemplo de várias que no pós-abolição usaram as panelas, a produção de alimento, para sustentar a si, a família, a comunidade”. Cozinhava para as camadas populares, mas seus pratos fizeram tanto sucesso, que passou também a fazer banquetes para os governadores.
Zilda Antônia de Aquino. Foto: Divulgação

Maria Saraiva dá nome à rua onde fica o tradicional Bar da Zilda, no Centro de Vitória, de propriedade de Zilda Antônia de Aquino, “outra mulher negra quituteira”, conforme destaca Ana Paula. Para a historiadora, o estabelecimento “é um lugar de aquilombamento”. “Ela acolhe as rodas de samba; os movimentos organizados; os corpos dissidentes, como os das pessoas trans; a galera da periferia, que encontra no bar um lugar para ser feliz”, exalta.

Ana Paula pontua que o Bar da Zilda “é um espaço de resistência que se dá na questão alimentar”, não somente no sentido de saborear os quitutes, mas “do alimento de uma força, de uma experiência, de um colo de mãe, pois a Zilda está ali para acolher, mas para brigar também, porque se a pessoa pisa na bola ela vai falar”, avisa.

Zacimba Gaba
Zacimba Gaba era uma princesa angolana, conforme narrado na oralidade dos quilombolas do norte do Espírito Santo. Quem relatou sua história para Século Diário foi a pedagoga e escritora Noélia Miranda. “Os quilombolas contam que ela foi escravizada e comprada por um senhor, o José Trancoso, mas não aceitou isso, indo à luta pela resistência negra”, relata Noelia, que diz ainda que a princesa arquitetou um plano de fuga usando as técnicas que conhecia já em sua terra natal.
Essa técnica foi o envenenamento com cobra dos senhores, aos poucos. Assim, ela fugiu, juntamente com outros negros, fundando as primeiras comunidades quilombolas do Sapê do Norte, que abrangem os municípios de São Mateus e Conceição da Barra. “Ela, junto com outros negros, ia de barco em alto mar para atacar navios negreiros e salvar os negros. Acabou sendo morta por arma de fogo”, diz.
Noélia destaca que a resistência de Zacimba Gaba não foi solitária. “Ela levou um grupo consigo, que foi com ela na batalha. Para Zacimba, era pouco a liberdade somente dela, ela queria mais, queria libertar os outros. Era a resistência por meio da solidariedade. Para isso, ela foi à luta corpo a corpo”, destaca.

A história dessa importante liderança foi contada em um livro infantil escrito por Noelia, o Zacimba Gaba, a Princesa Guerreira – A História que Não te Contaram. A trajetória de Zacimba Gaba também é retomada em Zacimbinha – Princesa, Sapeca e Guerreira. No livro, a escritora recorre a um processo imaginário de como foi a infância de Zacimba Gaba na África junto aos amigos, com suas brincadeiras e tradições.

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