Diante da morte de dois detentos no sistema penitenciário em apenas dois dias, a Frente Estadual pelo Desencarceramento do Espírito Santo (Desencarcera – ES) afirma que irá contatar as famílias das vítimas para orientá-las a respeito de seus direitos. O integrante do grupo, Fernando Colombi, acredita que uma das possibilidades é acionar o sistema judiciário, com auxílio da Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), para reivindicar indenização por parte do Estado, que é responsável pelos detentos.
Fernando destaca ainda a necessidade de pressionar para que a investigação chegue ao motivo dos assassinatos, pois, em muitos casos, se descobre quem matou, mas não a motivação, o que aponta “descaso com a vida humana”.
Ele relata que um dos fatores que têm motivado homicídios dentro do sistema prisional é a questão da alimentação, pois como ela é de má qualidade, há presos que comercializam alimentos. Por isso, há casos de endividamentos, que acabam em assassinato.
Fernando é contrário à proibição para que familiares levem comida para os detentos. Para ele, trata-se de um “gesto de afeto, de cuidado” dessas pessoas com seus entes queridos que se encontram encarcerados. “Uma empresa, que precisa fazer comida para um grande número de detentos, dificilmente vai fazer uma comida de qualidade, vai faltar um monte de coisa, vai faltar tempero, vai colocar muita água para dar peso. Temos bastante denúncia de marmita com muita água”, diz.
Um dos presidiários mortos nos últimos dias é Emerson Gomes Pereira, de 19 anos, no Hospital Estadual de Urgência e Emergência (HEUE) nessa terça-feira (28), após ser encontrado ferido em uma cela do Centro de Detenção Provisória de Guarapari nesse domingo (26). Um dia antes da morte de Emerson, outro preso foi encontrado morto na cela do Centro de Detenção Provisória de Vila Velha (CDPVV). Ainda não foram divulgadas, pelo governo, as motivações dos crimes e quem os cometeu.
Fernando destaca que ambos estavam em um Centro de Detenção Provisória, ou seja, ainda não haviam ido a julgamento. “Muitos usam o fato de terem cometido crime para amenizar a violência sofrida dentro do sistema prisional, mas a sociedade sequer pode falar sobre isso nesses casos. Os dois nem estavam com a culpa reconhecida, não se sabe nem se de fato cometeram crimes”, ressalta.
Indenização
O juiz Fernando Antonio Lira Rangel, da 5ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente e Saúde de Vitória, condenou o Governo do Estado a indenizar os familiares do detento Leonardo Silva Gonçalves, mulher transgênero cujo nome social era Aline, morta por espancamento no Presídio Estadual de Vila Velha (PEVV II), em maio de 2020.
Foi estipulado R$ 15 mil de danos morais, considerado irrisório diante da violência sofrida pela vítima, fazendo com que a família tomasse a decisão de recorrer. Também foi estabelecido que o Estado deve indenizar a genitora com 2/3 de R$ 1.175,00 até a data em que a vítima completaria 25 anos e com 1/3 desse mesmo montante até a data em que completaria 76 anos ou até a morte da beneficiária.
O advogado Antônio Fernando Moreira narra em sua petição que a vítima foi morta por sete pessoas. Entre elas, detentos heterossexuais “insatisfeitos em estar na cela com pessoas de opção sexual diversa”. Ele narra que a vítima era obrigada a lavar roupas dos demais presos, levava chineladas amarrada de cabeça para baixo, era privada de alimentação e impedida de sair para banho de sol.
Anuário
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022 aponta que houve 60 mortes de detentos dentro do sistema prisional capixaba nos últimos dois anos. Os óbitos criminais em 2020 foram quatro e, em 2021, três. As mortes por problemas de saúde foram 18 em 2020 e 17 no ano seguinte. Dessas 17, oito foram por Covid-19, conforme aponta a pesquisa, que traz dados de 2021 sobre essa doença, evidenciando 1,3 mil casos de infecção. Aconteceu um suicídio em 2020 e dois em 2021. O Anuário também registra óbitos por causas desconhecidas, sendo sete em 2020 e oito em 2021. Não há registro de falecimento por acidente.